Armas para o fim do crime: Pesquisa da USP investiga como discursos violentos da Bancada da Bala influenciaram opinião de brasileiros

Entre os anos 1990 e 2018, foram levantados cerca de 10 mil projetos de lei em torno da segurança pública. Bancada da Bala foi responsável por 24% desses projetos

Por
Lívia Lemos
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Mão segurando uma arma
Foto: Freepik

A pena de morte, prisão perpétua e posse de armas como soluções legislativas para combater o crime no Brasil são temas antigos que geram discussões na população e no meio político. Um dos grupos responsáveis por propagar esses discursos dentro do Parlamento é a Bancada da Bala, grupo político que tem como principal foco a liberação de armas. Uma pesquisa da USP analisou que, entre os anos 1990 e 2018, dos mais de 10 mil projetos de lei que foram levantados para a segurança pública, 24% foram pautados por essa bancada. “E todos giram em torno desses 3 eixos: liberação de armas, maior liberdade policial e leis mais punitivas”, destaca a socióloga Vanessa Orban, responsável pela pesquisa.

Para além de descobrir quantos projetos de lei a Bancada da Bala levantou ao longo de quase três décadas, em sua tese de doutorado, a pesquisadora propôs investigar quais discursos estavam por trás desses projetos e como eles reverberam na população. Para alcançar os resultados esperados, Vanessa dividiu sua pesquisa em duas grandes perguntas:

Venessa Orban
Vanessa Orban. Foto: Arquivo Pessoal

“Primeiro, ao analisar a quantidade de leis ou Propostas de Emenda à Constituição (PECs) voltadas para segurança pública, eu queria responder a seguinte pergunta: O Brasil, de fato, pune mais? Depois, investigo as temáticas principais defendidas pela Bancada da Bala e tento responder a uma outra pergunta: Qual o teor discursivo deles para combater a violência no país?”

Estado incompetente, arma é a solução

A arma é a principal defesa desse grupo. Para defender sua liberação, a bancada parte da premissa de que o Estado não é capaz de garantir a proteção total do cidadão e, com a violência urbana por toda parte, carregar uma arma é inevitável: “Essa é a primeira leitura de mundo deles. Como a segurança pública é algo que o estado deveria garantir e ele é incompetente no combate ao crime, então nós enquanto cidadãos individuais precisamos ter o direito de poder nos defender com a arma”, explica Vanessa.

Como argumento para esse discurso, a Bancada da Bala recorre ao estatuto do desarmamento. Aprovada em 2004, essa lei aumentou o controle de armas no país. Antes, qualquer indivíduo com mais de 21 anos podia andar armado na rua. Com o estatuto, apenas pessoas ligadas a corporações policiais e à segurança podem circular com armas. De acordo com a bancada, desde que foi aprovada, a lei tem colaborado com o aumento da quantidade de mortes no país. Mas a pesquisadora ressalta que, na verdade, o contrário aconteceu: “Eles falam que se o estatuto do desarmamento não existisse, não teríamos chegado nesse tom calamitoso de assassinatos. Mas eles ignoram, por exemplo, o fato de que, depois que o estatuto foi aprovado, caiu em 60% a quantidade de homicídios no país.”

O resultado desse discurso de que o cidadão está completamente inseguro e que o Estado não o protege gera um sentimento de medo na população, conforme destaca Vanessa: “Esse discurso começa a criar um sentimento de caos social, uma anarquia da insegurança social que só pode ser resolvida com a arma.”

Policial desvalorizado não protege cidadão

Outro ponto questionado pela bancada que colabora para o crime é a falta de valorização e de liberdade de atuação dos policiais, conforme analisa a pesquisadora: “Eles falam que o policial é um profissional desvalorizado e mal remunerado. Além disso, argumentam que os policiais são muito controlados pelas organizações dos Direitos Humanos e que precisam ter um direito de maior atuação. Logo, levantam muitas leis corporativas voltadas para proteção e ação dessas corporações policiais.”

Não é à toa que a bancada busca propagar um maior direito de atuação da polícia como motivo para combater a violência. Além de a maioria dos deputados terem alguma ligação ou passado em corporações policiais, são também um grupo que é eleito fortemente por essas corporações: “Então obviamente eles também estão lá para defenderem os interesses dessas corporações policiais dentro da Câmara”, afirma Vanessa.

Famílias inseguras dentro da própria casa

Além de usar a violência urbana como justificativa para o cidadão ter o direito de possuir uma arma, para ganhar o apoio popular, a pesquisadora salienta que a bancada sempre recorre a discursos sobre a constante ameaça familiar. Com a família desprotegida dentro do próprio lar, a arma se faz necessária nesse ambiente: “Eles defendem que a casa é um espaço sagrado e que o Estado não pode entrar na residência com uma arma. Logo, o único que pode defender seu lar, sua família e sua esposa é o homem com sua arma.”

Esse discurso, de acordo com Vanessa, revela um teor machista: “Tem todo um tom da honra masculina que pode ser violada se o corpo da mulher for violado. Ou seja, é menos sobre o trauma que causa nela e mais sobre a honra masculina que vai ser atacada. Nesse sentido, é um discurso extremamente machista, tanto que não temos mulheres nessa bancada”, explica.

Afinal, o Brasil está ou não mais punitivo?

Embora a maioria das leis levantadas pela Bancada da Bala não tenham sido aprovadas no Congresso, a pesquisadora pontua que seus discursos, por si só, são suficientes para criar uma crença na população de que o combate ao crime só se dá com ações violentas: “Há sim uma tentativa de tornar o país mais punitivo, porém essas leis não foram, de fato, aprovadas. De certa forma, essa repercussão representa crenças e mentalidades de uma proporção significativa da população que acredita nas ações violentas como forma de resoluções de problemas criminais no Brasil."

A tese de doutorado 'Mais bala pela vida': o discurso punitivo da bancada da bala sobre o controle de crime e a resolução dos problemas criminais no Brasil foi orientada pelo professor Marcos Cesar Alvarez e defendida por Vanessa Orban Aragão dos Santos em setembro de 2023 no âmbito do programa de pós-graduação em Sociologia.