Japoneses e seus descendentes são historicamente percebidos como eternos estrangeiros no Brasil

Pesquisa da USP também desmistifica que japoneses e seus descendentes possam ser usados como exemplo para a defesa da democracia racial

Por
Thais Morimoto
Data de Publicação

Bairro da Liberdade
Bairro da Liberdade, em São Paulo, é conhecido por ter muitos japoneses e seus descendentes. Foto: Pēteris/Wikimedia Commons

Apesar de os japoneses e seus descendentes estarem se integrando à sociedade brasileira e possuírem acesso à cidadania, ainda há momentos em que eles não são vistos como parte dela. Parte dos descendentes de japoneses até hoje carrega a sensação de ser “eterno estrangeiro”, sem se identificar nem com o Japão e nem com o Brasil, e trazendo em sua identidade elementos de ambas as culturas.

Em sua tese de doutorado para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Bruno Naomassa Hayashi buscou entender o lugar dos japoneses na formação da sociedade brasileira, a partir da análise de discursos parlamentares, publicações na imprensa, litígios judiciais e obras de intelectuais, em um período que abrange os anos de 1930 às primeiras décadas pós-guerra. 

Foto de perfil de Bruno Naomassa Hayashi
Bruno Naomassa Hayashi. Foto: Arquivo pessoal

Segundo o pesquisador, logo após a Segunda Guerra Mundial, muitos dos filhos dos imigrantes japoneses negaram até mesmo a designação como nipo-brasileiros, reivindicando uma brasilidade sem adjetivações. Porém, continuaram a ser chamados de japoneses no seu cotidiano, mostrando como são associados ao Japão. Até hoje, é comum pessoas que possuem traços asiáticos serem chamadas de “japas”, o que pode originar xenofobia.

Em um dos processos judiciais estudados por Bruno, um brasileiro fala que a pessoa descendente de japonês com cidadania brasileira deveria voltar para o Japão e parar de “encher o saco” dos brasileiros. 

Perigo amarelo 

Segundo Bruno, houve uma época em que os japoneses eram temidos pelos brasileiros. No começo do século 20, o Japão apresentou um grande desenvolvimento econômico e militar, vencendo até mesmo a guerra Russo-Japonesa contra a Rússia, considerada uma das grandes potências europeias do período. Com esses avanços, de acordo com o pesquisador, a ideia propagada era de o Japão ser uma ameaça crescente ao domínio ocidental e, ao longo das décadas, políticos brasileiros tentaram proibir ou limitar a imigração japonesa.

“É bem fácil ver nas décadas de 1930 e 1940 políticos e notícias dos jornais contra a imigração, como se os japoneses fossem perigosos ou provocassem doenças”. O medo avançou durante a Segunda Guerra Mundial, quando Japão e Brasil estiveram de lados opostos. Com o fim do conflito em 1945, ainda alguns anos seriam necessários até uma aproximação completa dos países. Mas ao longo da década de 1950, o cenário se transformaria completamente. Políticos e outras pessoas passariam a celebrar a imigração japonesa. 

Minoria modelo

Atualmente, os japoneses e seus descendentes não são comumente temidos na sociedade brasileira, mas muitas pessoas os veem como os mais inteligentes e super produtivos. Para o pesquisador, essas características, mais do que ligadas à individualidade de cada um, são, por vezes, vistas como herdadas pelo sangue ou pela etnia, levando a uma visão dessa população como distinta das demais pessoas. Isso contribuiu também para simplificações sobre a trajetória de japoneses e seus descendentes no Brasil.

Post de Rachel Sheherazade no Facebook. A jornalista escreveu: Por que os asiáticos não exigem cotas nas universidades brasileiras. Embaixo há uma imagem de uma pessoa oriental com os dizeres escrito: Meus ancestrais vieram da Ásia em porões de navio para trabalhar em condições subumanas. Hoje nós tiramos as vagas de vocês nos testes mais concorridos. Não precisamos de quotas
A jornalista Rachel Sheherazade foi uma das pessoas que propagou a ideia de que se japoneses e outros asiáticos não precisam de cotas raciais para conseguirem ascender socialmente, outros povos também não precisam. Imagem: Reprodução/Facebook

Assim como a jornalista Sheherazade, várias outras pessoas também usam os asiáticos como exemplo para a defesa da democracia racial e contra cotas raciais para pretos, pardos e indígenas. 

Em sua pesquisa, Bruno destaca que essa visão é um mito ideológico. “Há toda uma estrutura por trás que explica a mobilidade social dos japoneses ao longo dos séculos 20 e 21”, afirma. Como parte de sua política, o governo japonês fomentou a imigração por meio de acordos que deram acesso a créditos rurais e estimulou que empresas japonesas investissem no Brasil. Em alguns casos, os imigrantes tiveram acesso a terras com apoio do Japão. 

A educação pública japonesa também é diferenciada. A taxa de alfabetização dos japoneses, já nas primeiras levas imigratórias em 1908-1912, foi estimada em mais de 95%, o que foi passado entre as gerações. “Nas teorias sobre escolaridade sempre há esse diagnóstico, de que quando os pais têm uma determinada escolaridade, os filhos tendem ou a reproduzi-la ou a superá-la”, explica o pesquisador. 

Mesmo que o idioma fosse o japonês, a alta taxa de alfabetização diferenciava a população japonesa. “No censo de 1900, 70% da população brasileira era analfabeta. Os japoneses, por sua vez, conseguiam ler e escrever e, por isso, já estavam nesses 30% que conseguiam se comunicar por cartas e ler livros, por exemplo”. Os investimentos públicos do Japão na educação colaboraram para que muitos dos japoneses imigrassem já como uma espécie de classe média no início do século 20, afirma Bruno.

A tese de doutorado Do 'perigo amarelo' à 'minoria modelo': a imigração japonesa no pós-guerra brasileiro foi defendida pelo pesquisador Bruno Naomassa Hayashi e orientada pelo professor Antônio Sérgio Alfredo Guimarães no âmbito do programa de pós-graduação em Sociologia em julho de 2023.