Mussolini inicia o fascismo italiano

O vácuo político na Itália do pós-guerra foi um terreno fértil para o regime autoritário crescer. Que relações podemos estabelecer com o nosso momento atual?

Por
Lara Tannus
Data de Publicação

 

O fascismo conseguiu se difundir rapidamente devido ao apoio dos ex-combatentes, dos trabalhadores desempregados e das elites industriais. (Arte: Renan Braz)
O fascismo conseguiu se difundir rapidamente devido ao apoio dos ex-combatentes, dos trabalhadores desempregados e das elites industriais. (Arte: Renan Braz)


De acordo com o que vemos nos acontecimentos históricos, movimentos autoritários e que ferem os direitos humanos ascendem sempre em momentos de instabilidade. Segundo o professor Francisco Carlos Palomanes Martinho, do Departamento de História da FFLCH-USP, o capitalismo em crise e a falta de perspectivas fazem com que o ovo da serpente se quebre. 

Na Itália não foi diferente. Quando encontrou-se em instabilidade política pós Primeira Guerra Mundial, o movimento autoritário que inspirou outros como o nazismo, na Alemanha, e o franquismo, na Espanha, é fundado por Benito Mussolini, em 23 de março de 1919. O fascismo cresceu em terreno fértil e por um vácuo político, de acordo com o docente.

Para entender melhor a ascensão do movimento fascista e suas consequências no mundo, veja abaixo a conversa com Francisco Martinho:

Serviço de Comunicação Social: Qual era o contexto na Itália para que o fascismo tivesse espaço para se difundir?

Francisco Martinho: A Itália participou da I Guerra Mundial ao lado das forças vencedoras. Entretanto, não obteve vantagens materiais com a participação no conflito. Foi o que os italianos chamaram de “vitória mutilada”. 

A crise econômica pós-guerra desencadeou, quase que imediatamente, uma crise social e de instabilidade política. Foi nesse contexto que o jornalista, ex-membro do Partido Socialista e ex-combatente Benito Mussolini criou, em 1919, os Fasci di Combattimento, organização paramilitar de cunho nacionalista e antiliberal. Dada a situação instável, o ressentimento com relação à participação na guerra e a não obtenção de ganhos cresceram em terreno fértil. 

Podemos dizer que o fascismo, que na década de 1920 se organizou em partido político, teve duas grandes bases originais de formação: os ex-combatentes e os trabalhadores desempregados. 

Aos poucos, o chamado “perigo comunista” fez com que o fascismo obtivesse apoio de elites industriais preocupadas com a desordem social crescente. Originariamente urbano e mesmo anticlerical, o fascismo soube ampliar suas bases para o campo, na medida em que arrefeceu o discurso contra a igreja. Em aliança com o Partido Popular, católico e de base rural, Mussolini ascendeu à chefia do governo em outubro de 1922.

Foi a partir daí que o regime fascista se foi institucionalizando até se transformar em uma ditadura nacionalista, corporativa e de partido único. Pode-se dizer que Mussolini ascende ao poder a partir de um vácuo político criado com o descrédito dos partidos políticos tradicionais que levaram a Itália à situação de crise e desmoralização na cena internacional. E por fim, de um modo geral, o fenômeno fascista nasce em sociedades capitalistas em momentos de desarticulação.
 
Serviço de Comunicação Social: Como podemos analisar as consequências do movimento na atualidade, tendo em vista ações fascistas que se manifestam em diferentes lugares do mundo?

Francisco Martinho: O fascismo ficou na memória. Terminada a II Guerra Mundial com a derrota do Eixo, o sentimento de otimismo quanto ao não retorno de regimes similares era muito grande. Diversos foram os autores que afirmaram ter sido o fascismo um fenômeno passageiro, uma nuvem em uma Europa tendente ao liberalismo e à democracia. 

Os avanços sociais pós-conflito pareciam confirmar as expectativas otimistas. Era coisa do passado. O otimismo era tal que pouco importava a conivência no pós-guerra democrático com antigos fascistas e colaboradores.

O caso mais notório foi o de Maurice Pappon. Advogado formado pela Sorbonne, Pappon participou do colaboracionismo francês durante o regime de Vichy. Como vice-prefeito de Bordéus foi o responsável pelo envio de cerca de 1500 judeus para campos de extermínio. Quando da liberação francesa tornou-se prefeito da Córsega e, a convite do general Charles De Gaulle, foi nomeado chefe de polícia de Paris, ocasião em que ocorreu o massacre a argelinos, muitos deles espancados até a morte e jogados no rio Sena. 

Nos anos 1970, no governo conservador de Valéry Giscard d’Estaing tornou-se ministro do Orçamento. Aqui e acolá os fascistas continuavam vivos, ainda que encobertos, como que protegidos por uma casca. Parecia mesmo que a democracia não corria perigo. No entanto, a partir do desmoronamento do Estado de Bem Estar Social, a memória ganhou vida nova. Jovens que não assistiram ao fascismo foram às ruas com suásticas e cantos de evocação à violência. Desta feita o “outro” não era mais o comunista ou o socialista. Mas não faltavam alvos: comunidades imigrantes, africanas e latino-americanas se tornaram alvo preferencial.

Recentemente, sucessos eleitorais de movimentos fascistas ou protofascistas demonstraram que a ruptura desejada no pós-guerra não foi assim tão completa. Mais uma vez, o capitalismo em crise e a falta de perspectivas fizeram com que o ovo da serpente se quebrasse.

Serviço de Comunicação Social: Qual o risco da banalização do adjetivo "fascista" nos dias de hoje?

Francisco Martinho: Toda banalização é perigosa. O fascismo é um fenômeno específico, de molde nacionalista e mobilizador. Qualquer adjetivação que defina o adversário como fascista sem apreciação mais aprofundada de seus valores e formas de atuação pode ter efeito político imediato. Mas de nada serve para sua compreensão.