Nota de falecimento: Anita Waingort Novinsky

Por
Redação
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Comunicamos com pesar o desaparecimento da professora titular emérita da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Anita Waingort Novinsky (1922-2021), ocorrido no dia 20 de Julho de 2021. A professora recebeu o titulo de Pioneira da Ciência do CNPq e foi responsável pela formação de várias gerações de historiadores especializados nos estudos inquisitoriais e das comunidades cristãs novas ibéricas; fundou e inspirou numerosas instituições dedicadas ao combate ao racismo religioso e em defesa da livre expressão em todo país.

A direção da FFLCH agradece sua contribuição intelectual e manifesta condolências aos familiares, estudantes, colegas e amigos da professora.

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Dona Anita viveu quase um século, 98 anos, nos dando sempre um exemplo, em muitos sentidos. Poucas pessoas que eu tenha conhecido ou conheça tinham tanta energia e amor pela vida, ela, que teve sua família (ou boa parte dela) exterminada pelo nazismo, no Holocausto na Polônia, onde ela nasceu em 1922. Talvez por isso mesmo tinha esse espírito.  E talvez por isso mesmo vivesse tanto, ativa até o fim (me lembro dela andando, com dificuldades, claro, nos nossos corredores ainda em finais de 2019, pouco antes da pandemia).

Sua condição de docente exemplar e historiadora pioneira na área de Brasil Colônia, eram uma derivação, uma consequência, disso. Me lembro das inesquecíveis reuniões, para jantar (e como!) e discutir temas no seu apartamento da rua Escócia. Uma vez discutimos Israel-Palestina, um grupo bem grande, saiu faísca para tudo que é lado, ela adorou. Me lembro do apoio enorme que ela nos deu em eventos de cuja organização eu participei, a começar por aquele do bicentenário da Revolução Francesa (no qual ela falou da perseguição aos "afrancesados" no Brasil Colônia, comentada por Laura de Mello e Souza, depois publicamos tudo em “A Revolução Francesa e seu Impacto na América Latina”).

Somos informados pela internet que “emigrou com sua família para o Brasil quando ela tinha um ano de idade. Graduou-se em Filosofia pela Universidade de São Paulo em 1956 tendo se especializado em Psicologia pela Universidade de São Paulo em 1958, se especializado em Racismo no Mundo Ibérico pela École des Hautes Études en Sciences Sociales em 1977, obtido o doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo em 1970 e pós-doutorado pela Universidade de Paris I em 1983. Foi Livre Docente da Universidade de São Paulo até o fim de sua vida. Foi a fundadora do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância, da Universidade de São Paulo. A Universidade Federal Rural de Pernambuco tem uma cátedra que leva seu nome desde 2015, pertencente ao Departamento de Ciências Sociais”. Isso é apenas a “ponta do iceberg”.

Apesar de especializada em temas bem conhecidos ao longo de sua trajetória (especializada na Inquisição portuguesa no Brasil, os costumes dos cripto-judeus, cristãos-novos, e também no renascimento contemporâneo da consciência judaica), ela tinha uma visão bem ampla. E democrática. Não era comunista, mas me levou para falar do movimento operário comunista judeu na UFRJ. Organizou um evento sobre marranos, num local no centro de São Paulo, com o grande escritor argentino Marcos Aguinis ("A Saga do Marrano") e me levou de contraponto na mesa, sabendo que ia ter contraponto. Não gostava dos ambientes com homogeneidade de opiniões, e era generosa com opiniões divergentes ou contrárias à sua. E me convidava para bancas sabendo que eu iria criticar, fundamentadamente, seus orientandos. Eu estava longe de ser o único nessa condição. Sua contribuição foi enorme, pelo seu conhecimento, trabalho e, sobretudo, pela sua atitude. Em 2013, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico outorgou a Anita a distinção de “Pioneira da Ciência no Brasil” em honra de sua trajetória como investigadora.

Sua ausência será profundamente sentida, mas ela continuará presente em todos nós.

Osvaldo Coggiola

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