Assassinato de Rosa Luxemburgo

Pensadora, militante política e economista, Rosa Luxemburgo foi assassinada por membros de um grupo paramilitar conservador de direita

Por
Alice Elias
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Assassinato de Rosa Luxemburgo
Segundo Amanda Candeias, "seu corpo [Luxemburgo] foi jogado no canal Landwehr e só foi encontrado em 31 de maio, o que se seguiu com a morte dos principais líderes da Liga Espartaquista. A direita alemã continuou o massacre contra comunistas". (Arte: Alice Elias)

 

Em 15 de janeiro de 1919, a pensadora e militante política Rosa Luxemburgo foi assassinada por membros da Freikorps, um grupo paramilitar conservador de direita. Capturada após participar da tentativa da primeira revolução comunista na Alemanha, na chamada Insurreição de Janeiro, seu corpo foi jogado no canal Landwehr e só foi encontrado quatro meses depois, em 31 de maio.

Nascida na Polônia durante o Império Russo, Rosa Luxemburgo se tornou respeitada economista e pensadora marxista. Dentre suas principais contribuições, suas reflexões esclarecem muito sobre a questão nacional, o imperialismo e suas principais raízes. É autora de obras como Reforma Social ou Revolução; Acumulação do Capital; Greve de Massas, Partidos e Sindicatos e A Revolução Russa, na qual escreveu sobre sua posição a respeito da organização partidária, analisou os eventos da Revolução de Outubro e analisou a greve geral na revolução russa de 1905.

“E podemos utilizar as palavras de Lenin sobre seu legado: ‘[...] não só os comunistas do mundo inteiro cultivarão sua memória, mas sua biografia e seus trabalhos [...] servirão como manuais úteis para o treinamento de muitas gerações de comunistas por todo o mundo"', afirma Amanda Candeias, mestre em História Política pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Rosa Luxemburgo?

Amanda Candeias: Rosa Luxemburgo foi uma economista, marxista e militante política. Nasceu na Polônia em 1871, quando ainda era um território do Império Russo. Ainda jovem ingressou em uma organização partidária socialista, o Proletariat e, por conta das atividades clandestinas do grupo, Luxemburgo teve que se mudar secretamente para Zurique, na Suíça. Na Universidade de Zurique cursou o doutorado e defendeu a tese “O Desenvolvimento Industrial da Polônia” onde apontou como o crescimento da Polônia estava relacionado à economia do Império Russo e como uma eventual separação encolheria o mercado “polonês”, fazendo com que, ao invés de haver um avanço das indústrias polonesas, ocorresse um retrocesso. Em sua tese já conseguimos vislumbrar o quanto era importante para Luxemburgo a questão nacional que vivenciava e que mais tarde, além de escrever mais textos sobre o tema, debateria com Lenin. Ainda em Zurique, Luxemburgo conheceu o socialista Leo Jogiches, com quem desenvolveu uma parceria pessoal e política. Participaram juntos da fundação do SDKP (mais tarde seria conhecido como SDKPiL, pois incluiria a Lituânia), o partido Social-Democracia do Reino da Polônia em 1893. Em maio de 1898, Luxemburgo se mudou para Berlim e logo se lançou nos círculos socialistas, opondo-se ao revisionismo de Eduard Bernstein. Graças a esses debates, Luxemburgo ganhou espaço e conheceu importantes líderes do partido socialista alemão, como August Bebel e Karl Liebknecht. A partir daí, Rosa Luxemburgo se desenvolveria como uma pensadora marxista cada vez mais respeitada.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

