Guerra do Golfo

O Golfo Pérsico foi palco de um conflito de impactos profundos e repercussão internacional até dias recentes. O início da década de 1990 foi marcado pelo antagonismo entre um Iraque liderado por Saddam Hussein e o grande poderio militar dos Estados Unidos

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Pedro Seno
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Segundo José Arbex, “um novo mundo se abria, sob hegemonia estadunidense, com todos os perigos e incertezas próprias de um período de transição” [Arte: Pedro Seno]

A Guerra do Golfo foi um conflito bélico entre uma Coalizão Internacional formada por resolução da ONU e liderada pelos Estados Unidos contra o Iraque. Teve início em agosto de 1990, durou até fevereiro de 1991. O objetivo oficial da guerra, na posição ocidental, era a libertação do Kuwait, que havia sido invadido e ocupado pelo exército iraquiano sob comando de Saddam Hussein. 

O jornalista e pesquisador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, José Arbex Júnior, acredita que a motivação do enfrentamento estadunidense é também o transicionamento efetivo para uma nova ordem de poder após o fim da Guerra Fria - fica assim consolidado o mundo unipolar de influência dos Estados Unidos.

Apesar de ser considerada como o início do período de hegemonia dos Estados Unidos em relação à ordem global, a mesma está em vias de decadência. Se antes o mundo necessitava de uma demonstração de poderio militar como principal via para assegurar domínio político, atualmente essa lógica está se subvertendo para o poderio comercial. A crescente ascensão do sul global e da China na economia mundial impõe desafios de outra ordem para os Estados Unidos que, no momento da Guerra do Golfo levantava-se como vitorioso do extinto mundo bipolar.

Confira a entrevista realizada com José Arbex na íntegra para mais detalhes sobre o famoso conflito:

Serviço de Comunicação Social: O que foi a Guerra do Golfo?

José Arbex Júnior: Num sentido  geral, a Guerra do Golfo foi uma mobilização estratégica de forças que consolidou a posição dos Estados Unidos como a potência vencedora da Guerra Fria. Foi a imposição, com pompa e circunstância, da "nova ordem" anunciada pela queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, e consolidada com o ataque a Bagdá. Ao determinar o ataque ao Iraque, a Casa Branca explicitava o seu total desprezo por todas as instâncias multilaterais, incluindo a ONU. A Guerra do Golfo correspondeu, enfim, à inauguração de uma nova ordem mundial construída sobre os escombros da União Soviética. Ficava para trás a fórmula "guerra improvável, paz impossível", proposta por Raymond Aron para caracterizar o "equilíbrio do terror" que regeu o conjunto das relações internacionais entre 1945 e 1989.

Serviço de Comunicação Social: Quais impactos de tal guerra no para os países envolvidos e para o contexto geopolítico mundial?

José Arbex Júnior: Os impactos foram profundos e de longa duração. Ficou claro, então, que estava em curso um processo de transição para um mundo unipolar. Deixava de existir a divisão do mundo entre os dois grandes "blocos" que disputavam a hegemonia (de um lado, os socialistas e de outro os capitalistas), procurando influenciar, por todos os meios (incluindo cooptação ideológica e política, corrupção, chantagens, políticas de sanções e pressões financeiras via Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial etc.), os países "não alinhados" que tentavam se equilibrar entre os dois grandes, num contexto de lutas anticoloniais e pela independência nacional, principalmente nos continentes africano e asiático. Um novo mundo se abria, sob hegemonia estadunidense, com todos os perigos e incertezas próprias de um período de transição. Mas, do ponto de vista da Casa Branca, a Rússia ainda era vista como o inimigo, apesar de não mais existir a URSS, pelo fato de ser o maior país, em área, da Eurásia, com todos as suas riquezas naturais (incluindo petróleo, gás, ouro, urânio etc.) e montado sobre um arsenal nuclear capaz de rivalizar com o estadunidense. Isso determinou a estratégia de "cerco à Rússia" pela Otan, apesar de todas as garantias dadas ao então dirigente soviético Mikhail Gorbatchev de que isso não aconteceria. A atual "guerra da Ucrânia" é uma consequência direta da estratégia de cerco à Rússia.

Serviço de Comunicação Social: Como você acha que a guerra repercute até os dias atuais?

José Arbex Júnior: A Guerra do Golfo repercute até hoje, sem dúvida. Se ela inaugurou um novo período unipolar sob a hegemonia dos Estados Unidos, o que vemos hoje no mundo é agonia dessa mesma ordem. Os Estados Unidos e seus aliados, principalmente europeus, sentem os impactos do crescimento, em todos os sentidos, do chamado "Sul Global", sob a liderança da China, e com decisiva participação dos Brics, incluindo o Brasil. Um momento decisivo foi o anúncio, em 2013, da Nova Rota da Seda, feito pelo dirigente chinês Xi Jinping, com o objetivo de unificar a Eurásia numa imensa área de trocas de bens, capitais, serviços e movimentação livre de bilhões de seres humanos conectados virtualmente e fisicamente, por meio de ferrovias de alta velocidade, estradas, portos e aeroportos. Tanto a "Guerra da Ucrânia" quanto o genocídio em Gaza são reflexos da agonia de uma ordem que se recusa a aceitar a nova realidade mundial. Se os estertores da antiga ordem inaugurada pela Guerra Fria foram explicitados pela Guerra do Golfo, isto é, por força bruta militar, a agonia da ordem inaugurada em 1991 ocorre agora por força do comércio e da integração econômica dos países do Sul, em especial os da Eurásia. Nesse sentido, estamos presenciando agora o fim da Guerra do Golfo…



José Arbex Júnior é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (2000). Como jornalista profissional, foi correspondente do jornal Folha de S.Paulo em Nova York e Moscou, quando cobriu vários eventos internacionais de grande importância, incluindo a queda do Muro de Berlim, a Primavera de Pequim, a retirada soviética do Afeganistão e o desenvolvimento da perestroika, entre outros. Entrevistou Mikhail Gorbatchev, Yasser Arafat, Hugo Chávez e outros líderes, intelectuais e artistas de renome mundial.

Com informações de Memória Globo