Nascimento de Maria Firmina dos Reis

Autora de obras como "Úrsula" e "A Escrava", Maria Firmina dos Reis é a primeira romancista negra do Brasil

Por
Alice Elias e Pedro Fuini
Data de Publicação

Nascimento de Maria Firmina dos Reis
Segundo Régia Agostinho da Silva, "sua relevância se concentra sobretudo em sua luta contra desigualdades sociais como a escravidão, o machismo e a colonização predatória que o país viveu". (Arte: Alice Elias)

Em 11 de março de 1822, nasceu Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista negra do Brasil. Considerada por muitos críticos e historiadores como precursora do movimento abolicionista no Brasil, é autora de obras como A Escrava, Cantos À Beira-Mar e Úrsula, o primeiro romance antiescravista da literatura brasileira.

Em Úrsula, os personagens escravizados discorrem em primeira pessoa contra a crueldade da escravidão. Antiescravista, Maria Firmina escreveu sobre as desigualdades sociais, a condição de submissão das mulheres no século 19, o machismo, e a violência da colonização em relação aos povos originários. Conversamos com Régia Agostinho da Silva, doutora em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira:

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Maria Firmina dos Reis?

Régia Agostinho da Silva: Maria Firmina dos Reis foi uma escritora brasileira do século 19. Nasceu em 1822 e foi a primeira romancista negra do Brasil. Filha de uma ex-escravizada e de um comerciante branco, Maria Firmina foi alfabetizada pela mãe e passou em concurso público em 1847 para professora de Primeiras Letras na Vila de Guimarães-MA. Firmina escreveu o primeiro romance antiescravista da literatura brasileira, em 1859, Úrsula, construindo em sua narrativa uma história romântica na qual os personagens escravizados ganham destaque e falam em primeira pessoa contra os horrores da escravidão. Maria Firmina dos Reis é considerada por muitos críticos e historiadores como precursora do movimento abolicionista no Brasil.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais obras?

Régia Agostinho da Silva: Sua principal obra, como já falamos, foi o romance antiescravista Úrsula, de 1859, publicou também dois contos: Gupeva, publicado em formato de folhetim,  em (1861) de temática indianista e A Escrava (1887) um texto abolicionista; uma coletânea de poemas intitulada Cantos À Beira-Mar (1871). Publicou textos e poemas em diversos jornais de São Luís-MA da época, tais como: A Verdadeira Marmota, Semanário Maranhense, O Domingo, O País, Pacotilha, O Federalista e outros. Em grande parte de sua obra escolheu falar sobre as desigualdades sociais. Antiescravista, também escreveu contra a condição de submissão das mulheres no século 19, assim como fez uma crítica no folhetim indianista Gupeva sobre a violência da colonização em relação aos povos originários.

Serviço de Comunicação Social: Qual a importância da escritora para a história literária brasileira?

Régia Agostinho da Silva: Maria Firmina dos Reis tem extrema relevância para a história da literatura brasileira, não apenas por ser uma das primeiras mulheres romancistas do Brasil, assim como a primeira romancista negra do país. Sua relevância se concentra sobretudo em sua luta contra desigualdades sociais como a escravidão, o machismo e a colonização predatória que o país viveu. Infelizmente temáticas bastante atuais que ainda reverberam em nossos dias, como o racismo, o machismo, e o preconceito em relação aos povos originários.

Serviço de Comunicação Social: Em sua tese de doutorado, você trata das representações da escravidão e das mulheres no século 19 pela escritora. Você poderia nos contar um pouco sobre essa pesquisa?

Régia Agostinho da Silva: Na tese de doutorado, procurei trabalhar o conceito de representação a partir de Roger Chartier, que ver as representações sociais como parte constituinte e instituinte do real, que estão em disputa com as representações construídas pelas classes dominantes, que visam a hegemonia do real. Ao trabalhar com esse conceito, percebi que Maria Firmina dos Reis construiu em sua ficção uma outra possibilidade de ver o mundo e de lutar contra as desigualdades sociais que ela percebia como mulher negra do século 19. Ao mesmo tempo que, como historiadora, pude ler o mundo maranhense e brasileiro do século 19 através da literatura firminiana, pude perceber como a autora construiu em seus textos possibilidades de lutar contra as representações que se pretendiam hegemônicas das classes dominantes brasileiras do século 19. Ao mesmo tempo que temos, de certa forma, um testemunho da época, de como as mulheres eram subjugadas e como a escravidão era uma instituição opressiva e desumana, pude ler em Firmina possibilidades de mudar essa realidade, mesmo que através da literatura, construindo outros mundos possíveis: sem escravidão e de igualdade entre homens e mulheres.

Régia Agostinho da Silva é mestre em História pela Universidade Federal do Ceará e doutora em História pela FFLCH. Atualmente é professora da Universidade Federal do Maranhão, e atua principalmente nos seguintes temas: História e Literatura, História das mulheres, História e escravidão, Linguagens, Religiosidades e Culturas. Para quem se interessar sobre o tema, sua tese de doutorado está disponível em A escravidão no Maranhão: Maria Firmina dos Reis e as representações sobre escravidão e mulheres no Maranhão na segunda metade do século XIX.