O Brasil é cortado por um corredor de nuvens desde a Região Amazônica até o Oceano Atlântico chamado de Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Na prática, é um sistema meteorológico que provoca chuvas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste entre a primavera e o verão.
Os fenômenos El Niño e La Niña (respectivamente o aquecimento e resfriamento do Oceano Pacífico Equatorial) influenciam diretamente a formação da ZCAS no Brasil.
Uma dissertação de mestrado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP defendida em março de 2023 pelo geógrafo Ian Verdan da Silva avaliou o a relação entre a ocorrência da ZCAS e o fenômeno El Niño nos meses de janeiro a março entre os anos de 2000 e 2021.
Os resultados mostraram que a frequência de episódios de ZCAS é maior durante os períodos de La Niña, em comparação com as fases neutra e de El Niño.
De acordo com o pesquisador, as implicações em nossa vida cotidiana podem ser positivas, como mais água em reservatórios, energia elétrica mais barata e favorecimento da produção agropecuária, ou negativas, como inundações, epidemias e outros desastres naturais. Confira a entrevista completa:
Serviço de Comunicação Social: Poderia explicar com suas palavras o que foi sua pesquisa?
Ian Verdan da Silva: A ZCAS responde por quase um terço de todo o volume de chuva observado na região Sudeste do Brasil, tendo impactos diretos na região mais densamente povoada e economicamente ativa do país, onde se localiza a maior parte dos reservatórios para a geração de energia hidrelétrica no Brasil, assim como alguns dos principais ecossistemas do continente, como Pantanal, Amazônia e Mata Atlântica. Considerando esse contexto, minha pesquisa buscou identificar a associação entre a ocorrência de episódios de ZCAS e o fenômeno El Niño–Southern Oscillation, nos meses de janeiro a março de 2000 a 2021.
Serviço de Comunicação Social: Como a maior frequência de ZCAS durante os períodos de La Niña se reflete em nosso cotidiano de uma forma prática?
Ian Verdan da Silva: Essa é uma parte que não consegui explorar muito na pesquisa por falta de tempo, mas no período de La Niña há mais ZCAS na região Sudeste do Brasil, implicando em maior volume de água nos reservatórios, barateando a geração de energia, uma vez que as termoelétricas podem não ser acionadas no inverno. Além disso, esse período favorece a agropecuária, pois mais água significa mais produção, meus avôs e tios são agricultores, então acompanho de perto como isso funciona, a produção de leite melhora pq os pastos estão mais verdes e etc, isso sem considerar a soja, o milho e o trigo. Em contrapartida, a frequência de movimentos de massa, inundações e surtos de arboviroses pode ser potencializada durante a La Niña, podendo causas desastres naturais ou epidemias, sendo necessário políticas públicas que visem a redução do risco e da vulnerabilidade das populações mais vulneráveis. Durante os períodos de El Niño o cenário pode se inverter, elevando o valor da energia, dos alimentos e da água.
Serviço de Comunicação Social: Como esses resultados podem servir para estudos e medições por especialistas e profissionais?
Ian Verdan da Silva: Na ciência tudo é uma constante construção, espero que no futuro alguém complemente minha pesquisa, ou mesmo a refute. O importante é a evolução do saber. Não sei bem como responder essa pergunta.
Serviço de Comunicação Social: E que novas aplicações você acha que podem ser desenvolvidas a partir de seu trabalho?
Ian Verdan da Silva: Acho que é essencial entendermos como e se essa configuração afeta a geração de energia, qual o tempo de resposta. Outra pergunta que eu me fiz é até que ponto o desmatamento pode alterar essa variabilidade climática, ou se já não está alterando, minha pesquisa teve um recorte muito curto para responder a essa pergunta. E por fim, quais os impactos provocados na sociedade, seja em grandes metrópoles ou em comunidades rurais, será que são afetados de maneira igualitária, será q a La Niña traz benefícios para o campo e malefícios para o urbano?
