Durante os dias 6 a 9 de outubro, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP realizou sua XXII Semana de Geografia. Organizado pelo Departamento de Geografia e pelo Laboratório de Ensino e Material Didático (LEMADI), o evento teve como tema Desnaturalizar a Guerra. Pautar o Absurdo!, que buscou debater sobre os conflitos em curso no cenário geopolítico global.
Desde a sua criação, em 2003, a Semana da Geografia busca aproximar a escola pública da Universidade. Por isso, o evento recebe anualmente alunos de escolas públicas de São Paulo, que assistem a palestras de pesquisadores sobre o tema escolhido - além de serem incentivados a produzir suas próprias apresentações focadas no conteúdo proposto pela Semana.
Neste ano, o projeto realizou sua maior edição até então, com cerca de 130 professores e 1700 estudantes convidados. A Semana de Geografia também foi escolhida pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP como um dos três maiores projetos de extensão na área de ciências humanas do campus de São Paulo, sendo o maior da FFLCH.
Como foi o evento?
A Semana iniciou suas atividades com a mesa A Geografia na construção da Paz Mundial, realizada pelo professor do Departamento de Geografia da FFLCH, André Roberto Martin. O geógrafo destacou que “sem a geografia não será possível construir a paz mundial”, e é justamente ela que pode evitar um conflito.
Ele explicou sobre o panorama geopolítico internacional e, em sua visão, “o Brasil é o único país que pode liderar o processo de transição da ordem política atual para uma nova ordem mundial, onde as potências do sul possam estar representadas”.
Uma das perguntas da plateia questionou de que forma o Brasil poderia liderar essa nova ordem mundial com uma elite econômica “atrasada”. Na visão de Martin, isso só poderia acontecer mudando essa classe social porque ela ainda possui a visão de um “Brasil colonial”, que é atrasado e não é autossuficiente.
A segunda mesa, intitulada Mundo em crise: o drama dos refugiados ao redor do globo, reuniu o professor Luiz Antonio Bittar Venturi, do Departamento de Geografia da FFLCH, e a professora Dione Evangelista Maia Fonseca, da rede estadual de ensino. O encontro discutiu a crise humanitária dos refugiados, o sionismo e a violência, destacando o papel da Geografia na análise das desigualdades e das hegemonias globais.
Fonseca compartilhou sua vivência com crianças migrantes e refugiadas em escolas públicas de São Paulo, experiência que deu origem ao projeto “Culturas do Mundo: a história de muitas vozes”, voltado ao acolhimento e à valorização da diversidade cultural por meio de músicas, brincadeiras e trocas entre os alunos.
Venturi iniciou sua fala saudando o Laboratório de Ensino e Material Didático de Geografia (Lemadi) e compartilhando suas experiências com refugiados e educação geográfica. Em 2014, lecionou para uma turma com 44 alunos sírios e, durante a pandemia, criou um projeto de extensão universitária que atendeu mais de 80 alunos de 18 nacionalidades.
O professor ressaltou que a questão dos refugiados é essencialmente geográfica, por envolver fronteiras, territórios e geopolítica global, e comentou o simbolismo das bandeiras árabes e africanas, cujas cores preto, vermelho, branco e verde remetem à Etiópia, único país africano que resistiu à colonização italiana, influenciando diversas nações da Liga Árabe.
A terceira mesa, nomeada O genocídio palestino e a luta contra o colonialismo no Século XXI, convidou o jornalista Breno Altman (Opera Mundi) e a professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV) da FFLCH, Adma Fadul Muhana.
O jornalista destacou que o atual conflito entre Israel e Palestina é consequência de um processo histórico que se iniciou no século 19 com o desenvolvimento da corrente ideológica sionista. “O sionismo criou uma solução exótica para a perseguição feroz enfrentada pelos judeus por séculos: a criação de um Estado judeu”.
Altman afirma que essa solução foi “exótica" porque os judeus, no século 19, já não eram mais uma nacionalidade e não lutavam contra um Estado dominante - diferentemente de outros povos que, no mesmo período, lutavam pela sua autodeterminação.
A outra convidada da mesa, Muhana, ressaltou a importância do tema da Semana, que traz ao debate público o que acontece hoje com o povo palestino na Faixa de Gaza e também debate propostas de como agir frente a essa situação.
Na quarta mesa, o professor Wanderley Messias da Costa, do Departamento de Geografia da FFLCH, apresentou o tema O Brasil frente à Geopolítica Contemporânea do Poder Mundial. Ele destacou que não existe uma geografia política verdadeiramente universal, pois toda análise reflete o olhar de seu tempo e lugar. O geógrafo descreveu a Nova Ordem Mundial como um “coquetel de mudanças e permanências”, marcado pela transição para uma configuração multipolar com três superpotências, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Wanderley classificou o Brasil como uma potência média-regional, cuja influência internacional decorre de sua posição geográfica e de fatores como a dimensão territorial e a diversidade de recursos. O país figura entre as “potências-baleia”, ao lado de EUA, China e Rússia.
Para o professor, compreender a geopolítica contemporânea exige uma atualização dos referenciais teóricos, já que, segundo ele, “todas as ciências sociais envelheceram também”. Por isso, defende a importância de “arejar a cabeça para entender a nova complexidade do mundo”.
A quinta mesa da Semana, intitulada O avanço do imperialismo estadunidense sob o Governo Trump II, convidou as professoras Larissa Alves de Lira e Tatiana de Souza Leite Garcia, do Departamento de Geografia da FFLCH. Elas abordaram a história política dos Estados Unidos até os dias atuais com a forma de atuação do segundo governo Trump.
Durante sua fala, Garcia afirmou que a política externa dos Estados Unidos variou entre uma abordagem intervencionista ou isolacionista. Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o governo americano se estabeleceu como um ator hegemônico nas relações internacionais.
Para a professora, hoje, esse protagonismo estadunidense está cada vez menor, especialmente após os ataques de 11 de setembro de 2001. “Todas essas posturas do Trump altamente exacerbadas dão margem para desconfiança, até mesmo entre seus aliados. Isso faz com que, aqueles que eram seus aliados, passem a se aliar com as outras potências hegemônicas”, conclui.