Quem foi Cleópatra?

Ilustre governante do Egito, conhecida por suas alianças militares e políticas com Roma, perdeu seu reino para o descendente de Júlio César, seu amante

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Astral Souto
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Arte por: Astral Souto

A mais famosa rainha do Egito nasceu no ano de 69 a.C. Herdeira do conquistador Alexandre Magno e vinda da linhagem dos Ptolomaicos, a figura de Cleópatra é conhecida como sedutora e manipuladora. Porém, sua história vai muito além disso. 

Sendo a última governante egípcia de sua dinastia, Cleópatra chegou ao poder com seus irmãos no ano de 51 a.C. Na época, o Egito, mesmo sendo um reino muito rico, passava por um momento complicado, principalmente por falta de terras. A luta de poder entre Cleópatra e seus irmãos fez com que ela fosse exilada para Roma, onde conheceu Júlio César. Esse encontro, que se tornou uma relação mais íntima, acabou por estreitar os laços entre Roma e Egito. Logo, seus irmãos foram eliminados e o prestígio da nova rainha junto ao seu povo cresceu.

No ano de 49 a.C., em Tarso, na Grécia, Cleópatra se aproxima de Marco Antônio de forma romântica. Após a união, o general romano vai com sua amada para o Egito, defende a estabilidade do trono para ela e atende as demandas territoriais da região. Marco Antônio sempre mostrou ser um parceiro político, econômico e militar de Cleópatra.

Otaviano Augusto, descendente de Júlio César, entrou no ano de 31 a.C. em um embate naval contra Marco Antônio pelo poder político de Roma. Otaviano acusava o general de ter condutas inadequadas como um magistrado romano. E, sabendo como Cleópatra poderia defender seu amado, declarou guerra ao Egito também. Os amantes fugiram no meio da batalha, ato que facilitou o recuo do exército de Marco Antônio e a conquista de Roma por Otaviano. Vendo que havia perdido seu reino e com medo de ser humilhada em Roma, Cleópatra se suicida no ano 30 a.C..

Confira entrevista completa com o professor Luiz Henrique Souza de Giacomo para o Serviço de Comunicação Social da FFLCH:

Serviço de Comunicação Social: Como Cleópatra se tornou a governante do Egito?

Luiz Henrique Souza de Giacomo: Cleópatra VII foi a última rainha da dinastia dos Ptolomaicos, uma linhagem de origem
macedônia que reinou em Alexandria a partir de 305 a.C.. Quando o grande conquistador macedônio Alexandre Magno morreu, em 323 a.C., ele não deixou herdeiros diretos. Desse modo, o governo de seu vasto império coube, inicialmente, aos seus generais, até ser repartido entre eles entre 306 e 305 a.C.. O Egito coube a Ptolomeu que, assim, fundou uma nova dinastia de governantes egípcios. 
Cleópatra chegou ao poder quando seu pai, Ptolomeu XII Aulete, morreu, em 51 a.C.. Ela reinou até 30 a.C., quando se suicidou, em Alexandria, após a fuga e a derrota, ao lado de Marco Antônio, na batalha naval em Ácio.

Serviço de Comunicação Social: Qual a importância das alianças militares feitas por Cleópatra para o Egito?

