O início do século XX registrou uma inusitada metamorfose no horizonte sonoro contemporâneo. Nos grandes centros urbanos o regime de produção e recepção dos sons estava em transição para uma outra ordem associada a novas culturas e sensibilidades sonoras, sem que isso significasse demover completamente as antigas práticas ainda em uso.
A cidade de São Paulo apareceu como um privilegiado laboratório de elaboração cultural deste incrível processo modernizador. A extraordinária miscelânea cultural que ali se estabeleceu, permitiram o aparecimento de um panorama sonoro e musical bastante fragmentado e de múltiplas características.
Essa surpreendente dinâmica cultural em escala metropolitana movimentava as rumorosas ruas centrais da cidade, invadidas cotidianamente pelos gritos e algazarras dos trabalhadores de calçada e os sons de centenas de ambulantes e pregoeiros.
Nelas os ruídos das máquinas modernas disputavam espaço com os relinchos, zurros, mugidos, latidos e cacarejos de centenas de animais. Muitas vezes as vias paulistanas eram ocupadas por dezenas de bandas com seus vibrantes "pa, pa, pa, pum" e "ta, ra, ta, tchim", como identificou Mário de Andrade.
Os animados teatros e os movimentados salões musicais apresentavam todos os tipos de vozes, dicções e gêneros. As taciturnas igrejas católicas ainda mantinham ambiente para práticas musicais permanentes. Os tradicionais pianos e vozes já conviviam com outros tipos de instrumentos, principalmente os violões e os violonistas de várias características e formação.
Toda essa incrível força sonora foi absorvida de diversos modos pelas nascentes indústria fonográfica e radiofônica, que de maneira estonteante captaram, registraram e difundiram esse universo para patamares ainda desconhecidos, mudando definitivamente as sensibilidades e culturas sonoras. Este curso pretende justamente identificar e discutir alguns aspectos desta rica história da cultura sonora, especialmente da cidade de São Paulo, permitindo ao leitor penetrar e escutar um pouco desse passado.