Pesquisa da USP estudou os roteiros dos filmes brasileiros Limite, Terra em Transe e o Bandido da Luz Vermelha e defendeu que os roteiros possuem sua existência como textos literários independentemente dos filmes
Inúteis? Manuais e várias pessoas da área cinematográfica consideram os roteiros como textos descartáveis depois dos filmes prontos. Mas, para a pesquisadora Keilla Conceição Petrin Grande, os roteiros de cinema podem ser classificados como gêneros literários e analisados de forma autônoma e independente dos filmes.
Em sua tese de doutorado, Keilla, sem estudar os filmes, fez uma análise literária de três roteiros brasileiros a partir de teorias da literatura e da poesia. Ainda um tema pouco explorado na área estudada, a pesquisa, defendida no âmbito do programa de pós-graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, abordou as obras: Limite, um filme mudo escrito por Mário Peixoto, Terra em Transe, escrito por Glauber Rocha, e O Bandido da Luz Vermelha, escrito por Rogério Sganzerla.
“Os roteiros têm uma questão de criação que revela o estilo pessoal do autor. Também carregam uma linguagem poética e possuem um trabalho estético com a linguagem, como ocorre nos contos e poemas, com o emprego de mudanças de significado, figuras e símbolos. Os roteiros não são tão objetivos e técnicos quanto se fala”, explica a pesquisadora sobre a relação entre a literatura e os roteiros estudados.
O francês Jean-Claude Carrière foi um dos roteiristas que defendeu que o roteiro é um texto descartável. O brasileiro Marçal Aquino nega que o roteiro possa ser considerado literatura. Por outro lado, Glauber Rocha tem uma carta que fala que gostaria de ver os roteiros dele publicados porque manteria a base literária dos textos, e o mexicano e cineasta Guillermo Arriaga também defende que o roteiro pode ser considerado literatura.
Roteirista na lógica fordista
“O roteirista muitas vezes não é considerado como escritor. É como se roteirista fosse uma espécie de termo pejorativo para indicar um escritor menor”, afirma Keilla.
A visão é motivada por fatores como o processo de produção de roteiros, que imita a lógica do fordismo, principalmente no sistema hollywoodiano. “É uma produção em série, por isso que existem tantos manuais que ensinam a escrita de roteiros. O roteirista se torna a pessoa contratada como técnica e não artista, porque o roteiro não é visto como uma escrita artística, é visto como um guia de filmagem e um texto que servirá para realizar a previsão do orçamento do filme”.
Também existe a concepção geral, no cinema, de que o autor e dono do filme é o diretor; o roteirista, que nem sempre é o diretor, fica como uma pessoa de importância menor. Keilla discorda desta visão. A pesquisa conta com comparações entre os roteiros dos filmes e os outros textos literários que Peixoto, Rocha e Sganzerla escreveram. Por meio dessa análise, os três autores não são apenas roteiristas e diretores dos filmes. Eles também são escritores e os textos que eles produzem para os filmes não são descartáveis depois que a obra cinematográfica está pronta.
“Quando estudamos, percebemos que existem roteiristas que demoram quatro anos para escrever um roteiro. Não é um trabalho tão simples para falarmos que ele é descartável. Também há um trabalho intelectual intenso como em outros gêneros”, defende a pesquisadora.
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