Revolução Farroupilha

Conflito iniciado pela elite rio-grandense foi o mais duradouro do Império brasileiro

Por
Pedro Fuini
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Revolução Farroupilha
"A Farroupilha, dentre as inúmeras revoltas ocorridas no Brasil nas primeiras décadas pós-independência, foi essencialmente uma revolta de elite", afirma Leonardo dos Reis Gandia. (Arte: Pedro Fuini)

Em 20 de setembro de 1835, teve início a Revolução Farroupilha, ou Guerra dos Farrapos, em referência aos trajes esfarrapados usados pelas tropas rebeldes. Ocorrida na então província do Rio Grande do Sul, foi a rebelião mais duradoura do período imperial brasileiro, se estendendo até 1845. Em lados opostos, estavam o governo do Rio de Janeiro, então sede do Império, e as elites rio-grandenses, política e economicamente insatisfeitas. 

De acordo com Leonardo dos Reis Gandia, doutorando em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, inicialmente o movimento queria a deposição do presidente da província, Antonio Rodrigues Fernandes Braga, e a possibilidade de escolher os próximos presidentes e comandantes de armas da provinciais. A principal liderança da rebelião foi Bento Gonçalves da Silva, autor do célebre Manifesto que expressava as causas da revolução. Outra combatente de destaque foi Anita Garibaldi, que já foi tema do Hoje na História.

Com o aumento da repressão imperial, parte das lideranças rebeldes passaram a defender com mais vigor a causa separatista, o que não era unanimidade entre as elites. Mesmo assim, a República Rio-Grandense foi proclamada em 1836.

O conflito terminaria após negociações bem-sucedidas entre o Império e setores das elites, por intermédio de Luis Alves de Lima e Silva (o futuro duque de Caxias), reintegrando a província ao território brasileiro, com a assinatura da Paz de Ponche Verde. 

Escravizados chegaram a integrar o exército rebelde, sob a promessa de liberdade. Nos movimentos finais do conflito, segundo Gandia, o Império e os farrapos teriam articulado um ataque a uma tropa dos Lanceiros Negros dos rebeldes, resultando na execução e prisão de dezenas de soldados negros, no que ficou conhecido como Surpesa de Porongos. “Porongos tornou-se um episódio muito simbólico do caráter elitista do movimento”. 

Confira a entrevista com Leonardo dos Reis Gandia na íntegra:

 

Serviço de Comunicação Social: Em que contexto ocorre a Revolução Farroupilha?

Leonardo dos Reis Gandia: A chamada “Revolução Farroupilha” foi uma rebelião ocorrida na província do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1835 e 1845, a mais longa da história do Brasil Império. Sua deflagração se deu durante o Período Regencial, em decorrência de questões econômicas e divergências políticas entre o governo do Rio de Janeiro e as elites provinciais em torno da atuação política do presidente da província, Antonio Rodrigues Fernandes Braga. Apesar disso, as tensões entre centro e província tinham origem anterior, no contexto da derrota brasileira na Guerra da Cisplatina [1825-1828], que havia imposto prejuízos materiais e territoriais aos rio-grandenses. Nesse sentido, no contexto da deflagração da rebelião, havia uma disputa intensa entre a administração da província e os estancieiros e charqueadores rio-grandenses acerca do controle e proteção das fronteiras com o Uruguai.

 

Serviço de Comunicação Social: Quem estava à frente e quais eram as reivindicações do movimento?

Leonardo dos Reis Gandia: A Farroupilha, dentre as inúmeras revoltas ocorridas no Brasil nas primeiras décadas pós-independência, foi essencialmente uma revolta de elite. Dentre as principais lideranças do movimento, destacam-se grandes membros da elite militar e de “senhores da terra” da província, tais como José Mariano de Mattos, José Gomes de Vasconcelos Jardim, Antonio Vicente da Fontoura, Pedro José de Almeida (também conhecido como Pedro Boticário), Antonio de Souza Neto, Domingos José de Almeida, Bento Manuel Ribeiro (figura bastante contraditória do movimento, que lutou dos dois lados do conflito em mais de uma oportunidade), entre outros. No entanto, a personagem de maior poder e prestígio, sem dúvida, a principal liderança da rebelião, foi Bento Gonçalves da Silva, com o célebre Manifesto de Bento Gonçalves.

