Nascimento de Edgar Allan Poe

Autor de títulos como "O Corvo", "O Gato Preto" e "A Queda da Casa de Usher", Poe foi escritor ao longo de sua vida inteira

Por
Alice Elias
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Nascimento de Edgar Allan Poe
Segundo Fabiana Vilaço, "O mistério e a posição do humano diante dos diferentes horrores do mundo são certamente grandes marcas da literatura de Poe que influenciam público leitor, escritores e escritoras até os dias de hoje". (Arte: Alice Elias)

Em 19 de janeiro de 1809, nasceu o escritor estadunidense Edgar Allan Poe, em Boston. Autor de títulos como O Corvo, O Gato Preto e A Queda da Casa de Usher, Poe foi escritor ao longo de sua vida inteira – escreveu contos, poesias, resenhas, ensaios críticos, uma peça de teatro e um romance.

Sua escrita, influenciada por tendências estéticas como a atmosfera gótica, o suspense e o horror, também reflete o período de transformação cultural nos Estados Unidos, que buscava definir uma identidade nacional a partir da literatura. “Seu modo de trabalhar a linguagem, e os diversos recursos literários que mobilizou, foi muito original. Sua reflexão constante sobre o próprio trabalho de escrita também”, explica Fabiana Vilaço, mestre e doutora em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Edgar Allan Poe?

Fabiana Vilaço: Edgar Allan Poe foi um escritor estadunidense que viveu entre 1809 e 1849. Nasceu em Boston, Massachusetts, e morreu em Baltimore, Maryland. É importante considerar que o país era muito diferente do que é hoje, ainda consolidava sua independência e sua identidade nacional, inclusive no campo da cultura e da literatura. O mercado editorial era muito diferente também. Não havia leis de direitos autorais, por exemplo. Poe viveu como escritor a vida inteira — ou seja, não tinha outra profissão que lhe garantisse a subsistência enquanto escrevia nas horas vagas. Assim, enfrentou muitas dificuldades financeiras e também cultivou muitas inimizades no extremamente competitivo mercado editorial da época.

Escreveu contos, poesia, uma peça de teatro (que permaneceu incompleta) e um romance. Também escreveu inúmeras resenhas, inclusive sobre obras de escritores contemporâneos seus, e ensaios críticos, além de dar palestras, sempre sobre literatura e o trabalho de escrever. Engajou-se em debates e ações por melhores condições de trabalho para escritores e para maior regulação do mercado. É muito comum o interesse das pessoas na biografia de Poe, que de fato foi marcada por muitas reviravoltas. Ele ficou órfão muito cedo e cresceu longe de seus irmãos. Foi criado pela família Allan, de quem acabou utilizando o sobrenome, embora nunca tenha sido oficialmente adotado pelo casal. Com a morte de John Allan, e não tendo sido contemplado em seu testamento, passou por muitas dificuldades financeiras. Chegou a servir o exército na base de West Point e a estudar por um tempo na Universidade da Virgínia, embora não tenha chegado a se formar. Casou-se e ficou viúvo. Mudou-se de cidade (e de emprego) muitas vezes, tendo vivido em grandes cidades dos EUA da época (Boston, Nova York, Filadélfia…). Há muitos outros eventos e detalhes interessantes em sua biografia, mas acredito não ser esse o único viés para entender Poe e sua obra. Considero ser extremamente relevante considerar todo o envolvimento de Poe na atividade de escrita e na sua atuação no mercado na época para compreender aspectos fundamentais de sua escrita.

Serviço de Comunicação Social:  Quais elementos caracterizam a escrita de Allan Poe?