Luiz Henrique Souza de Giacomo: A relação política e econômica entre egípcios e romanos era de longa data. Em 273 a.C., durante o governo de Ptolomeu I Sóter, uma embaixada romana foi enviada a Alexandria e um tratado de amizade entre os povos foi estabelecido. Contudo, eventos de governos posteriores, pouco a pouco, passaram a ter uma influência cada vez maior dos romanos nas tomadas de decisões, o que promoveu o estreitamento desses laços. É o caso da invasão do Egito por Antíoco IV, soberano selêucida (em 168 a.C.); das querelas entre Ptolomeu VI Filométor e Ptolomeu VIII Evérgeta II (em 163 a.C.); os dois testamentos de Ptolomeu VIII Evérgeta II que legavam de formas diferentes o trono egípcio, inclusive até para Roma (em 116 a.C.); e o vácuo do trono na sucessão de Ptolomeu IX Sóter II (em 80 a.C.). Contudo, foi com o reinado do pai de Cleópatra, entre 80 e 51 a.C., que a ‘relação de amizade’ se tornou mais próxima.
Ptolomeu XII Aulete chegou ao poder em 80 a.C. num contexto político agitado. Ele não era o herdeiro legítimo do trono e ainda tinha outros dois concorrentes. Para se tornar e permanecer rei do Egito, ele se aproximou dos romanos e, como forma de comprar sua legitimidade no trono, ajudou militarmente Pompeu e financiou campanhas de Júlio César. No entanto, apesar de em 59 a.C. Júlio César ter reconhecido junto ao Senado romano a sua legitimidade enquanto rei egípcio, através da concessão do título de ‘amigo do povo romano’, essa estratégia política causou grandes problemas financeiros – empréstimos foram feitos em Roma com diferentes banqueiros, como com Rabírio Póstumo, por exemplo – e a queda de sua popularidade entre os egípcios. Em 55 a.C., quando de uma nova crise no trono egípcio, em razão de uma revolta dos alexandrinos, foram os romanos que interviram na situação por meio de Aulo Gabínio, que foi enviado para restabelecer Ptolomeu XII Aulete, então exilado, no governo. No que coube a Cleópatra, as suas relações, enquanto governante egípcia se deu, principalmente, com dois importantes políticos romanos de sua época: Júlio César e Marco Antônio. Eles foram importantes para as ambições da rainha. O Egito era um reino rico, mas estava em crise, havia perdido muitos territórios, o poder lágida era questionado. O apoio dos romanos voltava a ser fundamental para tornar o reino grandioso novamente.
Quando ascendeu ao trono, em 51 a.C., Cleópatra governava juntamente com seu irmão,
Ptolomeu XIII. Os primeiros anos de reinado foram conturbados, algo que mudou apenas com a chegada do general romano Júlio César, em 48 a.C. A ida deste ao Egito se deu em decorrência do assassinato de Pompeu, a mando do rei egípcio, após o general romano fugir da derrota sofrida na batalha de Farsália. Pompeu acreditava que seria bem recebido, tendo em vista os laços de amizade existentes com o pai dos então soberanos ptolomaicos. Ao chegar em Alexandria, ele foi surpreendido e executado. Cleópatra se encontrava exilada nesse momento. Como conta o biógrafo Plutarco, o primeiro encontro entre o general romano e a rainha se deu após a sua entrada clandestina no palácio, enrolada em um tapete. Júlio César permaneceu no Egito por alguns meses após a guerra de Alexandria, contra Ptolomeu XIII, muito provavelmente, em razão do romance com a rainha. Da relação política entre eles os frutos mais importantes que podemos citar foram: a eliminação de Ptolomeu XIII (outro irmão, com menor independência ascendeu ao poder em 47 a.C., Ptolomeu XIV Filopátor, seguindo o ritual egípcio); o aumento do prestígio da rainha junto aos alexandrinos e o nascimento de Ptolomeu XV Cesário.
No que cabe à relação com Marco Antônio, os dois já se conheciam, mas se aproximaram após a ida da rainha a Tarso, na Grécia, em 41 a.C., onde o general romano estava após assumir a responsabilidade da gestão das províncias orientais. A entrada teatral teria feito o triúnviro romano cair de encanto, tanto que foi com ela para o Egito na sequência. Além do relacionamento e dos filhos, Marco Antônio permitiu a Cleópatra uma estabilidade política no trono alexandrino, o atendimento de demandas territoriais (como com as chamadas ‘Doações Alexandrinas, de 34 a.C., por exemplo) e a promessa da garantia dos direitos de Ptolomeu Cesário junto aos romanos. O triúnviro romano sempre buscou se apresentar enquanto um político romano e um parceiro estratégico para o atendimento de interesses políticos, militares e econômicos em comum – algo evidente em moedas cunhadas pelo casal –, mesmo que a tradição tenha nos legado uma narrativa mais voltada aos eventos de uma vida inimitável que eles levariam na corte alexandrina.

Serviço de Comunicação Social: Pode explicar um pouco sobre o que foi a Batalha de Ácio?

