Conferência ECO-92

Como explica o professor Wagner Costa Ribeiro, “a crise do multilateralismo afeta diretamente essa agenda que tem uma dimensão social e que, por isso, carece de apoio financeiro para implementar ações que promovam mais inclusão social”

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Pedro Seno
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“Foi com o atraso de 20 anos que a Rio 92 trouxe o socioambientalismo para a agenda internacional”. [Arte: Pedro Seno]

A Eco-92, também chamada de Rio 92, foi uma conferência internacional das Nações Unidas para discussão de questões ambientais que ocorreu durante as primeiras semanas de junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro, como bem demonstra seu nome. Foram 178 países que se reuniram para tomar decisões sobre medidas relacionadas à degradação ambiental global. Nesse momento, começavam a ficar mais claras as noções de desenvolvimento sustentável. Foram abordados temas como as mudanças climáticas, água e ar, redução do desperdício e transporte alternativo, mas a grande novidade foi a inclusão da dimensão social para o interior desse debate, contando, aliás, com a participação inédita da sociedade civil no evento.

Esta foi a segunda grande conferência para questões climáticas realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a primeira ocorreu no ano de 1972, em Estocolmo, cujos objetivos eram essencialmente os mesmos da Rio 92, ou seja, debater medidas de combate aos problemas ambientais que a humanidade enfrentava e viria a enfrentar. Porém, a conferência de Estocolmo, à época, enfocava a discussão principal na esfera ambiental somente, sem considerar questões sociais, como explica nosso entrevistado, o professor Wagner Costa Ribeiro, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

A consciência ambiental adquirida na segunda metade do século 20 fez surgir a necessidade de conferências deste tipo e, pouco a pouco, a comunidade internacional compreendeu que analisar as consequências da degradação ambiental não era uma pauta somente da sua observação na natureza, mas envolvia igualmente a esfera sociopolítica e, assim, foi com o atraso de 20 anos que a Rio 92 trouxe o socioambientalismo para a agenda internacional. Hoje, muito já foi elaborado em relação às tratativas dessa questão, como por exemplo a redação, estabelecida em 2015 em Paris, dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para o ano de 2030 - os “ODS”. Segundo site oficial da ONU, dentre os ODS’s, não estão somente descritas metas ambientais como as de redução da poluição, gestão hídrica e clima, mas também sociais e de governança, como as diminuições das desigualdades e pobreza, apoio ao trabalho decente, justiça e moderação do consumo, já na linha do que vinha sendo consolidado na década de 90. De todo modo, a Rio 92 não abrangia todas essas frentes como fez o encontro de Paris de 2015, ela teve como mandato aderir a algumas metas que colocavam sobretudo a questão ambiental em foco.

A Eco-92 teve algumas resoluções, a partir das palavras do professor Ribeiro, criou-se a Agenda 21, um importante documento responsável pela organização de soluções para combater os problemas ambientais e sociais até o final do século 20, para que todos os setores da sociedade civil e instituições fossem chamadas à ação para participar, contando cada qual com sua importância e posicionamento no funcionamento do ecossistema global. Com ela, ficava instrumentalizada a noção de planejamento coordenado entre governos, empresas, ONGs e a sociedade civil para enfrentar a questão. Depois, produziu-se mais documentos, a Declaração de Princípios sobre Florestas e a Convenção da Biodiversidade, estes discutiam a conservação e preservação ambientais na tentativa de uma harmonia consensual global de como tratar os recursos naturais com o importante reconhecimento das comunidades tradicionais no processo. Segundo o portal de notícias UOL, também houve a Declaração sobre Desenvolvimento Sustentável no Rio e mais duas Convenções, uma sobre desertificação e outra sobre o clima.

A relevância de eventos como as do chamado ciclo de conferências da ONU tem a ver com a criação de uma agenda internacional que, mesmo limitada, discute “o acesso às condições mais adequadas de reprodução da vida, envolvendo temas socioambientais, mas, também, populacionais e de direito à cidade, em especial da população de países de renda baixa e média baixa”, como bem explicou o professor Wagner. Um dos desafios para que esse tipo de conferência gere resultados efetivos na sociedade reside na crise do multilateralismo, isto é, as grandes diferenças entre as sociedades do mundo, seja interna ou externamente, pois além de possuir um caráter de apoio global, essa agenda possui a dimensão social. Existe, portanto, uma carência “de apoio financeiro para implementar ações que promovam mais inclusão social, em especial por meio de uma transição justa baseada na justiça ambiental”. Disponibilizamos a entrevista do professor Wagner Costa Ribeiro na íntegra para acesso, logo abaixo.

Serviço de Comunicação Social: O que foi a ECO-92 (ou Rio 92) e qual seu contexto de surgimento?

Wagner Costa Ribeiro: Foi a segunda conferência da ONU para tratar das questões ambientais realizada pela ONU. Teve como mandato: 1. definir a Agenda 21, uma série de ações para enfrentar os problemas ambientais até o final do século 20; 2. discutir a conservação da natureza, o que definiu dois documentos, a Declaração de Florestas, um compromisso genérico de conservação ambiental, e a Convenção da Biodiversidade, que procurou regular o acesso à biodiversidade, mas que garantiu também o reconhecimento das comunidades tradicionais no processo; 3. tratar das mudanças climáticas, que foi definida com uma Convenção sobre o tema. Também foi a primeira conferência da ONU que admitiu a participação da sociedade civil, um marco nas reuniões da ONU. Em paralelo, foi realizado o Fórum Global, organizado pela sociedade civil e movimentos sociais, prática que se mantém. O conceito de desenvolvimento sustentável foi uma das premissas na época, mas a maior relevância foi trazer ao debate a dimensão social. Até então, as discussões ambientais, de modo geral, não consideravam as questões sociais. A partir da Rio 92 o socioambientalismo ingressou na agenda internacional.

Serviço de Comunicação Social: Qual a importância de conferências internacionais, como a Rio 92, para discutir a pauta ambiental e de desenvolvimento sustentável, e que dificuldades elas enfrentam?

Wagner Costa Ribeiro: O chamado ciclo das grandes conferências da ONU foi muito importante porque trouxe para a arena pública internacional uma agenda que, dentro de limites, procurou discutir o acesso às condições mais adequadas de reprodução da vida, envolvendo temas socioambientais, mas, também, populacionais e de direito à cidade, em especial da população de países de renda baixa e média baixa. A crise do multilateralismo afeta diretamente essa agenda que tem uma dimensão social e que, por isso, carece de apoio financeiro para implementar ações que promovam mais inclusão social, em especial por meio de uma transição justa baseada na justiça ambiental.


Wagner Costa Ribeiro é Professor Titular do Departamento de Geografia, do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. Seus principais temas de pesquisa são: políticas públicas ambientais, relações internacionais e meio ambiente, gestão dos recursos hídricos, ordem ambiental internacional e cidade e meio ambiente.