D. Pedro I é aclamado Imperador do Brasil

D. Pedro assumiu o trono como primeiro Imperador Constitucional do Brasil após proclamar a Independência

Por
Pedro Fuini
Data de Publicação

D. Pedro I
A pesquisadora Vera Bittencourt procurou reconstituir, em seu estudo sobre a trajetória de D. Pedro I, as bases sociais e econômicas que sustentaram a afirmação de sua autoridade à frente do governo do Império do Brasil. (Arte: Pedro Fuini)

Em 12 de outubro de 1822, no dia de seu aniversário, D. Pedro foi aclamado como o primeiro Imperador Constitucional do Brasil, após a Independência ter sido proclamada em 7 de setembro do mesmo ano. Com a partida do rei D. João VI para Portugal, em abril de 1821, D. Pedro foi nomeado regente do Brasil, em um período marcado por embates entre grupos econômicos que defendiam caminhos antagônicos para o futuro do Brasil – a permanência ou não da relação com o Império Português.
Vera Bittencourt, doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, afirma que a ideia de separação entre Brasil e Portugal ainda não estava consolidada em 1821, ou mesmo no episódio conhecido como Dia do Fico, quando D. Pedro decidiu permanecer no Brasil diante das exigências da Corte portuguesa para que retornasse a Portugal. Essa situação começa a mudar ao longo do ano seguinte. “Durante todo o ano de 1822, D. Pedro buscou alianças e acordos que sustentassem a afirmação de sua autoridade, que se pretendia também com a autonomia política do Brasil frente a Portugal”. Entre esses acordos com as forças políticas estava, por exemplo, a manutenção da escravidão. Ela ainda explica que a opção pela Independência do Brasil é parte de um contexto de movimentos pela independência que ocorriam pela América espanhola. D. Pedro ficou no trono de 1822 até 1831. Com a crescente oposição ao seu reinado, abdicou em favor de seu filho, que viria a ser D. Pedro II.
Bittencourt, em sua tese de doutorado, buscou reconstituir e problematizar o período em que D. Pedro exerceu a Regência do Reino do Brasil. “Meu estudo procurou reconstituir, na trajetória do Príncipe, as bases sociais e econômicas que sustentaram a afirmação de sua autoridade à frente do governo do Império do Brasil, o que implicou na separação do Brasil de Portugal e na opção por uma monarquia constitucional”. Confira a entrevista completa com a pesquisadora:


Serviço de Comunicação Social: Qual era o contexto político no Brasil antes da aclamação de D. Pedro I como Imperador?
Vera Bittencourt: Entende-se que a partida de D. João VI para Portugal, em abril de 1821, abre período bastante denso e tumultuado, no então Reino do Brasil. Ao deixar o Rio de Janeiro, atendendo a imposição das Cortes reunidas em Lisboa, D. João nomeou, por decreto, seu filho, D. Pedro, como regente no Brasil. Portanto, em abril de 1821 teria se iniciado um período que ficou conhecido, na historiografia, como a “Regência de D. Pedro”. No entanto, a presença de D. Pedro à frente de um governo no Rio de Janeiro, ainda que apresentada posteriormente como período de preparação – dele e da nação, para a afirmação de uma monarquia constitucional no Brasil, apresentava-se bastante fragilizada. Para muitos, a nomeação feita pelo rei-velho sequer tinha validade frente aos novos rumos políticos que o movimento constitucional português vinha postulando. Portanto, o período que se estende de abril de 1822 até a aclamação de D. Pedro como Imperador Constitucional do Brasil, implicou em importantes embates entre diferentes grupos que defendiam ideias e valores muitas vezes antagônicos, frente ao destino que o Brasil deveria seguir. A permanência das relações entre as nações que compunham o Império Português, as possibilidades de comércio no interior deste Império, a participação das forças socioeconômicas nas estruturas de governo, as relações entre as Províncias do Brasil e a organização política que estas relações proporiam não encontravam consenso, frente aos múltiplos interesses envolvidos. É no interior deste contexto que D. Pedro busca encontrar seu espaço de poder, dialogando com o sistema constitucional de governo, entendido como condição de nova cidadania, por meio de negociações intrincadas, especialmente com fortes grupos econômicos que haviam se estabelecido no Rio de Janeiro e estendido sua esfera de influência, para Minas Gerais, São Paulo, com ramificações em Rio Grande de S. Pedro, Goiás e Mato Grosso. Por outro lado, era fundamental defender a continuidade ou a consolidação de um espaço político – traduzido pelo Reino do Brasil, que reunisse sob autoridade única o território da América Portuguesa. Assim, é importante considerar que a ideia de separação do Brasil de Portugal não está dada em 1821, ou mesmo em 9 de janeiro de 1822 – o episódio do Fico, quando D. Pedro, após grandes dificuldades em sustentar sua autoridade, aparentemente, atende aos pedidos da população do Rio de Janeiro e resolve permanecer no Brasil. A aclamação, em 12 de outubro, representa a afirmação desta opção de formação de corpo político autônomo na América portuguesa, que se apresentaria, fruto também do contexto das independências na América espanhola, enquanto monarquia constitucional. Durante todo o ano de 1822, D. Pedro buscou alianças e acordos que sustentassem a afirmação de sua autoridade que se pretendia também como a autonomia política do Brasil frente a Portugal. Mas, é importante ressaltar que muitas questões ainda permaneciam quanto à organização da nova nação, ao rompimento definitivo com Portugal, às condições de exercício de poder do governante – o monarca constitucional. Note-se que estes movimentos políticos permearam intensamente as forças sociais estabelecidas nas diferentes Províncias do Brasil, expressaram-se em intensos embates de ideias, lutas armadas e a presença de múltiplos protagonistas, com vencedores e vencidos.


Serviço de Comunicação Social: Como foi a ascensão de D. Pedro ao trono?
Vera Bittencourt: A ascensão de D. Pedro ao trono representou frágil consenso entre diferentes forças políticas, estabelecidas tanto no centro-sul do Brasil, quanto em suas diferentes províncias, no Norte e Nordeste. Durante o ano de 1822, uma série de iniciativas permitiu que se chegasse a acordo que se sustentava em múltiplos aspectos – a afirmação da autonomia política do Brasil, a manutenção da escravidão, a defesa de um centro administrativo capaz de coordenar iniciativas – especialmente de circulação de mercadorias e pessoas e defesa de território e a instituição de governo sustentando em carta constitucional que garantiria direitos e participação política, contribuindo para novo conceito de cidadão, ainda que distante de ideais de igualdade em debate. Desde janeiro de 1822, momento do Fico, passando pelos importantes acordos firmados nas viagens a Minas e São Paulo entre março e setembro do mesmo que vieram a garantir apoio de tropas e recursos financeiros para a formação de governo tendo o Príncipe à frente do Executivo e pela convocação de assembleia que afiançaria a formulação de carta constitucional para o Brasil, que a solução representada pela aclamação de D. Pedro Imperador Constitucional veio se definindo e concretizando. D. Pedro, apoiado em importantes conselheiros, foi capaz de conciliar múltiplos interesses, sufocar adversários e negociar sua aclamação e, ainda em dezembro de 1822, sua coroação. Todas estas cerimônias tinham importante função simbólica que contribuíram para apontar para as questões em debate. Para muitos, a aclamação representaria participação decisiva da sociedade nas formulações de governo; no entanto, tanto o título de Defensor Perpétuo como a coroação apontavam para centralização de poder nas mãos do jovem Imperador. Assim, a luta política, que encontrou breve pacificação em torno da decisão de reconhecer D. Pedro enquanto Imperador, recrudesceu, após a ascensão ao trono, em intensos debates, a atuação de tropas mercenárias na defesa do governo nas Províncias e nos debates na Assembleia Constituinte que terminou por ser desfeita.


Serviço de Comunicação Social: Você pode nos contar um pouco sobre a tese de doutorado que desenvolveu?
Vera Bittencourt: Minha tese, De Alteza Real a Imperador: o Governo do Príncipe D. Pedro, de abril de 1821 a outubro de 1822, busca reconstituir e problematizar o período em que D. Pedro exerceu a Regência do Reino do Brasil, entre abril de 1821, quando do retorno de D. João VI a Portugal, até outubro de 1822, quando foi aclamado Imperador do Brasil. Trabalha a hipótese de que a autoridade de D. Pedro foi sendo constituída nesse curto período de tempo entre diferentes projetos políticos, sustentados por múltiplos protagonistas, em contexto bastante conturbado. Meu estudo procurou reconstituir, na trajetória do Príncipe, as bases sociais e econômicas que sustentaram a afirmação de sua autoridade à frente do governo do Império do Brasil, o que implicou na separação do Brasil de Portugal e na opção por uma monarquia constitucional, conforme delineada posteriormente na Carta Constitucional de 1824. Na reconstituição do movimento político, optei, enquanto forma de abordagem de processo tão intrincado, por acompanhar a trajetória de D. Pedro, quando, primeiramente, curva-se, ainda em abril e maio de 1821, frente ao movimento de tropas no Rio de Janeiro – o que revela sua fragilidade política, até a afirmação de sua autoridade, enquanto Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil, no Campo de Santana, em 12 de outubro de 1822, data de seu natalício. Importante ressaltar que esta trajetória reveste-se de momentos extremamente difíceis, movimentos arrojados - como as viagens a Minas e São Paulo, pela negociação de alianças e formas de organização do governo com poderosos grupos políticos que, distante da memória consagrada sobre o período, demandou habilidade política, implicou em vencedores e vencidos, e não significou um apaziguamento das lutas políticas, ainda que nova ordem política – a monarquia constitucional, tenha sido instituída.

Vera Bittencourt possui doutorado em História Social pela FFLCH e pós-doutorado pelo Museu Paulista da USP. Possui graduação em comunicação social pela USP e Licenciatura em História pela Universidade Católica de Santos. Pesquisa as imbricações entre a atuação dos Museus e a contribuição de seus acervos para a escrita da História. Tem experiência docente na área de História, com ênfase em História do Brasil Império. Sua tese de doutorado, Da alteza real a imperador: o governo do príncipe D. Pedro, de abril de 1821 a outubro de 1822, pode ser acessada na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.