Luta da mulher indígena está associada ao direito pelas terras e à preservação de seus corpos

Estudo da FFLCH analisa como preservação de terra e corpo está ligada à preservação das tradições e dos saberes ancestrais dessas mulheres

Por
Lívia Lemos
Data de Publicação

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Imagem: Freepik

Quais são as lutas das mulheres indígenas? Esse foi o tema de pesquisa da assistente social Amanda dos Santos, que investigou, em sua dissertação de mestrado, como as demandas das mulheres indígenas estão ligadas ao direito pelas terras e à preservação de seus corpos como uma única luta. O estudo, produzido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, surgiu justamente pela falta de discussão desses assuntos em coletivos feministas e espaços públicos, conforme relata a pesquisadora:

“Eu frequentava os movimentos feministas, mas percebia uma ausência de pautas das indígenas. Ao mesmo tempo, por ser uma mulher indígena, frequentava os movimentos indígenas e estava em contato com diversas mulheres que sempre compartilhavam suas histórias e demandas, que eram diferentes.”

Um dos movimentos significativos para a discussão das demandas das mulheres indígenas e de que Amanda compreendeu como importante para o avanço da luta de suas ancestrais é a Marcha Nacional das Mulheres Indígenas. Organizado pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), o evento acontece uma vez por ano e reúne mulheres de diferentes povos de todo o Brasil na capital do país para reivindicarem seus direitos e discutirem pautas que são comuns às indígenas. Durante sua pesquisa, Amanda se apropriou das escritas e manifestos produzidos nas edições de 2019 e 2021 e dos relatos das mulheres que estavam nesse evento: “Quis entender quais eram as reflexões produzidas por essas mulheres de etnias diversas acerca de suas demandas.”

A pesquisadora analisou as narrativas que eram construídas, contadas e compartilhadas por essas mulheres e descobriu como a luta pela preservação de terras – primeira demanda da mulher indígena – também está ligada à luta pelo respeito e pela preservação de seus corpos: “Nas narrativas que analisei, percebi como corpo e terra eram associados a uma única coisa.”

Corpo-território

Apesar de a luta pelo respeito ao corpo feminino ser uma pauta comum entre as mulheres, Amanda aponta para as diferenças de significados que o corpo assume em outras sociedades. Na cosmovisão indígena, o corpo da mulher é pertencente à terra em que ela reside, uma relação que a pesquisadora discutiu em sua pesquisa com a denominação de corpo-território. Amanda explica que a terra, para os povos indígenas em geral, não é apenas um local de moradia, mas também um lugar que carrega toda a história, saberes e tradições daquele povo.

“Já o corpo da mulher é visto não só como uma potência de multiplicar vidas, mas  também de passar os saberes de seus ancestrais adiante. Logo, há uma troca: a terra guarda todo o conhecimento e o corpo da mulher, que pertence à mãe terra, retroalimenta a terra [com novas vidas] e passa esse conhecimento adiante, como se fosse uma raiz de árvore”, exemplica Amanda. Nesse sentido, a pesquisadora conclui que, para essas mulheres, lutar pela preservação de terras é também lutar pela preservação de seus corpos e, consequentemente, de toda memória ancestral de seus povos.

A dissertação de mestrado A retomada das indígenas: reflorestando o lugar de mulher, orientada pela professora Marília Librandi, foi defendida por Amanda Bezerra dos Santos em outubro de 2023 no âmbito do programa de pós-graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades.