Acordo militar do bloco socialista surgiu em resposta à Otan e chegou ao fim após 35 anos
Em 1º de julho de 1991, chegava ao fim o Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua, precedendo o fim da União Soviética no final do mesmo ano. Também conhecido como Pacto de Varsóvia, o tratado foi assinado em 1955 em resposta à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar do Ocidente. O Pacto buscava garantir a defesa mútua de seus membros em caso de invasões do bloco antagônico, reunindo oito repúblicas socialistas (Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e União Soviética).
O Pacto surgiu no contexto da Guerra Fria, conflito político-ideológico entre as duas maiores potências que emergiram pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945): os Estados Unidos, liderando o Bloco Ocidental, capitalista; e a União Soviética, liderando o Bloco Oriental, socialista.
Em 35 anos de vigência do Pacto de Varsóvia, nunca houve confronto direto com a Otan. Os embates se deram de forma indireta, com os países das alianças apoiando conflitos de terceiros visando aumentar suas áreas de influência. Com a invasão da Tchecoslováquia em 1968, a Albânia foi o primeiro país a deixar o Pacto.
Em 1988, com a URSS já em decadência, seu líder Mikhail Gorbachev adotou a chamada Doutrina Sinatra, que dava liberdade às repúblicas socialistas de fazerem o que bem entendiam. Assim, pouco a pouco, as nações foram desembarcando da aliança, e as tropas russas precisaram regressar ao seu país. Nos anos posteriores, várias dessas nações aderiram à Otan, que permanece ativa até os dias atuais.
César Augusto Rodrigues de Albuquerque, mestre e doutorando em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, conversou conosco sobre o Pacto de Varsóvia e seus reflexos na geopolítica mundial.
Serviço de Comunicação Social: O que foi o Pacto de Varsóvia? Por que foi criado?
César Augusto: O Pacto de Varsóvia, nome pelo qual ficou conhecida a Organização do Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua, foi constituído, em 1955, como uma aliança militar, reunindo a URSS e outras sete repúblicas socialistas da Europa Oriental. O Pacto nasceu como uma resposta à criação da Otan alguns anos antes, em 1949, que reunia as principais potências do bloco capitalista e que em 1955 incorporou a Alemanha Ocidental como membro.
Na prática, o Pacto de Varsóvia estabeleceu um equilíbrio de poder na disputa entre os blocos socialista e capitalista, dissuadindo a hipótese de conflito direto entre as superpotências. Ao mesmo tempo, a organização, sob o controle da URSS, também atuou como instrumento de controle e intervenção dentro do próprio bloco socialista, a exemplo da atuação das tropas aliadas na Tchecoslováquia, em 1968, durante a Primavera de Praga.
Serviço de Comunicação Social: O que significou sua dissolução em meio ao processo de queda da União Soviética?
César Augusto: A dissolução do Pacto de Varsóvia tem início na segunda metade dos anos 1980, com a adoção de uma política externa menos intervencionista da URSS sob a liderança de Mikhail Gorbachev, durante a perestroika. Tal processo se intensificou com a queda dos regimes comunistas no leste-europeu em 1989, levando ao seu encerramento formal ainda em fevereiro de 1991, antes mesmo do colapso soviético, que ocorreria em dezembro do mesmo ano.
Nesse sentido, a dissolução dessa aliança militar se insere no movimento de colapso do bloco socialista e no fim da Guerra Fria, dando lugar a um rearranjo no cenário geopolítico e na distribuição de poder entre as potências globais.
Serviço de Comunicação Social: As consequências do acordo ainda reverberam na política mundial? Podemos relacioná-lo à recente crise entre Rússia e Ucrânia?
César Augusto: O fim do Pacto de Varsóvia - e da própria Guerra Fria - provocou um rearranjo geopolítico e na distribuição de poder entre as potências globais a partir dos anos 1990. Mas o colapso da antiga aliança militar liderada pelos soviéticos não foi acompanhado pela dissolução da Otan, que não só permaneceu ativa como paulatinamente passou a incorporar novos membros, inclusive antigas repúblicas do bloco socialista e da própria URSS.
Mesmo com o encerramento do conflito ideológico e a transição da Rússia para o capitalismo, as relações entre Moscou e as potências ocidentais não evoluíram significativamente na direção de uma cooperação política e econômica estreita, mantendo boa parte da atmosfera de competição e rivalidade que marcaram o período da Guerra Fria. Tal cenário seria reforçado a partir da segunda metade dos anos 2000, com a estabilização econômica da Rússia, após mais de uma década de crise, e a intenção do governo Putin em recuperar o protagonismo e a influência de seu país na esfera regional e global.
Nesse sentido, o fortalecimento da Otan e seu avanço rumo a Europa Oriental é visto por Moscou como uma ameaça aos seus interesses e à sua própria segurança. Sem uma aliança militar para se contrapor à Otan, os russos têm procurado mantê-los distantes de suas fronteiras, daí, portanto, sua oposição ao ingresso da Ucrânia, dos países do Cáucaso e agora da Suécia e da Finlândia na organização.
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César Augusto concentra sua pesquisa na área de História Contemporânea, com ênfase nos processos e transformações do antigo bloco soviético (URSS), sobretudo em relação às temáticas política (doméstica e externa) e econômica. Sua dissertação de mestrado foi defendida em 2015, tendo o título Perestroika em curso: uma análise da evolução do pensamento político e econômico de Gorbachev (1984-1991), e encontra-se disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.