Amanda Candeias: Dentre suas principais contribuições, destaco quatro obras: Reforma Social ou Revolução; Acumulação do Capital; Greve de Massas, Partidos e Sindicatos e A Revolução Russa. Em Reforma Social ou Revolução, Luxemburgo já mostrava sua posição a respeito da organização partidária, contra o reformismo. Em Acumulação do Capital, sua maior obra econômica, Luxemburgo dirá que nos esquemas de Karl Marx não seria possível encontrar a resposta para o surgimento de demanda para o aumento da produção no capitalismo. Segundo a autora, essa demanda viria de fora do capitalismo, ou seja, de áreas não capitalistas do mundo. Em Greve de Massas, Partidos e Sindicatos, vemos sua análise da greve geral em um período concreto da história: a revolução russa de 1905. E em A Revolução Russa, de 1918, Luxemburgo analisa os principais eventos da Revolução de Outubro. As contribuições de Luxemburgo para o marxismo reverberam até hoje. Nessas quatro obras destacadas muito brevemente, por exemplo, encontramos reflexões da autora que nos dizem muito a respeito do imperialismo e suas principais raízes. Ao analisar a questão nacional na Revolução de Outubro, Luxemburgo debate um tema que estamos presenciando ainda em nosso tempo.

Serviço de Comunicação Social: Em sua dissertação de mestrado, você estudou o diálogo entre o pensamento de Rosa Luxemburgo e de Lenin sobre o nacionalismo. Quais os principais aspectos tratados nessas interações?

Amanda Candeias: Em seu debate com Lenin sobre a questão nacional dentro do campo socialista, é possível destacar alguns tópicos que renderam tanto divergências quanto convergências entre o pensamento dos autores: autodeterminação das nações, autogoverno, federalismo e autonomia.

O conceito de autodeterminação iniciou o debate entre os autores. Enquanto Lenin defendia a autodeterminação dos povos e inclusive o direito à secessão, Luxemburgo fazia oposição a ambos, se posicionando contra aos movimentos independentistas poloneses, inclusive. O que Luxemburgo defendia era justamente que o proletariado polonês se unisse ao proletariado russo e juntos se levantassem contra o Império czarista. Referente à autonomia, ambos os autores concordavam que era necessária uma certa autonomia local para tratar de assuntos absolutamente locais e principalmente corrigir erros do excesso de centralização. Assim como o conceito de autonomia, o autogoverno também era um ponto de convergência dos marxistas. Ambos consideram compatível a existência do autogoverno com o centralismo democrático. Não significava que havia um governo separado ou independente, apenas um descentralizador de decisões.

Por fim, um conceito que também guiou os debates entre Lenin e Luxemburgo, foi o federalismo. Ambos os autores rejeitavam o federalismo, considerando-o uma forma contrária ao modelo centralista de Karl Marx, associado a Bakunin.

Tanto Lenin quanto Rosa Luxemburgo consideram o nacionalismo importante na fase inicial do capitalismo, pois estimulava movimentos centralizadores contrários ao fragmentado feudalismo. Porém, na fase posterior do capitalismo, diferem, pois, Luxemburgo considerava que o nacionalismo havia perdido qualquer caráter positivo e assumia somente as feições imperialistas. Já Lenin distinguia o nacionalismo de grandes nações opressoras e o nacionalismo das pequenas nações oprimidas, dando atenção especial às nações colonizadas. Luxemburgo se posicionava contrária aos movimentos nacionais, mesmo de nações oprimidas, pois considerava que a burguesia nacional, mais cedo ou mais tarde, se uniria à burguesia estrangeira opressora. Resumindo, enquanto Luxemburgo via as lutas nacionais como meramente lutas burguesas, Lenin enxergava algum potencial positivo para as lutas de classes.

Sobre o debate entre Rosa Luxemburgo e Lenin sobre a questão nacional, é difícil determinar simplesmente um certo e um errado, como tendemos a fazer em debates de ideias contrárias, pois enquanto Lenin parece ter tido êxito em suas ideias no tempo presente em que estava, Luxemburgo parece ter “acertado” a longo prazo. Entretanto, independente da posição que se chegue sobre as ideias dos dois autores, o estudo das posições de ambos, suas convergências e divergências, é importante para compreendermos a questão nacional, que ainda é recorrente em nosso tempo, basta nos atentarmos aos movimentos nacionalistas que estão ressurgindo no século XXI.

