Narração de jogos colabora para a construção do futebol como mercadoria

Pesquisa da USP analisou dois jogos simbólicos para a seleção brasileira e argentina e mostrou como os narradores influenciam no consumo do futebol

Por
Thais Morimoto
Data de Publicação

Seleção brasileira de futebol após perder para a seleção alemã
Seleção brasileira depois de perder para a seleção alemã na Copa do Mundo de 2014. Imagem: Marcello Casal jr/Agência Brasil

Nove anos se passaram e ainda é doloroso relembrar a derrota histórica que a seleção brasileira sofreu contra a Alemanha na Copa do Mundo de 2014, o 7 a 1. O momento triste para muitos brasileiros originou um doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. 

Martín Ernesto Russo analisou a narração feita em dois jogos: o do Brasil contra a Alemanha em 2014 e o da Argentina em 2016, que marcou a derrota do país para a seleção chilena na final da Copa América. Para o estudo intitulado A voz do narrador de futebol na construção das seleções nacionais como mercadorias não corpóreas no Brasil e na Argentina, o pesquisador escolheu, respectivamente, as narrações de Galvão Bueno e de Gustavo Kuffner.

Com o estudo, o pesquisador percebeu como as seleções nacionais de futebol são mercadorias consumíveis, mas destaca: “não é consumível como um sorvete, um computador ou uma criptomoeda, por exemplo. Uma seleção nacional de futebol é um bem simbólico. Mas de toda forma pode ser consumível”. As pessoas que assistiram ao jogo conversam com outros sobre a partida e utilizam as frases que foram faladas durante a narração, consumindo a seleção nacional por meio de enunciados. O processo é ainda maior nos jogos escolhidos pelo pesquisador, pois foram transmitidos em TV aberta por terem maior alcance.

O papel do narrador

Em jogos de futebol, os narradores possuem o papel essencial de contar cada passo dos jogadores com a entonação adequada ao momento e são responsáveis em parte por tornar o esporte um bem consumível, de acordo com Martín. Os narradores não possuem tempo para pensar e produzem as falas de modo quase espontâneo, soltando expressões muitas vezes sem a intenção de que fiquem marcadas.

Foto de perfil do Martín Ernesto Russo
Martín Ernesto Russo. Imagem: Linkedin

Narradores com maior prestígio possuem ainda maior influência em tornar o futebol uma mercadoria consumível. De acordo com Martín, quem repete as palavras do Galvão Bueno vai se sentir mais amparado do que quem repete as palavras de outro narrador menos reconhecido. “Galvão Bueno é uma pessoa em que você confia no que está produzindo. Ele conta o que está acontecendo no jogo com suporte para [quem ouvir] poder reproduzir o que ele falou”.

No caso dos jogos de futebol, Martín ainda percebeu a importância da memória identitária. Segundo o pesquisador, ela é o conjunto de ideias que são enunciadas que passam a ser reconhecidas dentro de uma comunidade. No futebol argentino ou brasileiro, há uma série de elementos que estão marcados na memória e formam a identidade das seleções. Muitos desses elementos são criados e rememorados pelos narradores.