Exposição leva visitante a um percurso pela vida e obra de Alfredo Bosi

Em cartaz até 26 de maio no Centro MariAntonia, mostra revela a trajetória do crítico literário e professor da USP, marcada por resistência, reflexão e defesa dos direitos humanos

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Redação*
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Fotos e documentos relacionados à infância de Bosi, em cartaz na exposição – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Essa exposição interessa não só a quem gosta de literatura ou conheceu Alfredo Bosi, mas a todos que se interessam por história, humanidade, direitos humanos e justiça social.” Esta é a visão de Viviana Bosi, curadora da exposição Alfredo Bosi: Entre a Crítica e a Utopia, em cartaz até 26 de maio no Centro MariAntonia da USP, e filha do homenageado. Promovida em parceria com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, a mostra faz um percurso pela vida, obra e militância do crítico literário e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Alfredo Bosi (1936-2021).

Logo na entrada da exposição, o visitante se depara com uma sala que serve de recepção, como se adentrasse a casa de Alfredo Bosi. Nela, uma poltrona de leitura é acompanhada de livros do intelectual e reproduções em fac-símile de seus manuscritos, feitas para manuseio. “Foi intencional fazer a exposição em um espaço menor. Nós tínhamos muito material, mas procuramos fazer uma seleção mais enxuta. A ideia é que o visitante se sinta próximo de meu pai, que possa se sentar na cadeira, folhear os livros e conhecer quem ele foi”, conta Viviana Bosi, que também é professora da FFLCH.

Na mesma sala estão duas telas exibindo dois vídeos com fragmentos de entrevistas do crítico literário. O primeiro traz trechos do programa Roda Viva, da TV Cultura, gravado em setembro de 2002. O segundo reproduz trechos do depoimento concedido por Bosi, em novembro de 2003, a Maria Claudia de Mesquita para a Academia Brasileira de Letras (ABL), na qual ocupou a cadeira nº 12. “Nesses vídeos, ele conta muitas histórias pessoais. Acho que todos os visitantes deveriam tirar um tempo para sentar, colocar os fones e realmente ouvir o que ele tem a falar”, opina Viviana.

A segunda sala, onde está exposta a maior parte do acervo, revela ao visitante uma linha do tempo da vida de Bosi, dividida em cinco principais vertentes. No centro, objetos pessoais como sua máquina de escrever, seus óculos de grau e sua lupa estão expostos em uma mesa.

Infância e juventude

A exposição se inicia fazendo referências à infância de Bosi. “Essa primeira parte recupera a São Paulo dos anos 1940 e 1950, mostrando a formação dele na várzea do Tietê, um bairro operário simples. Eu queria mostrar ao visitante algo que meu pai disse em uma de suas entrevistas: não é porque uma pessoa é de origem simples que ela é parecida com todas as outras; não devemos nos simplificar”, relembra a curadora. O visitante ainda acompanha os anos formativos do homem que viria a ser uma das grandes figuras da crítica literária brasileira por meio de fotos de sua infância e adolescência e uma carta, escrita pelo diretor do ginásio onde ele estudou.

Os amigos Antonio Candido e Alfredo Bosi em 2006 – Foto: Mauro Bellesa/IEA-USP

Docência

Em 1955, Bosi ingressou no Curso de Letras Neolatinas da então chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP, ministrado no prédio onde hoje está a exposição. Foi também nesse prédio que o crítico literário voltou a lecionar nos anos 1960, após seus estudos sobre literatura italiana na Università Degli Studi di Firenze, na Itália. “Meu pai trabalhou mais do que viveu, e a exposição contempla todo esse período. De um lado, durante muitos anos seu trabalho foi focado em literatura italiana, mas na época da ditadura militar, seu foco se voltou especialmente para a literatura brasileira.”

Numa parte da exposição estão expostas fotos do período de Bosi como professor, cartas do professor Ítalo Bettarello e de seu amigo, o também crítico literário e professor da USP Antonio Candido, programas das disciplinas que cursou em Florença e ministrou em São Paulo, cadernos e certificados. Em uma das cartas, escrita por ex-alunos e alunas, o visitante pode ter uma ideia do impacto de Bosi no mundo acadêmico: “Poder assistir às suas aulas é um privilégio para poucos. Ao ouvi-lo não aprendemos somente literatura. O senhor nos ensina que devemos manter acesas as chamas da emoção e da paixão, sem o que não se pode apreciar com profundidade uma obra literária. Somos, assumidamente, seus fãs”, escrevem.

Mencionada pelo poeta italiano A flor de giesta simboliza resistência e solidariedade humana homenageado na exposição – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Pensamento crítico

“Qual é a relação entre o tempo mitopoético e o tempo histórico? De que maneira a poesia responde às pressões ideológicas de sua época?” Presentes no texto que apresenta uma das seções da mostra, essas duas questões são centrais no pensamento e obras de Alfredo Bosi, segundo Viviana. Desde sua tese defendida na Itália — Itinerario Della Narrativa Pirandelliana, sobre a narrativa do dramaturgo e poeta Luigi Pirandello (1867-1936) — até seu livro História Concisa da Literatura Brasileira (1970) ou em matérias escritas para jornais, os trabalhos de Bosi são influenciados por seus questionamentos sobre a tensão entre a ideologia dominante na literatura e na cultura e o universo subjetivo. Entre cartas e exemplares de livros, o visitante tem a oportunidade de adentrar o pensamento do crítico e acompanhar o desenvolvimento de suas ideias, elaboradas em sala de aula com os alunos, em pesquisas, conferências, conversas e militância.

