Alquimia presente no livro "O Alquimista" não se refere à ciência do laboratório, mas à transformação espiritual

Tese de doutorado da USP estuda abordagem da alquimia na obra de Paulo Coelho e como o conceito é um antecessor da ciência e deve ser valorizado

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Thais Morimoto
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O Alquimista aborda a transformação espiritual do protagonista, que embarca em uma viagem de autodescoberta
O Alquimista aborda a transformação espiritual do protagonista, que embarca em uma viagem de autodescoberta. Fotomontagem: Thais Morimoto/Serviço de Comunicação Social da FFLCH. Imagens: David Teniers the Younger/CC0 Public Domain,  rawpixel/freepik. PXHere/CC0 Public Domain

O Alquimista, um livro que vendeu mais de 65 milhões de cópias ao redor do mundo e foi traduzido para mais de 80 idiomas, narra uma jornada de autodescoberta que encoraja as pessoas a irem atrás de seus sonhos. Mas por que o livro se chama O Alquimista? Em tese de doutorado para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Maria Rita Guercio estudou a história da alquimia e a relação que pode ser estabelecida com a obra de Paulo Coelho.

Maria Rita Guercio
Maria Rita Guercio. Foto: Reprodução/LinkedIn

Maria Rita usou o livro De Occulta Philosophia, de Cornelius Agrippa, como base para estudar O Alquimista. A obra de Agrippa é um “livro de filosofia e manual de magia muito importante”, segundo a pesquisadora, e para analisá-lo melhor, Maria Rita foi até um centro de estudos da história da ciência na Filadélfia, Estados Unidos.

A partir das análises, a pesquisadora entende que Coelho se refere à alquimia elucidada pelo psiquiatra Carl Gustav Jung, que usa o termo para abordar a transformação espiritual, pessoal e psicológica que passa o indivíduo, como ocorre com o protagonista de O Alquimista, Santiago, ao longo de sua jornada de autoconhecimento. Coelho se distancia da alquimia enquanto ciência mágica de laboratório, de transformação de chumbo em ouro ou da pedra filosofal, por exemplo.

Resenha de O Alquimista da editora Paralela

“Combinando espiritualidade, sabedoria e misticismo, O Alquimista é uma inspiradora e emocionante história de autodescoberta que vem transformando a vida de milhões de leitores ao redor do mundo há mais de trinta anos.

Santiago, um jovem pastor da Andaluzia, parte rumo ao Egito em busca de um tesouro escondido entre as Pirâmides. O que ele não sabe é que sua jornada o levará a riquezas muito diferentes – e mais satisfatórias – do que ele estava esperando. Ao longo do caminho, uma cigana, um homem que se diz rei e um alquimista lhe indicam a direção em que deve seguir e o ajudam a perceber que o maior tesouro se encontra dentro dele mesmo.

Com a prosa poética de Paulo Coelho, este romance encantador nos recorda da sabedoria de ouvir nossos corações, reconhecer as oportunidades da vida e, mais importante, sempre seguir nossos sonhos”. 

Uma pitada da história da alquimia 

“A alquimia surge no Egito e tem várias civilizações que vão contribuir para o desenvolvimento dela, como os árabes e os gregos. Depois a alquimia tem um grande ápice na Idade Média na Europa, tem outro grande ápice durante o Renascimento e começa a decair quando surge a ciência como conhecemos hoje”, conta Maria Rita.

 Alquimia, magia e química eram termos usados em contextos semelhantes até o século 17, realidade que mudou com o Iluminismo, segundo a pesquisadora. “Tudo que era meio oculto ou fraudulento – porque havia muitas fraudes ao fazer o ouro ou a Pedra Filosofal – foi taxado como alquimia, e todos os aparatos alquímicos, como tubos de ensaios e alambiques, e as transformações alquímicas, como sublimação e destilação, foram designados como química depois da Revolução Científica”. 

No século 19, Jung recupera a alquimia após perceber que ela ainda estava presente no inconsciente coletivo das pessoas. “Os arquétipos alquímicos têm uma simbologia muito importante principalmente na transformação do eu, do interior da pessoa”, afirma a pesquisadora. Esse conhecimento emerge durante a Contracultura, na década de 1960, ao redor do mundo, e Paulo Coelho usa essas referências em seu livro.

Provenientes de períodos históricos diferentes, ainda é possível encontrar algo em comum entre Jung, Coelho e Agrippa. De acordo com Maria Rita, os três pensadores abordam a Anima mundi, ou a alma do mundo, em tradução do latim. A Anima mundi seria uma espécie de inconsciente coletivo, e para uma pessoa conseguir fazer alquimia é preciso acessar o seu inconsciente.

Ocultada e banida ao longo da história, a alquimia é um conhecimento válido que precisa ser mais estudado e valorizado. Ao abordar esse assunto e outros que a academia não considera muito, Paulo Coelho se tornou alguém que não é bem aceito no mundo acadêmico, mas segundo Maria Rita, suas contribuições são relevantes para a literatura. 

A tese de doutorado Alquimia e Magia: uma linha do tempo passando por De Occulta Philosophia de Cornelius Agrippa ao O Alquimista de Paulo Coelho foi orientada pelo professor Gildo Magalhães dos Santos Filho e defendia por Maria Rita Guercio em outubro de 2023 no âmbito do programa de pós-graduação em História Social.