Entrevista com Daniel Puglia

Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Ernest Hemingway, para os leitores que ainda não o conhecem?

 

Daniel Puglia: Ernest Hemingway foi um dos mais importantes escritores em língua inglesa no século passado. Nasceu em 1898 e faleceu em 1961. Ficou conhecido como romancista e contista, mas também trabalhou como jornalista. Na verdade, o início de sua carreira foi como repórter e muitos estudiosos fazem uma ligação entre o estilo que aprendeu nas redações dos jornais e aquele que acabou elaborando na obra ficcional.  

Algumas de suas principais obras são: In our time (1925), coletânea de contos em que temos as primeiras narrativas e fragmentos ficcionais; O sol também se levanta (1926), um romance sobre a vida de expatriados que sofrem as consequências da Primeira Guerra Mundial; Adeus às armas (1929), uma história de amor mesclada a reflexões também sobre a Primeira Guerra Mundial; Por quem os sinos dobram (1940), um romance que celebra a solidariedade e o esforço coletivo em meio à Guerra Civil Espanhola; e, finalmente, O velho e o mar (1952), uma novela que condensa várias das preocupações, tanto estéticas quanto políticas, de Hemingway.  

Nos romances e nos contos desenvolveu uma forma de escrita objetiva, clara e direta. Sem espaços para floreios desnecessários, suas frases são límpidas. Seus parágrafos são construídos de maneira econômica. Os recursos literários que utiliza parecem estar a serviço da perfeita junção entre enredo, personagens e foco narrativo. Tudo isso acaba criando um ritmo de leitura notável: uma prosa aparentemente simples, em alguns momentos até mesmo árida, mas que pode envolver os leitores numa musicalidade surpreendente.

Uma de suas marcas registradas foi a capacidade de criar, de modo sucinto, todo um universo que pode ser desvendado pelos leitores. Em poucas sentenças são sugeridos contextos variados e múltiplos. Com poucos detalhes são insinuados desdobramentos e possibilidades para a trama e para os personagens. Descobrir essas várias camadas de significação é um dos prazeres que sua obra nos oferece.    


Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a Literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

 

Daniel Puglia: As contribuições de Hemingway para a Literatura são inúmeras. Mas duas delas me parecem as mais importantes e estão relacionadas a repercussões atuais. A primeira é positiva: seu estilo de escrita ainda apaixona uma legião de leitores. Acredito que nunca é demais enfatizar a importância de uma prosa e uma técnica soberbas, que são um convite à leitura e à reflexão. Ler e reler Hemingway pode ser um excelente contato com a experiência estética que contribui para o aprendizado e a fruição em vários níveis. Seus livros podem ser um bom indicativo do quanto a arte não precisa ser pedante para ser profunda. É uma obra que ainda tem muito a dizer, com um legado ainda a ser explorado, pois evita maneirismos e pode ser um antídoto contra modismos tolos.

Já a segunda contribuição, se quisermos chamar assim, é bem mais complicada e, em minha visão, bastante negativa. Hemingway infelizmente virou uma marca literária. Na verdade, muitas pessoas admiram sobretudo a fama e a celebridade que ele conseguiu ainda em vida. E isso tem consequências. No ramo literário foi gerada uma legião de imitadores que parecem não ter lido uma única linha de Hemingway, mas que estão ávidos pelas luzes do sucesso e do reconhecimento. Muitos não sabem, mas já imitam os imitadores de Hemingway. O resultado é uma avalanche de livros em prosa simplória, canhestra e, o que é pior, cheia de pose. Mas isso é um dos sinais de nosso tempo. Nesse sentido, redescobrir e verdadeiramente ler as obras de Hemingway pode ser até um caminho de resistência. Cultuar artistas, esquecendo ou ignorando aquilo que produziram, não é algo saudável.