É nessa sessão também que se nota a relação de Bosi com intelectuais que admirava em sua infância, como Carlos Drummond de Andrade, de quem se tornou amigo na vida adulta, e Otto Maria Carpeaux. A trajetória e obras de Bosi sempre estiveram marcadas pela resistência e necessidade de contribuir para a sociedade que o criou, o que é representado pela flor de giesta. “A flor de giesta foi mencionada em um poema do século 19 de Giacomo Leopardi, La Ginestra, poeta este que meu pai estudava. Essa flor nasce em tufos, na encosta do Vesúvio, e quando há uma erupção, a lava dizima tudo no vulcão; toda a vegetação desaparece, mas a giesta sempre brota de novo. Uma por uma, elas vão crescendo e se apoiando umas nas outras. Essa flor é um símbolo da resistência e da solidariedade humana, e ela simboliza muito bem tudo em que meu pai acreditava”, acrescenta Viviana.

Foto mostrada na exposição traz Alfredo Bosi e sua esposa, Ecléa Bosi, com Dom Paulo Evaristo Arns e participantes da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, em 1982 – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Militância contra a ditadura militar

Sua vontade de contribuir para a sociedade e lutar pelo que acreditava não se limitava à literatura: Bosi atuou durante anos ao lado da esquerda católica contra o regime autoritário da ditadura militar. Em 1972, ele se juntou à Pastoral Operária de Vila Yolanda, em Osasco, onde discutia literatura e ciência política com os operários, além de liderar lutas coletivas contra problemas como a carestia e a exploração do trabalho. “A gente morava em uma casa pequena, mas estávamos sempre recebendo pessoas que estavam sendo perseguidas pelos militares”, relata Viviana. Bosi também se preocupava muito com o acesso à educação pública de qualidade, além das condições de trabalho dos professores, tendo escrito diversos artigos e colunas, além de ter ministrado seminários sobre essas questões.

A exposição traz ao visitante diversos desses documentos, em especial sobre a questão da educação e contra a construção de uma usina nuclear no Litoral Sul de São Paulo. “Ao longo de mais de cinco décadas de estudos e atuação, Alfredo Bosi manteve uma relação crítica com a Universidade, vendo com desconfiança o distanciamento dessa instituição em relação a grupos oprimidos e a sua burocratização. Ao mesmo tempo, foi também um defensor intransigente da universidade pública e gratuita, destacando seu papel na produção e divulgação do conhecimento, e acreditando em seu potencial como instrumento socializador e de democratização”, conforme se lê em texto presente na mostra.

A exposição se divide em cinco principais eixos, construindo uma linha do tempo da vida de Alfredo Bosi – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A atuação no Instituto de Estudos Avançados

A exposição se encerra contando a participação de Bosi no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, central e indissociável de sua história. Bosi foi nomeado vice-diretor do instituto em 1987, apenas um ano após sua fundação, e atuou no cargo até 1997, quando foi promovido a diretor, e depois novamente de 2002 a 2006, até sua aposentadoria. Ele enxergava o IEA como uma oportunidade de construir um espaço de combate à divisão radical do trabalho intelectual, promovendo discussões de caráter interdisciplinar, que eram publicadas em forma de artigos na revista Estudos Avançados, produzida pelo IEA, da qual foi editor. “Ele tinha a preocupação de que essa revista fosse útil para a sociedade. Fazia questão de tratar de assuntos importantes para a população, como segurança alimentar, preservação da Amazônia, segurança pública, habitação, com grandes especialistas, mas sempre em uma linguagem clara e acessível, para que pudesse servir de instrumento e realmente atingir a população”, explica Viviana. Durante seu período de atuação, Bosi coordenou programas dedicados à educação básica, secundária e universitária, elaborou o Código de Ética da USP e integrou a revista do instituto à plataforma digital Scielo a partir de 2004, potencializando seu alcance, em nível nacional e mundial.

Para Viviana, o nome da exposição, Entre a Crítica e a Utopia, é um reflexo da pessoa complexa que Alfredo Bosi foi e de toda a contribuição que trouxe para a sociedade brasileira. “Além de ser um crítico literário, meu pai foi engajado, otimista, resistente, e uma pessoa cheia de vontades e atitudes. Ele lutou pela solidariedade, por justiça social, por educação, por cultura, pela preservação da natureza e por tantas outras coisas, que a exposição acaba sendo uma homenagem singela e íntima à grande pessoa que ele foi.”

A exposição Alfredo Bosi: Entre a Crítica e a Utopia está em cartaz até 26 de maio, de terça-feira a domingo e feriados, das 10h às 18h, no Edifício Rui Barbosa do Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antônia, 294, Vila Buarque, região central de São Paulo, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do metrô). Entrada grátis. Mais informações estão disponíveis no site do Centro MariAntonia ou no telefone (11) 3123-5202.

*Texto de Julia Alencar, do Jornal da USP