Nascimento de Emiliano Zapata

Líder e general do Exército Libertador do Sul em meio à Revolução Mexicana de 1910, a memória de Emiliano Zapata permanece atual nas lutas coletivas

Por
Alice Elias
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Nascimento de Emiliano Zapata
Segundo Liz Nátali Sória, "Os vários movimentos sociais espalhados pelo México hoje também reivindicam para si a figura de Emiliano Zapata e a inspiração que sua luta deixa para as resistências do presente". (Arte: Alice Elias)

 

“Zapata vive, la lucha sigue” (do espanhol, “Zapata vive, a luta segue”) é o lema que ecoa até hoje nas lutas populares do México, em homenagem à memória de Emiliano Zapata. Nascido no dia 8 de agosto de 1879, em Anenecuilco (Morelos, México), o descendente indígena Emiliano Zapata foi líder e general do Exército Libertador do Sul, durante a Revolução Mexicana de 1910.

A luta zapatista reivindicava transformações imediatas em favor dos pueblos, tendo como base sua autonomia, a restituição de terras e a nacionalização dos bens dos inimigos da revolução. Apesar de ter sido assassinado em 1919, “o significado do nome de Zapata se move no tempo e no espaço e, por trás dele, está a força de uma coletividade e de um movimento constituído por comunidades populares indígenas e do campo de ontem e, também, de hoje”, afirma Liz Nátali Sória, mestre em História pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

 

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Emiliano Zapata, e qual foi a sua influência no México?

Liz Nátali Sória: Emiliano Zapata foi descendente indígena, nascido no pueblo de Anenecuilco no estado de Morelos, México. Zapata ficou conhecido por muitas comunidades além de seu próprio pueblo por trabalhar com cavalos e transportes. O fluxo de acontecimentos que o tornou o grande líder e general do Exército Libertador do Sul, em meio à chamada revolução mexicana de 1910, passa pela confiança criada por várias comunidades em relação a sua figura, antes e ao longo do processo revolucionário. Zapata foi assassinado, em 1919, pelas forças que triunfaram na revolução. Seu legado, no México, é bastante disputado por forças de diversas vertentes, institucionais e não-institucionais. Os vários movimentos sociais espalhados pelo México hoje também reivindicam para si a figura de Emiliano Zapata e a inspiração que sua luta deixa para as resistências do presente. O lema “Zapata vive, la lucha sigue”, utilizado em diversas lutas populares do México, revela a atualidade de sua memória. O significado do nome de Zapata se move no tempo e no espaço e, por trás dele, está a força de uma coletividade e de um movimento constituído por comunidades populares indígenas e do campo de ontem e, também, de hoje.

Serviço de Comunicação Social: Quais as causas que motivaram a luta zapatista?

Liz Nátali Sória: A luta zapatista organizou-se em torno da restituição das terras historicamente roubadas pelas haciendas no território de Morelos e para além dele. A ênfase na transformação imediata em favor dos pueblos, protagonizada por eles próprios, consolidou sua principal estratégia. Inicialmente, o zapatismo se aliou às forças comandadas por Francisco Madero que levaram à queda do ditador Porfirio Díaz. Ao compreender que as forças de Madero, recém chegadas ao poder, não atenderiam as demandas das comunidades indígenas e do campo, o zapatismo decretou por si só seu levante armado acompanhado do grito “Abajo haciendas. Viva pueblos”. A formulação do Plano de Ayala pelo zapatismo era expressão do que já se consolidava na prática, em especial, a restituição de terras de forma imediata e a nacionalização dos bens dos inimigos da revolução. Importante ressaltar também a proposta zapatista de autonomia de cada pueblo, isto é, de que os desejos e necessidades dos habitantes de cada região fossem a base para as ações e processos de transformação.

Serviço de Comunicação Social: Em sua dissertação de mestrado, você analisa o zapatismo em torno da restituição da economia e da relação do movimento com as formas de produção existentes. Com base nisso, como o zapatismo influenciou a economia mexicana?

Liz Nátali Sória: Historicamente a organização econômica dos povos tradicionais mexicanos articula-se em torno da economia do milho. Nas palavras de Francisco Pineda, um dos importantes historiadores do zapatismo, as comunidades zapatistas eram portadoras da grande civilização do milho. Nela, cultura e economia formulam uma unidade organizadora de caráter comunitário. A restituição da economia do milho pelas comunidades que integraram o zapatismo foi a luta por um modo de produção completamente avesso à estrutura capitalista e à organização vertical inerente ao Estado. Por todo México, hoje, há pueblos organizados em torno dessa mesma economia e que resistem a partir de sua auto-organização contra as ameaças constantes da economia hegemônica. Atualmente, as comunidades zapatistas de Chiapas organizadas em torno do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) são uma das várias expressões dessa resistência que se articula e integra parte do legado deixado pelo zapatismo original. Essa influência, também vista em pueblos de outros estados, é marcada pela capacidade de resistência contra o Estado e de articulação comunitária contribuindo para um imaginário de resistência fora da órbita institucional e com incidência imediata no cotidiano que se vive em cada comunidade. 

 


Liz Nátali Sória é mestre em História pela FFLCH USP, além de doutoranda em Artes Cênicas pela ECA USP. Fundou e atua no grupo de teatro Madeirite Rosa (2013), que investiga as conexões entre cena, comicidade e sociedade, em territórios periféricos. Para quem se interessar sobre o tema, sua dissertação de mestrado está disponível em A economia zapatista: retratos de uma insurreição autônoma.