Considerados os limites de um curso de quatro aulas, é preciso eleger um recorte preciso e contido e uma abordagem, provocadora ou, pelo menos, inusitada para os interessados em tradução. Após uma breve introdução acerca dos impasses e prazeres da tradução, perseguidos ao longo do tempo por teorias e práticas variadas, o primeiro recorte é privilegiar matéria, formas e estruturas linguísticas de línguas ameríndias, como ponto de partida para a proposta de quatro exercícios temáticos. Cada tema será introduzido descritivamente e exemplificado por um ou mais exercícios de tradução, a partir, na maior parte dos casos, da língua Kuikuro do Alto Xingu (família karib). O primeiro tema será o do Tempo (linguístico), às vezes fixado forçosamente e equivocadamente por uma tradução imediatista. O segundo tema será o das estruturas gramaticais chamadas de ‘argumentais’ (o tecido que decanta proposições em frases e enunciados), com foco no fenômeno da ‘ergatividade’ e estruturas a ele conectadas. O terceiro tema será o dos elementos epistêmicos, característicos de uma oralidade interacional conjugada a pinceladas de filosofias ameríndias da linguagem. O quarto e último tema será, finalmente, uma apreciação de exemplos de artes da palavra (cantos). Uma serena contemplação das formas é tão relevante quanto a apreensão da complexidade das poéticas faladas e cantadas que povoam o mundo indígena. Cada tema nos levará, por armadilhas e caminhos às vezes tortuosos, à ineludível necessidade de traduzir, assumida, no final dos nossos pequenos percursos, com maior lucidez e responsabilidade e no balanço entre estranhamento e familiaridade.
Questões e propostas de exercícios pelos participantes são bem-vindas.
Bibliografia (sugerida)
Cesarino, P. de Niemeyer. Wenía: o surgimento dos antepassados – Leitura e tradução de um canto narrativo ameríndio (Marubo, Amazônia Ocidental). Estudos de literatura brasileira contemporânea, n. 53, p. 45-99, jan./abr. 2018. http://www.scielo.br/pdf/elbc/n53/2316-4018-elbc-53-45.pdf
Franchetto, B. The ergativity effect in Kuikuro (Southern Carib, Brazil). In: Gildea, S. O. Queixalós, F. (eds), Ergativity in Amazonia, 121-158. NY: John Benjamins. 2010. https://amerindias.github.io/curso2015/referencias/gilque10ergativityama...
Franchetto, B. Traduzindo tolo: “eu canto o que ela cantou que ele disse que...” ou “quando cantamos somos todas hipermulheres”. Estudos de literatura brasileira contemporânea, n. 53, p. 23-43, jan./abr. 2018. http://www.scielo.br/pdf/elbc/n53/2316-4018-elbc-53-23.pdf
Franchetto, B. Línguas Ameríndias: Modos e caminhos da tradução. Cadernos de Tradução, vol. 2, n. 30, 2012. https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/26868
Franchetto, B. A beleza desta língua: Tempo no nome. MANA23(1): 269-291, 2017. http://www.scielo.br/pdf/mana/v23n1/1678-4944-mana-23-01-00269.pdf
Heurich, G. O. Palavras quebradas na poética araweté. Revista Cult. 2016. https://revistacult.uol.com.br/home/palavras-quebradas-na-poetica-arawet...
Stenzel, K.; Franchetto, B. (eds). On this and other worlds: Voices from Amazonia. Berlin: Language Science Press. 2017. Ch. 1 (Amazonian narrative verbal arts and typological gems). Ch. 4 (Pedro de Niemeyer Cesarino, Armando Mariano Marubo Cherõpapa Txano, Robson Dionísio Doles. Marubo)http://langsci-press.org/catalog/book/167