Fabiana Vilaço: A escrita de Poe foi muito influenciada, por um lado, por tendências estéticas em voga no Romantismo europeu na época (literatura gótica, de terror) e, por outro, pelo extremamente fértil período de transformação cultural nos Estados Unidos, o qual se orientava por uma busca em definir uma identidade nacional por exemplo por meio da literatura. Era muito comum, na época, a escrita sensacionalista, exagerando nos detalhes grotescos e sórdidos. Poe, quando empregava tais elementos em suas obras, passava-os pelo crivo da seleção criteriosa e da sua organização em torno da criação de um efeito único. Este era um de seus princípios mais conhecidos e culminou, entre outras coisas, no desenvolvimento da forma do conto de detetive, uma de suas criações mais originais e influentes. Cito aqui Os Assassinatos da Rua Morgue, O Mistério de Marie Roget e A Carta Roubada como recomendações imperdíveis de leitura para conhecer esta vertente da escrita de Poe. Poe acreditava que a poesia era a forma literária superior. Seu poema O Corvo é um dos mais influentes. Contudo, provavelmente por pressões financeiras, escreveu muito mais prosa do que poesia — era a época em que florescia o romance de folhetim. Era grande o interesse do público leitor por histórias, contos e romances. A preferência de Poe por contos, em detrimento do romance, fundamentava-se em sua tese de que uma leitura mais curta permitia que o leitor permanecesse sob o controle do escritor de forma mais eficaz. Sendo o romance uma leitura longa, os problemas do mundo interfeririam nessa íntima relação. Este princípio ele mesmo elaborou em alguns de seus textos teóricos. É provável que derivem dessas suas duas concepções principais — a necessidade da obra literária ser curta e de ela ser escrita visando a um efeito único — a intensidade e a grande qualidade de sua escrita: é comum ouvirmos leitores dizendo o quanto se sentem absorvidos durante a leitura de seus contos, e o quanto é difícil parar a leitura, uma vez que se inicia. Podem-se observar esses elementos em muitas obras dele, mas recomendo especialmente a leitura de A Queda da Casa de Usher, um de seus mais celebrados contos. Com uma atmosfera gótica, de suspense e horror construída meticulosamente, é um conto em que vemos com muita clareza os resultados da intensa reflexão de Poe sobre o trabalho de escrita.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a Literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

Fabiana Vilaço: Acredito que suas obras trazem grandes contribuições para a literatura pelas características que citei na questão anterior. Seu modo de trabalhar a linguagem, e os diversos recursos literários que mobilizou, foi muito original. Sua reflexão constante sobre o próprio trabalho de escrita também — esta culminou na figura do detetive. É importante pensar nesse tipo específico de personagem como um que não apenas soluciona mistérios, mas também exibe em detalhes o passo a passo que lhe permitiu unir elementos aparentemente desconexos da realidade para atribuir-lhes significado definitivo. Metaforicamente, este era um exercício do próprio escritor refletindo sobre como, em sua atividade, ele lidava com as inúmeras contradições e conflitos de seu tempo. Não deve ser à toa que observamos a persistência da produção de histórias de mistério, detetive e horror até hoje. Isso certamente também diz muito sobre o nosso próprio tempo, sobre a persistência de um desejo de entender mais profundamente a realidade (a sociedade, a história, nosso papel nesses processos) e dar a ela algum sentido. Além disso, é importante ressaltar a influência de Poe hoje também no campo acadêmico, considerando que ainda há muitas pesquisas voltadas para estudar sua obra. Eu mesma já orientei algumas pesquisas e participei de bancas de qualificação e defesa sobre o assunto. Por fim, seria relevante mencionar também que há influências de Edgar Allan Poe na literatura brasileira. Para não me alongar, eu destacaria o interessante livro Gótico Nordestino, do escritor brasileiro contemporâneo Cristhiano Aguiar. Tive a oportunidade de conversar com o próprio escritor, que também é professor de literatura, e ele mesmo me explicou como sua escrita foi influenciada por suas leituras dos contos de inspiração gótica de Poe. Podemos visualizar bem isso ao ler seu livro. O mistério e a posição do humano diante dos diferentes horrores do mundo são certamente grandes marcas da literatura de Poe que influenciam público leitor, escritores e escritoras até os dias de hoje.

Fabiana de Lacerda Vilaço é mestre e doutora em Letras pela FFLCH. Tem atuação no ensino superior, na pós-graduação e na escola básica. No momento, atua como professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus Cubatão, e realiza pesquisa de pós-doutorado sobre estudos de cultura e de literatura na Universidade de São Paulo. Para quem se interessar pelo tema, sua tese de doutorado está disponível em A figuração da experiência histórica em Edgar Allan Poe.
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8147/tde-12122016-110440/pt-br.php