Luiz Henrique Souza de Giacomo: A batalha do Ácio foi um confronto naval entre Marco Antônio e Otaviano, em 31 a.C. Ela ocorreu no promontório de Ácio, na região da Grécia. Esse confronto colocou frente a frente os dois herdeiros de Júlio César pelo poder romano. A relação entre eles estava enfraquecida e as acusações de Otaviano contra o rival sobre suas atitudes no Oriente, consideradas inadequadas, tendo em vista o comportamento social e político esperado de um magistrado romano, tinham permitido a legitimação do confronto bélico. Contudo, apesar desse fator político romano, a guerra foi declarada por Otaviano contra Cleópatra. Escritores contemporâneos, como Horácio, Propércio e Virgílio, mais próximos de Otaviano, escreveram sobre os perigos que a rainha egípcia teria representado, como Marco Antônio era um romano degenerado e caído de amores pela estrangeira e como Otaviano foi o salvador dos romanos. Era a maneira de legitimar e criar memórias sobre os inimigos e sobre si próprio, sempre pelo prisma da alteridade. O episódio da fuga de Cleópatra e Marco Antônio, no meio do combate – seja ela previamente planejada ou fruto de uma leitura do destino da batalha enquanto a mesma ocorria – acabou por reforçar como os dois estavam ligados e ajudou na deserção dos exércitos romanos e na rápida conquista do Egito e de Alexandria.
Ácio foi considerada a batalha fundacional do novo regime político, o Principado. Otaviano – que em 27 a.C. recebeu o título de Augustus – realizou um triunfo em homenagem a Ácio, no ano de 29 a.C.. Foi construído um arco do triunfo em sua homenagem no Fórum Romano. Havia a comemoração anual do evento e a realização, a cada 4 anos, dos ludi Actia. Os motivos navais passaram a estar presentes em obras publicas, em objetos, em moedas. Era uma forma de recordar, em diferentes meios de comunicação e de transmissão de memórias, esse grande acontecimento. Na inauguração do Fórum Augusto, em 2 a.C., foi representada uma naumaquia (encenação de uma batalha naval).

Serviço de Comunicação Social: Quais as repercussões que a morte de Cleópatra ocasionaram? 

Luiz Henrique Souza de Giacomo: Com a morte de Cleópatra, o primeiro ponto que deve ser destacado é a eliminação dos rivais. Otaviano figurava, a partir de então, sem nenhum oponente, o que lhe permitiu centralizar em suas mãos o poder romano, apesar do discurso político difundido ser o de que estava sendo empreendida a restauração da Republica. Não havia mais o herdeiro político/ideológico (Marco Antônio), o herdeiro sanguíneo (Ptolomeu Cesário, filho de Cleópatra com Júlio César) e a ameaça estrangeira (Cleópatra).
O segundo a ser pontuado é a conquista do Egito, que passou a ser uma província
romana. A longa relação entre egípcios e romanos agora se finalizava com a dominação e o fim de um governo independente. No entanto, o Egito era uma província diferenciada, pois ela era posse do princeps senatus, não sendo permitido entrar nela sem a autorização do governante romano. O tesouro e os cereais egípcios ajudaram nas diversas benesses do novo governante ao povo romano, como as apresentadas em suas res gestae. A partir de então, os romanos possuíam a posse de todas as terras ao redor do Mediterrâneo.
O terceiro é sobre o triunfo. O suicídio impediu a Otaviano a exibição de seu principal troféu pelas ruas de Roma. Cleópatra que havia estado em Roma durante os anos de 46 a 44 a.C., quando Júlio César era o ditador perpétuo, agora não podia ser apresentada enquanto uma derrotada de guerra. Uma estátua, com cobras enroladas ao braço, esteve presente no cortejo.
Por último, é preciso falar sobre o mito de Cleópatra. Essa visão da rainha como uma mulher sedutora e com uma vida inimitável surgiu no decorrer do Triunvirato. Era necessário para Otaviano e seus partidários colocarem a rainha nesse lugar de ameaça e poder para legitimar um discurso contrário a Marco Antônio. Após o suicídio e a cristalização do Principado, diferentes autores, ao narrarem os eventos entre 48 e 30 a.C. se apropriaram (ou talvez até exageraram) de fatos e de anedotas e, assim, deixaram registrada, nas páginas da História, essa mulher que causa fascínio há séculos.

Luiz Henrique Souza de Giacomo é Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo, com período sanduíche junto à École Française de Rome (2019). Mestre em História Social também pela Universidade de São Paulo (2015). Graduado em História (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2011).