Livro traz reflexões sobre o posicionamento da literatura em assuntos mais diversos e polêmicos

A obra do professor Marcos Natali trata do modo como a instituição literária responde ou não a questões sobre as relações entre a literatura e os direitos humanos, a sala de aula, as discursividades indígenas, o luto, o racismo, a loucura e a violência

Por
Eliete Viana
Data de Publicação
Editoria

 

capa livro


A literatura em questão (Editora Unicamp) é o título do novo livro do professor Marcos Natali, do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, publicado no final de 2020. 

A obra possui nove capítulos, que são compostos por reflexões a respeito da relação entre literatura e ética. A preocupação de fundo do livro é com a “responsabilidade literária”, isto é, com o modo como a instituição literária responde, ou se recusa a responder, a inquirições sobre as relações entre a literatura e os direitos humanos, a sala de aula, as discursividades indígenas, o luto, o racismo, a loucura e a violência. 

Nesse exercício, o interesse pela literatura advém da percepção de que ela é um território privilegiado para a dramatização de fantasias associadas à democracia, em particular a crença na possibilidade infinita de inclusão da alteridade e de sua assimilação sem atrito.

Natali trabalha principalmente com literatura latino-americana contemporânea, desconstrução, teoria pós-colonial, teorias críticas da raça e a relação entre literatura e ética. E os textos agrupados deste livro surgiram durante um período de estudos e ensino que teve início em 2006. 

Capítulos 

O primeiro capítulo, chamado “Além da literatura”, é uma leitura de “O direito à literatura”, texto de Antonio Candido – professor emérito da FFLCH (1918-2017) – , de 1988, “que provavelmente ensinei e discuti em sala de aula mais do que qualquer outro ao longo de mais de uma década e meia de prática docente”, afirma Natali na apresentação do livro.

O segundo capítulo intitulado “José María Arguedas aquém da literatura” retoma um aspecto específico do capítulo anterior, e da argumentação de Antonio Candido, para explorar como a crítica literária latino-americana, por meio de conceitos teórico-políticos como a transculturação, contribuiu para um grande projeto modernizante de assimilação da diferença indígena. No terceiro capítulo, a produtividade política das questões culturais e linguísticas elaboradas por Arguedas é desdobrada, dessa vez com ênfase no romance Los ríos profundos (Os rios profundos). 

​​​​​​​O quarto capítulo – “O sacrifício da literatura” –, é dedicado à leitura de alguns dos textos do filósofo Jacques Derrida (1930-2004). A leitura das páginas que ficariam conhecidas como a “Circonfissão” de Derrida, publicadas depois no volume intitulado Jacques Derrida,é a oportunidade para um retorno de outro modo à questão da literatura. 

O debate sobre o racismo em Monteiro Lobato é abordado no quinto capítulo chamado “Uma segunda Esméria: do amor à literatura (e ao escravizado)”. Trata-se de uma leitura das respostas públicas à denúncia de racismo dirigida à obra de Monteiro Lobato em 2010. 

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“Mais uma vez, o interesse estará naquilo que a discussão revela a respeito da forma como é pensada a relação entre literatura e ética, com o elogio à primeira funcionando por vezes no episódio como forma de desviar o olhar do racismo que estrutura a injustiça brasileira. O mérito do episódio está também na revelação da extensão e da variedade das forças que se organizaram em defesa da instituição literária, alheias aos deslocamentos sísmicos que aconteciam à sua volta, dentro e fora do campo do estudo universitário da literatura”, comenta o professor.


​​​​​​​O sétimo capítulo, nomeado como “As mortes da literatura”, contém análises de narrativas dos hispano-americanos Álvaro Enrigue, Roberto Bolaño e Mario Bellatin; os dois últimos retornam no oitavo capítulo – “Futuros de Arguedas” –, dessa vez lidos sob a sombra do escritor peruano, que retorna mais uma vez. Seu livro El zorro de arriba y el zorro de abajo (A raposa de cima e a raposa de baixo) é comentado na primeira parte do capítulo, enquanto uma apreciação do conto “Dentista”, do livro Putas asesinas (Putas assassinas) de Bolaño, encerra o capítulo – o relato de uma experiência na província mexicana indicando o que houve nas últimas décadas com os sonhos modernizadores dos literatos latino-americanos.

E, por fim, no nono capítulo chamado “Da violência, da verdadeira violência”, o livro examina, na materialidade textual de “El Ojo Silva” (“O Olho Silva”), outro conto de Bolaño, o que acontece com o anúncio da inevitabilidade da violência que abre o relato, destrinchando o sentido da dificuldade de manter, ao longo do exercício de narração, a hipótese de uma clausura total do mundo, dificuldade encontrada também em textos do filósofo Giorgio Agamben e do cineasta Pier Paolo Pasolini.

A obra inclui ainda um texto, como um experimento que encena a estranha experiência de se encontrar na sala de aula, diante de um grupo de alunos e alunas, e ter que começar a falar – atividade que o professor Natali vem praticando como docente da FFLCH, oficialmente, desde 2003.

Natali possui mestrado e doutorado em Literatura Comparada pela Universidade de Chicago, Estados Unidos. Ele tem projeto de pesquisa em andamento sobre a teoria dos gêneros menores e a narrativa breve de Roberto Bolaño.  

Este livro não é o primeiro que o professor publicou. Podemos destacar a publicação de A política da nostalgia: Um estudo das formas do passado (Nankin), 2006; Margens da democracia: a literatura e a questão da diferença (Editora da Unicamp / Edusp), 2015, volume com textos de diversos autores, organizado com Marcos Siscar; além de diversos artigos e estudos sobre Roberto Bolaño, Jacques Derrida, Juan Rulfo, José María Arguedas, Mario Bellatin, o racismo de Monteiro Lobato, Marília Garcia, Ana Martins Marques e a noção de segredo, além do capítulo sobre a América Latina em The Cambridge History of Postcolonial Literature, em 2012.

O livro pode ser adquirido diretamente pelo site da Editora Unicamp, onde também é possível ler gratuitamente as 20 primeiras páginas do livro. 

​​​​​​​Mais informações pelo e-mail: mpnatali@usp.br