Entrevista com Fábio Ribeiro

Serviço de Comunicação Social: Para os leitores que não o conhecem, quem foi Pierre Bourdieu? 

Fábio Ribeiro: Pierre Bourdieu foi um sociólogo, antropólogo e filósofo francês, um dos cientistas mais importantes da segunda metade do século 20. Junto a seus colaboradores e estudantes, criou uma abordagem teórica e metodológica para a sociologia que tinha como principal objetivo revelar as hierarquias, estruturas e relações sociais que operam além da consciência das pessoas e das regras explícitas das instituições e sociedades, para que assim pudéssemos ter um pouco mais de controle sobre essas forças que determinam parcialmente nossas ações, comportamentos e pensamentos. Para tanto, realizou uma série de pesquisas empíricas em várias áreas diferentes das ciências sociais, desde estudos de cunho etnográfico na Argélia e no sudoeste da França, sua região natal, até pesquisas quantitativas e qualitativas amplas de sociologia da educação, das universidades e dos gostos culturais, para citar apenas as mais conhecidas. A partir do trabalho empírico, elaborou uma série de conceitos que resultaram num arcabouço teórico altamente original, inspirado não só pela sociologia clássica de Weber, Durkheim e Marx mas também por várias correntes filosóficas clássicas e contemporâneas, desde o racionalismo de Leibniz e Espinosa até a fenomenologia de Husserl, passando pela filosofia da ciência de Bachelard e Canguilhem. Bourdieu nunca nomeou explicitamente sua abordagem, que hoje é conhecida principalmente por "teoria da prática". Bourdieu publicou uma obra incrivelmente extensa, e textos inéditos ainda são editados e publicados hoje em dia, vinte anos após sua morte. Para uma aproximação inicial a esse autor, recomendo o livro Razões Práticas (Campinas: Papirus, 1996). Uma obra acessível de comentadores é Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais, organizado por Michael Grenfell (Petrópolis: Vozes, 2018).

 

Serviço de Comunicação Social: Quais os principais conceitos teóricos que ele desenvolveu?

Fábio Ribeiro: Bourdieu é conhecido principalmente por sua tríade central de conceitos (ou "ferramentas de pensar", como ele dizia): habitus, campo e capital, mas durante sua longa carreira empregou também muitos outros conceitos que criou e/ou reformulou dependendo de suas necessidades práticas. Antes de mais nada, é preciso enfatizar duas coisas: primeiro, que as ferramentas bourdieusianas devem preferencialmente ser empregadas sempre em conjunto, já que privilegiar uma em detrimento das outras acaba gerando distorções na pesquisa ou na análise de resultados; segundo, diferente da maioria das abordagens teóricas e empíricas na sociologia, para Bourdieu a teoria vem da prática, e não o contrário. Ou seja, a investigação e reflexão teóricas só fazem sentido para ajudar a resolver problemas de pesquisa. Voltando para os principais conceitos: de forma bastante simplificada, podemos dizer que o habitus é um sistema de disposições que cada um de nós desenvolve durante nossas vidas, especialmente como resultado da educação que recebemos de nossas famílias e sistema escolar, mas também dos campos em que estamos envolvidos e do capital que possuímos. Essas disposições alteram as probabilidades de tomarmos esta ou aquela decisão, gostarmos desta ou daquela coisa, nos posicionarmos desta ou daquela forma - e isso acontece majoritariamente sem que tenhamos consciência explícita dessas disposições. Campos são sistemas de posições e relações estruturadas hierarquicamente de alguma parte do espaço social (religião, ciência, política, educação, arte, direito etc.). Em cada campo, os agentes envolvidos nele (indivíduos, grupos e/ou instituições) se relacionam, competem e cooperam através de suas estratégias, capitais e disposições privilegiadas por seus habitus para alterar suas posições dentro do campo mas também para alterar as definições e fronteiras do próprio campo, num processo relacional que sempre ocorre em vários níveis. Já o capital é o conjunto de recursos materiais e intangíveis que os agentes possuem e mobilizam nas disputas dentro do campo e que também estrutura a hierarquia de relações e posições dentro do campo. Assim, para cada campo há um capital específico - capital religioso, científico, político etc., mas para as necessidades de análise os capitais podem ser reduzidos a três tipos principais: econômico, cultural e social. Nossos habitus determinam parcialmente a eficiência de nossas capacidades de acumulação, manipulação e conversão de capitais. Como fica claro, é impossível definir qualquer um dos três principais conceitos bourdieusianos sem se referir aos outros dois.

 

Serviço de Comunicação Social: De que forma o pensamento de Bourdieu se mantém atual?

Fábio Ribeiro: A abordagem bourdieusiana tornou-se uma referência muito importante não só na sociologia, mas em várias outras disciplinas acadêmicas como pedagogia, história, direito, linguística e literatura, entre outras, e a plasticidade de seus principais conceitos significa que ela encontra aplicações práticas frutíferas em áreas bastante distantes como administração de empresas, nutrição, enfermagem, educação física etc. Suas ideias continuam a ser criticadas, aprimoradas e refinadas por milhares de pesquisadores espalhados mundialmente. Para terminar, noto apenas que o próprio Bourdieu tinha perfeita clareza de que, como seus conceitos surgiram da prática, isso significava que eles jamais poderiam ser considerados "escritos em pedra", e as novas realidades diante das sucessivas gerações de estudantes exigem que eles sejam continuamente reformulados e melhorados, de modo que a pesquisa em moldes bourdieusianos continua provocativa e fértil ainda hoje.