Inicialmente, as reivindicações do movimento consistiam na deposição do presidente da província, Antonio Rodrigues Fernandes Braga, e na possibilidade de escolher os próximos presidentes e comandantes de armas da província a serem nomeados pelo Rio de Janeiro. 

Embora tenha esboçado uma reação contra os rebeldes, Fernandes Braga não alcançou o apoio militar necessário, tendo que abandonar Porto Alegre, sede da presidência, e seguir para o Rio de Janeiro. Ao chegarem na capital, sem resistência, e com a promessa de nomeação de um novo presidente, parte dos líderes consideraram a rebelião encerrada.

No entanto, já a partir de outubro de 1835, o Império passou a empreender combate intenso contra as tropas rebeldes, expulsando-as de Porto Alegre, sob as ordens do novo presidente da província, José de Araújo Ribeiro. Com isso, parte das lideranças rebeldes passaram a defender com mais vigor a causa separatista, que estava longe de ser uma unanimidade entre a elite riograndense. Desse modo, articulada em torno do general Antonio de Souza Netto e, em detrimento do posicionamento de Bento Gonçalves da Silva, parte dos farroupilhas proclamou a República Rio-Grandense, em 11 de setembro de 1836, com sede na pequena cidade de Piratini.

 

Serviço de Comunicação Social: Qual foi o desfecho e consequências do conflito?

Leonardo dos Reis Gandia: Ao longo de quase uma década de conflitos, os farrapos não chegaram a ocupar toda a província do Rio Grande do Sul, embora tenham tido êxito (ainda que de curta duração) na conquista de Laguna, no litoral de Santa Catarina, onde proclamaram a efêmera República Catarinense Livre e Independente, mais conhecida como República Juliana (24/07/1839-15/11/1839). Foi nesse momento da rebelião que se destacaram outras personagens do movimento, eternizadas no imaginário popular, na literatura e nas narrativas encomiásticas da Guerra dos Farrapos, como Anita Ribeiro e Giuseppe Garibaldi, Tito Lívio Zambacari, entre outros.

Diante do prolongamento do conflito, das cisões internas na elite farroupilha e da proximidade com o contexto belicoso da Guerra Grande no Uruguai (que envolvia também exércitos de várias províncias argentinas), o governo imperial seguiu a via da negociação, enviando Luis Alves de Lima e Silva, então barão (e futuro duque) de Caixas para pacificar a província.

Após alguns anos de combates com os rebeldes, aproximações com setores estratégicos da elite provincial e negociações bem-sucedidas com os farrapos, o Império, por meio de Caxias, reintegrou a província ao território brasileiro, com a assinatura da Paz de Ponche Verde.

Diante dos impasses surgidos pela presença de escravizados que lutaram nas hostes farroupilhas – que teriam recebido a promessa da liberdade para que pegassem em armas contra o Império – Império e farrapos teriam articulado um ataque a uma tropa dos “Lanceiros Negros” dos rebeldes, que ficou conhecida como “Surpresa de Porongos”. O evento marcou os movimentos finais da rebelião e resultou na execução de dezenas de soldados negros e na prisão de outros, que foram enviados para o Rio de Janeiro. Porongos tornou-se um episódio muito simbólico do caráter elitista do movimento, especialmente quando passou a circular a notícia de que o ataque das tropas imperiais ao acampamento inimigo havia sido previamente planejado entre Caxias e Davi Canabarro, dissidente farroupilha que se aproximou do líder das tropas legalistas no final da guerra.

Com a exceção simbólica do episódio de Porongos, ao contrário de inúmeras rebeliões provinciais que marcaram aquele período, combatidas com força e violência pelo governo, a Guerra dos Farrapos chegou ao seu termo muito mais pela via da negociação e com generosas concessões feitas pelo Império à elite rebelde, como a reincorporação de seu oficiais militares e da Guarda Nacional às forças imperiais em suas patentes, o pagamento das dívidas da província pelo Império, a garantia de indicação dos presidentes pela elite da província, bem como a anistia geral e irrestrita de todos os rebeldes.

Leonardo dos Reis Gandia é doutorando e mestre em História Social pela FFLCH, pela qual também é bacharel e licenciado em História. Sua pesquisa concentra-se na área de História do Brasil Império. Sua dissertação de mestrado A política ao fio da espada: Caxias e a consolidação dos interesses brasileiros no Rio da Prata (1842-1852), está disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.