Serviço de Comunicação Social: Quais as motivações para seu assassinato em 1919? Quais as repercussões e consequências de sua morte?

Amanda Candeias: Em novembro de 1918, Rosa Luxemburgo, que estava presa, foi libertada e participou da fundação do KPD (Partido Comunista da Alemanha) e posteriormente participou ao lado de Karl Liebknecht da Insurreição de Janeiro, em 1919, que foi a tentativa da primeira revolução comunista na Alemanha. Pessoalmente, Luxemburgo considerava o levante prematuro, mas não se negou a participar. Com o fracasso da insurreição, Rosa Luxemburgo e Liebknecht foram capturados. Ambos foram assassinados por membros da Freikorps (grupo paramilitar conservador de direita) em 15 de janeiro do mesmo ano. Seu corpo foi jogado no canal Landwehr e só foi encontrado em 31 de maio, o que se seguiu com a morte dos principais líderes da Liga Espartaquista. A direita alemã continuou o massacre contra comunistas.

Com a morte de Rosa, o debate com Lenin se encerraria. Ao longo de suas vidas, Rosa e Lenin tiveram momentos de distanciamento e aproximação, mesmo que ambos estivessem no campo mais radical e revolucionário dentro da social-democracia dos países que atuavam. E podemos utilizar as palavras de Lenin sobre seu legado: “[...] não só os comunistas do mundo inteiro cultivarão sua memória, mas sua biografia e seus trabalhos [...] servirão como manuais úteis para o treinamento de muitas gerações de comunistas por todo o mundo.”  Rosa Luxemburgo foi e ainda é uma das mais importantes pensadoras marxistas. É injusto dizer que esse breve texto fez jus a suas ideias tão complexas, mas tivemos a grata oportunidade de enfatizar sua inegável contribuição aos nossos dias atuais, quanto à questão nacional principalmente.


Amanda Cristina das Candeias Ramos Viudes é mestre em História Política pela FFLCH, onde pesquisou sobre o pensamento de Rosa Luxemburgo acerca da questão nacional e autodeterminação dos povos e seu debate com Lenin em particular. Para quem se interessar sobre o tema, sua dissertação está disponível em Rosa Luxemburgo Sobre a Questão Nacional: em geral e nos debates com Lenin em particular.
 

Bibliografia:

CANDEIAS, Amanda; SEGRILLO, Angelo. Rosa Luxemburgo e seus debates com Lenin Sobre a Questão Nacional. São Paulo: FFLCH/USP, 2022.
LUXEMBURGO [grafado LUXEMBURG], Rosa. The Right of Nations to Self-Determination. [1908-1909a] disponível online em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1909/national-question/ch01… (acesso em 03/01/2023).
LUXEMBURGO [grafado LUXEMBURG], Rosa. The Nation-State and the Proletariat. [1908-1909b] disponível online em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1909/national-question/ch02… (acesso em 03/01/2023).
LUXEMBURGO [grafado LUXEMBURG], Rosa. Federation, Centralization and Particularism. [1908-1909c] Disponível online em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1909/national-question/ch03… (acesso em 03/01/2023).
LUXEMBURGO [grafado LUXEMBURG], Rosa. Centralization and Autonomy. [1908-1909d] Disponível online em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1909/national-question/ch04… (acesso em 03/01/2023).
LUXEMBURGO [grafado LUXEMBURG], Rosa. The National Question and Autonomy. [1908-1909e] Disponível online em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1909/national-question/ch05… (acesso em 03/01/2023).
LUXEMBURGO, Rosa. A Revolução Russa. Introdução, tradução e notas de rodapé de Isabel Maria Loureiro. Petrópolis: Vozes, 1991.
LUXEMBURGO [grafado LUXEMBURG], Rosa. The Accumulation of Capital. Londres: Routledge, 2003.