Dissolução da União Soviética

Em 26 de dezembro de 1991, a URSS, antiga potência socialista, chegou ao fim

Por
Larissa Gomes
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Bandeira da URSS com rachadura
O colapso da União Soviética só pode ser compreendido como um processo histórico, segundo Cesar de Albuquerque. [Montagem por: Larissa Gomes]

Em 1991, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), antiga superpotência socialista, colapsou. Entre muitos motivos que levaram à sua dissolução, podemos citar uma redução nas taxas de crescimento da economia soviética a partir dos anos 1960. Além disso, a URSS se encontrava em dificuldades para acompanhar as potências capitalistas em um modelo de desenvolvimento intensivo e enfrentava divergências na gestão do próprio Partido Comunista sobre o funcionamento econômico e político do país.

Ademais, podemos também citar os conflitos étnicos, que permanecem latentes até hoje, como na Guerra da Ucrânia. Esses conflitos ocorrem devido aos diversos povos e nacionalidades que foram incorporados à URSS durante a sua formação. Para entender melhor os motivos que levaram à dissolução da URSS, confira a entrevista com Cesar de Albuquerque, doutorando em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

 

Serviço de Comunicação Social: Em um panorama geral, quais os fatores que fizeram a União Soviética entrar em colapso?

 

Cesar de Albuquerque: O colapso da União Soviética só pode ser compreendido como um processo histórico, cujas origens são anteriores à perestroika. Da perspectiva econômica, identifica-se uma desaceleração nas taxas de crescimento da economia soviética a partir dos anos 1960, que se converteria em estagnação ao longo da década seguinte e na primeira metade dos anos 1980. Processo desencadeado, entre outros fatores, pela dificuldade do sistema soviético em transitar para um modelo de desenvolvimento intensivo, como ocorreu nas principais potências ocidentais. No âmbito político, havia uma crescente insatisfação não apenas na sociedade como dentro do próprio Partido Comunista da União Soviética (PCUS) quanto ao funcionamento do sistema de gestão econômico e político, vistos como excessivamente centralizados e burocráticos, colocando as reformas na agenda da liderança soviética. Esse cenário possibilitou a ascensão de novos líderes, dentre eles Mikhail Gorbachev, que seria escolhido Secretário Geral do PCUS em 1985. Gorbachev introduz uma série de mudanças, inicialmente na esfera econômica e, mais tarde, também na política, que pretendiam dinamizar o sistema e ampliar a autonomia dos agentes econômicos e a participação dos cidadãos. Mas a forte resistência oferecida por setores da burocracia conservadora, aliada às dificuldades na implementação das reformas por parte da liderança, provocaram um agravamento da crise vivida pelo país. E junto à desestruturação do sistema econômico, os conflitos étnicos - ou no jargão russo, a questão das nacionalidades - ganharam espaço à medida que a velha estrutura autoritária de controle do regime perdia força. Em seu conjunto, tais processos acabaram resultando no colapso da superpotência socialista em 1991.


Serviço de Comunicação Social: Quais foram os efeitos mundiais após a dissolução da URSS?


Cesar de Albuquerque: Os efeitos da dissolução da URSS impactaram não apenas as antigas repúblicas que a constituíam, mas todo o sistema mundial. Do ponto de vista das ex-Repúblicas Soviéticas, a crise econômica e política se agravou, obrigando os países a adotarem medidas mais radicais na transição das antigas economias planificadas para estruturas de mercado similares àquelas existentes entre os países do bloco capitalista. A Rússia é talvez um dos casos mais emblemáticos. Sob a liderança de Bóris Iéltsin, promoveu a chamada Terapia de Choque, um conjunto de reformas que seguia a cartilha neoliberal, com extensa privatização e liberalização econômica, e que resultou em um aprofundamento da crise no país ao longo dos anos 1990. Já na perspectiva global, o ocaso soviético representou o fim da Guerra Fria e da velha ordem mundial, equilibrada pela disputa entre os blocos capitalista e socialista. Em seu lugar, uma nova ordem começou a se construir, tendo como protagonistas os EUA, as potências europeias e, mais tarde, a ascensão de novos atores, como China e a própria Rússia (que experimentaria sua recuperação econômica a partir da ascensão dos anos 2000).


Serviço de Comunicação Social: Na sua opinião, alguns fatores que ocasionaram o fim da URSS têm alguma relação com os atuais conflitos da Guerra da Ucrânia?


Cesar de Albuquerque: O processo de dissolução da URSS guarda relações diretas com diversos conflitos vivenciados no espaço das antigas Repúblicas Soviéticas, a exemplo da Guerra na Ucrânia. Por anos, diversos povos e nacionalidades foram sendo incorporados aos domínios do antigo Império Russo e, mais tarde, da URSS. Ao longo desse período, ocorreram diversos movimentos populacionais, voluntários e involuntários, que resultaram na saída de povos de seus territórios originários e no surgimento de grupos étnicos minoritários em territórios dominados por outras nacionalidades - como no caso das populações russo étnicas em território ucraniano. Em diferentes momentos, houve também tentativas de russificação dos diversos povos, que ampliaram a insatisfação. Ademais, as divisas entre territórios no interior do Império Russo e da URSS também eram frequentemente alteradas por razões políticas, sem considerar necessariamente a ocupação histórica daqueles territórios - a exemplo da transferência da Criméia da Rússia para a Ucrânia em 1954. Em seu conjunto, tais fatores contribuíram para o surgimento dos conflitos étnicos, que marcaram o período final da perestroika e que permaneceram latentes com o fim da URSS e dissolução de seu espaço comum (a exemplo dos conflitos entre Rússia e Geórgia; Azerbaijão e Armênia; e, mais recentemente, Rússia e Ucrânia).


Cesar Augusto Rodrigues de Albuquerque é doutorando em História Social pela FFLCH - USP e mestre em História Social. Sua área de pesquisa concentra-se na História Contemporânea, com ênfase nos processos e transformações do antigo bloco soviético (URSS), sobretudo em relação às temáticas política (doméstica e externa) e econômica.