Publicação de Mayombe, de Pepetela

“Mayombe” é o resultado de eventos e questões experienciadas por Pepetela durante a Guerra de Libertação.

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Larissa Gomes
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Mayombe em preto e branco com pintura africana atrás
Dentre os desafios à revolução retratados por “Mayombe”, temas como a disputa pelo poder entre as diversas etnias locais, “tribalismo”, o sectarismo ideológico, o machismo arraigado, o burocratismo do MPLA, entre outros aspectos ganham espaço no texto, segundo Antonio Pires de Oliveira Filho. (Arte por: Larissa Gomes)

A partir das suas vivências como guerrilheiro na luta anticolonial de Angola contra Portugal, Pepetela, publicou Mayombe. Na obra ele apresenta ao leitor a história de um grupo de guerrilheiros ligados ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). No enredo, o conflito se estende na zona florestal atlântica de Maiombe, que batizou a obra. Porém, a obra não pode ser restringida apenas ao contexto de guerra, pois também retrata dramas humanos e conflitos interpessoais que são observados em outros contextos anticoloniais.

Segundo Mário César Lugarinho, professor do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a escrita de Mayombe dá formas idealizadas às ações de personagens que vivem em situação de extrema adversidade, na medida em que confere a eles cordialidade e doçura nas relações interpessoais.

Além dos impasses da guerra retratados por Mayombe, José Antonio Pires de Oliveira Filho, doutor de Literaturas Comparadas de Língua Portuguesa Da FFLCH aponta que a obra traz temas como a disputa pelo poder entre as diversas etnias locais, “tribalismo”, o sectarismo ideológico, o machismo arraigado e o burocratismo do MPLA. Além disso, a violência resultante da política colonial e as suas consequências também são observadas em países que já foram colonizados. Sendo assim, o uso da língua portuguesa falada em Angola e o passado colonial aproximam a obra da realidade brasileira.

Para conhecer mais sobre o livro, confira a entrevista completa com José Antonio:

Serviço de Comunicação Social: Em linhas gerais, qual é a temática central abordada pela obra?

Antonio Pires de Oliveira Filho: A obra intitulada Mayombe, publicada em 1980, embora concebida entre os anos de 1970 e 1971, é da autoria de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido pelo pseudônimo Pepetela (1941 -). O enredo apresenta um grupo de guerrilheiros ligados ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), quando se trava a guerra anticolonial contra Portugal (1961–1974). No texto, o conflito expande-se pelo extremo norte de Angola, especificamente na zona florestal atlântica de Maiombe, cujo nome batiza a própria obra, numa região concentrada, mais especificamente, no enclave de Cabinda.

Embora a guerra seja o pano de fundo e presença constante na narração, faz-se predominante na obra a interação entre os guerrilheiros. O autor busca expor a multiplicidade de concepções, peculiaridades e dilemas, que estavam contidos naqueles que compunham as fileiras da revolução, esse aspecto confere à obra uma natureza reflexiva e, por que não, pedagógica; visto que as ações dos agentes envolvidos no processo são postas em revista, pois poderiam representar entraves para a nação-livre que viria a se tornar Angola.

Dentre os desafios à revolução retratados por “Mayombe”, temas como a disputa pelo poder entre as diversas etnias locais, “tribalismo”, o sectarismo ideológico, o machismo arraigado, o burocratismo do MPLA, entre outros aspectos ganham espaço no texto. Esses conteúdos são apresentados por meio de uma forma textual igualmente complexa. O foco narrativo é fragmentado entre diversos personagens, bem como há um narrador externo, permitindo a particularização de perspectivas e a observação ampla, conformando um mosaico crítico, que não pode ser lido como mera panfletagem ou defesa de um ponto de vista, mas um conjunto de tensões em plena ebulição, transformando essa obra em uma referência para compreender o que Angola viveu naqueles anos.

Serviço de Comunicação Social: O livro é uma representação da luta da independência na Angola, como a narrativa  pode se relacionar com outros países que também foram colonizados?

Antonio Pires de Oliveira Filho: “Mayombe” é uma narrativa que trata da guerra de libertação angolana, bem como discute problemas circunscritos na Angola dos anos 1970. Entretanto, não pode ser restringida apenas a esse registro, pois ela trata sobre dramas humanos, questionamentos que podem sim ser observados em outras revoluções anticoloniais. Sendo assim, a violência colonial e seus efeitos sobre os sujeitos colonizados pode ser aproximada, bem como as dúvidas que se faziam presentes no contexto da obra, podem ser encontradas em outras conjunturas.

Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita de Pepetela em Mayombe?

Antonio Pires de Oliveira Filho: Pepetela é um escritor angolano que faz uso da língua portuguesa falada em Angola, com evidentes influências das línguas locais. Soma-se a isso, em “Mayombe”, o emprego de expressões que remetem ao contexto da guerra e que marcam, temporalmente, a narrativa na década de 1970.

Para além desse âmbito, uma das marcas das obras do autor é o tom ácido e crítico daquilo que produz, em que nenhuma instituição ou grupo é poupado, seja por meio da ironia ou mesmo por meio de uma análise direta. Essa forma de conduzir a narrativa também pode ser apreciada em outras obras de sua autoria, como “Geração da Utopia” e “Predadores".

Serviço de Comunicação Social: Durante a longa guerra, Pepetela lutou juntamente com o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) para a libertação do país. Poderia nos dizer como Mayombe representa a própria vivência do autor?

Antonio Pires de Oliveira Filho: “Mayombe” é o resultado de eventos e questões experienciadas por Pepetela durante a Guerra de Libertação. Após um episódio em que o autor redigiu um comunicado sobre uma ação militar que participara em Cabinda e que este seria lido na estação de rádio do Movimento, desperta-lhe a necessidade de expandir o que estava vivenciando por meio de uma narrativa.

Segundo ele, a obra permitiu-lhe ampliar ficcionalmente as sensações e experiências decorrentes desse evento. A sensibilidade do autor transliterou essas vivências para o texto literário, refletindo, naturalmente, seus valores e suas perspectivas, tanto que ela funcionou em seu tempo, como um conjunto de orientações e autocrítica aos militantes do MPLA naquele cenário e não pode ser compreendida se retirada dessa condição. Os personagens e suas posições, assim como os dilemas retratados, são todos moldados pela visão de Pepetela em relação à revolução e seus participantes. A obra também revela sua percepção de que os desafios apontados pelo desfecho daquela luta não seriam resolvidos com o término do conflito. 

Mário César Lugarinho é Professor Associado 3 da Universidade de São Paulo na área de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa com os seguintes temas: Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, Estudos Pós-coloniais, Estudos Culturais e Estudos Queer

Antonio Pires de Oliveira Filho é doutor na área de Literaturas Comparadas de Língua Portuguesa na FFLCH mesma instituição em que é mestre.