Nascimento de Nelson Rodrigues

Considerado o mais influente dramaturgo do Brasil, Rodrigues modernizou o teatro brasileiro

Por
Pedro Fuini
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Nelson Rodrigues
“Nelson criou um estilo próprio tanto na temática quanto na escrita, e o adjetivo rodrigueano remete aos seus personagens e um jeito carioca-brasileiro de se expressar”, explica a pesquisadora Daniella Origuela. (Arte: Pedro Fuini)

Escritor, jornalista e com uma vida marcada por tragédias e polêmicas. Esse era Nelson Rodrigues, considerado o maior dramaturgo do Brasil. Nascido em Pernambuco, em 23 de agosto de 1912, Rodrigues cresceu nos subúrbios cariocas, o que influenciou fortemente seus escritos, que retratam a vida e os costumes do Rio de Janeiro. 
Começou a escrever ainda na infância, e aos 13 anos estreou como repórter policial. Logo depois abandonou os estudos para se dedicar totalmente ao jornalismo. Com salários baixos e problemas financeiros, decide se aventurar na dramaturgia. Estreia em 1941 com a peça A mulher sem pecado, e em 1943 lança Vestido de noiva, sua peça mais famosa. Sob o pseudônimo de Susana Flag, lança Meu destino é pecar, em 1945, que faz grande sucesso.

Quanto aos temas que abordou em sua obra, o adultério foi recorrente. Daniella Origuela, doutora em Estudos da Tradução pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, comenta que Rodrigues “retratou uma época e um certo tipo de família brasileira de classe média e baixa, seus segredos e hipocrisias”. Os desejos das pessoas, o desejo sexual e o desejo de ser e de viver, também estão presentes em seus escritos.
“Nelson criou um estilo próprio tanto na temática quanto na escrita, e o adjetivo rodrigueano remete aos seus personagens e um jeito carioca-brasileiro de se expressar”, explica a pesquisadora, que completa dizendo que a obra de Rodrigues oferece um bom retrato da sociedade brasileira.

Por mais que a qualidade e a inventividade da obra do dramaturgo sejam frequentemente questionadas, Origuela afirma ser impossível pensar em teatro contemporâneo brasileiro sem citar Nelson Rodrigues. “Até hoje as companhias de teatro continuam montando suas peças e inovando, pois a obra de Nelson possibilita uma diversidade de leituras.” As traduções e encenações do teatro rodrigueano em língua inglesa foram, inclusive, tema de sua dissertação de mestrado.

Quanto às posições conservadoras e frases polêmicas pelas quais ele é lembrado, a pesquisadora destaca o caráter contraditório do autor. “Ao mesmo tempo que demonstrava ser um homem da sua época com um posicionamento muitas vezes machista, também foi o autor de trabalhos que expunham a hipocrisia das pessoas, mostrava mulheres e homens vivendo seus desejos”. 

Confira na íntegra a entrevista concedida por Daniella Origuela sobre Nelson Rodrigues:

 

Serviço de Comunicação Social: Para os leitores que não o conhecem, quem foi Nelson Rodrigues?

Daniella Origuela: Nelson Rodrigues nasceu em 1912 em Recife e morreu em 1980 no Rio de Janeiro. Apesar de ser pernambucano, Nelson encarnou o carioca trazendo para seus textos a vida e costumes do Rio. Sua vida, cheia de acontecimentos trágicos que chegam até a parecer invenção, muitas vezes se confundem com sua obra, especialmente quando nomeia seus personagens com nomes de amigos e conhecidos, em geral causando revolta. Nelson cresce nos subúrbios cariocas dos anos 20 onde as vidas e intimidade dos vizinhos e familiares são compartilhadas no quintal. Essa experiência de observação da vida alheia vai gerar histórias e personagens na sua obra. Ele começa a escrever aos 8 anos e seu primeiro texto tem o tema do adultério – temática que perseguiria até o fim e que apareceria em muitos textos. Aos 13 anos inicia sua vida jornalística como repórter policial e já nesse momento começa a dramatizar os acontecimentos policiais. Ele para os estudos na terceira série do ginásio e vai se dedicar ao jornalismo por toda a vida. Tinha salários baixos como jornalista e sempre com muitas dívidas tentava bolar algo que lhe pudesse trazer dinheiro e fama. Diz que ao passar em frente ao Teatro Rival e ver uma fila de pessoas entrando para assistir a uma peça decide que poderia ganhar a vida como dramaturgo. Em 1941 escreveria sua primeira peça, A mulher sem pecado, que será encenada no ano seguinte depois de muitas tentativas. Mais tarde, Vestido de noiva [1943], que o lançaria como dramaturgo reconhecido. Em 1945 sob o pseudônimo de Susana Flag começa a escrever o folhetim Meu destino é pecar, que é um grande sucesso. Era obcecado pelo sucesso e aprovação dos amigos, caso não se sentisse reconhecido ou se fosse criticado por estes, rompia relações. A cada peça ora recebia aplausos, ora vaias. Ele não passou um dia sem escrever desde que começou a trabalhar em jornais. Teve uma vida pessoal com muitas histórias dramáticas, pontuada por assassinatos, brigas, ciúmes e discussões.

 

Serviço de Comunicação Social: O que caracteriza o estilo do escritor?

Daniella Origuela: Nelson escrevia todo tipo de coisa: romances, peças teatrais, contos, crônicas, folhetins. Retratou uma época e um certo tipo de família brasileira de classe média e baixa, seus segredos e hipocrisias, falava dos desejos das pessoas, desejo sexual, desejo de ser e de viver. Por mais que alguns críticos possam vir a contestar a qualidade e inventividade de sua obra, Nelson criou um estilo próprio tanto na temática quanto na escrita, e o adjetivo rodrigueano remete aos seus personagens e um jeito carioca-brasileiro de se expressar. A obra de Nelson continua fazendo sentido para entendermos o Brasil. Seus livros são fáceis de ler, instigantes e sempre surpreendentes.

 

Serviço de Comunicação Social: Qual o legado deixado por Rodrigues e suas principais obras?

Daniella Origuela: É impossível pensar em teatro contemporâneo brasileiro sem citar Nelson Rodrigues. Até hoje as companhias de teatro continuam montando suas peças e inovando, pois a obra de Nelson possibilita uma diversidade de leituras. Apesar de sempre afirmar nunca ter lido Freud, fica evidente a influência da psicanálise em sua obra. Muitas vezes ele é lembrado por suas posições políticas conservadoras e frases polêmicas. De fato, ele foi uma contradição em pessoa. Ao mesmo tempo que demonstrava ser um homem da sua época com um posicionamento muitas vezes machista, também foi o autor de trabalhos que expunham a hipocrisia das pessoas, mostrava mulheres e homens vivendo seus desejos como em Os sete gatinhos [1958], Doroteia [1949] e muitos outros. Acho que vale muito a pena ler a dramaturgia de Nelson Rodrigues, especialmente Vestido de noiva, as peças míticas como O anjo negro [1947], Senhoras dos Afogados [1947] e Álbum de Família [1945]; as tragédias cariocas como Boca de Ouro [1959] e O beijo no asfalto [1960]; seus contos em A vida como ela é… [1950-1961]. E para quem gosta de futebol, Nelson escreveu muito sobre essa sua paixão. 

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Daniella Origuela é doutora em Estudos da Tradução e mestra em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela FFLCH e devir psicanalista. As traduções e encenações em língua inglesa do teatro de Nelson Rodrigues foram tema de sua dissertação de mestrado, disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.