Tantos séculos após a expansão europeia, sob o signo do Império, o peso das contradições continua incidindo no funcionamento das sociedades e na formação de seus imaginários tanto no centro como nas margens. Dentro e fora do campo estético, a força das “estruturas de sentimentos” (WILLIAMS:1973; SAID: 1978), vistas por alguns estudiosos de muitas áreas do conhecimento como o vetor dos impérios coloniais (FANON: 1979), permanece e espelha o “complexo colonial de vida e de pensamento” (BOSI:1970) que tem condicionado a história dos espaços implicados, manifestando-se, por exemplo, nas insistentes formas de demonização da África e edulcoração da Ásia.
A despeito das frequentes alegações a respeito do caráter especial do colonialismo português, o presente da metrópole e das ex-colônias aponta para a convergência com outros projetos imperiais, reclamando tanto novas análises de suas dinâmicas como abordagens que possam também se valer dos paralelos e confrontos de processos culturais que marcaram a história e definiram geografias, determinando a própria contraposição entre Ocidente e Oriente. Construída com base em imagens estereotipadas, tal dicotomia tende a projetar o primeiro somente como o lugar da hegemonia e a ver no segundo apenas um conjunto de imagens em movimento vinculadas às noções de abjeção ou fascínio. A discussão desses clichês tem estado na pauta de importantes estudiosos e escritores, em cuja produção, nas diversas línguas, se inscrevem noções de identidades e alteridades, que podem ganhar outros significados e formas diante de conceitos como “biblioteca colonial” (MUDIMBE: 2013) e “arquivo histórico de informação e de representações” (FOUCAULT: 1969).
A persistência de dispositivos da literatura colonial, a ambiguidade do sentido das viagens em narrativas contemporâneas, a figuração do imigrante como sujeito e objeto nas distintas modalidades discursivas, o empenho na desmontagem de pactos orientalistas são dados constitutivos da contemporaneidade que parece produzir o novo em confronto com o legado do “instrumento cognitivo do poder” (CARVALHO: 2008) e do esforço contra sua cristalização. Nesse quadro, tanto nas antigas metrópoles como nos territórios ocupados, tem crescido um interesse epistemológico e estético que resulta na multiplicação de olhares sobre os continentes americano, africano e asiático e se desdobra em análises centradas na produção acadêmica e literária de diferentes países.
Proposto para o número 44 da revista Via Atlântica, o dossiê “Colonialismo/orientalismo: figuras e figurações do Império em narrativas do passado e do presente” pretende participar desse debate acerca das construções imperiais, suas formas de persistência no tempo e/ou a diversidade de realização nos espaços e os diferentes modos de reagir aos códigos coloniais, tendo como eixo os seguintes tópicos:
- Mediação e resistência em contextos coloniais e pós-coloniais: estratégias e impasses nos patrimônios materiais e imateriais.
- Os contextos de língua portuguesa como produto(re)s e/ou reprodutores de narrativas orientalistas na literatura e em outras artes;
- O Oriente nas literaturas de língua portuguesa: representação e auto-representação;
- O colonial e o pós-colonial: memória cultural, gênero e raça nos contextos africanos e asiáticos;
- A alteridade nas fontes históricas da Ásia e da África;
- A Ásia e a África na imprensa colonial;
- Literatura e exotismo, ontem e hoje;
- O Brasil como lugar de “um certo oriente”;
- A sublevação contra-orientalista na literatura e/ou em outras artes: horizontes e dilemas.
ORGANIZAÇÃO: Catarina Nunes de Almeida (Universidade de Lisboa), Nazir Ahmed Can (Universidade Autónoma de Barcelona) e Rita Chaves (Universidade de São Paulo).
PRAZO PARA ENVIO DE TRABALHOS: 30 de junho de 2022.