Publicação de "O Apanhador no Campo de Centeio"

Clássico da literatura norte-americana, “O Apanhador no Campo de Centeio” mostra um adolescente em busca de seu lugar no mundo

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
Data de Publicação

“É uma história sobre a perda da inocência do jovem ao se deparar com o mundo adulto e tudo que é exigido dele para se encaixar na sociedade”, segundo Sávio Augusto Lopes da Silva Junior. [Arte: Gabriela Ferrari Toquetti]

No recesso de fim de ano, Holden Caulfield foi expulso de sua escola. Agora, passa a vagar sem rumo por Nova York, onde se depara com encontros inesperados, algumas brigas e todo o caos da vida de um adolescente procurando seu lugar no mundo. Esse é o enredo de O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, publicado em 16 de julho de 1951. Se a história parece simples, é porque de fato é - o livro narra um único fim de semana na vida de Holden. Mas não se deixe enganar pela simplicidade: J. D. Salinger escreveu um dos grandes clássicos da literatura contemporânea norte-americana.

A narração em primeira pessoa é essencial para a obra. Holden descreve os acontecimentos de seu fim de semana de forma descontraída, sincera e informal. É justamente por isso que o livro se tornou um sucesso entre os jovens e, consequentemente, entre o público em geral. O protagonista não quer se adequar ao mundo e o critica, muitas vezes com uma postura sarcástica e debochada. Ele é rebelde, questionador e condena aquilo que não é autêntico - tudo isso com uma linguagem juvenil e cheia de gírias, gerando identificação com o público jovem.

O contexto dos anos 1950 e a relação da juventude com esse período também são pontos importantes na narrativa. A fuga ao núcleo familiar - como a de Holden, que perambulou por Nova York em vez de voltar à casa de seus pais - é também uma fuga ao American Way of Life, consolidado depois da Segunda Guerra Mundial. Nesse cenário, os jovens queriam desenvolver sua própria visão de mundo - o que levou aos movimentos de contracultura nos anos 1960.

O Apanhador no Campo de Centeio, apesar de relatar acontecimentos quase banais na vida de um adolescente, é um livro muito denso, escrito por J. D. Salinger em acampamentos de soldados na Segunda Guerra Mundial. Essa profundidade é refletida na complexidade psicológica de Holden: “Ele se encontra em luto pelo seu irmão, tem dificuldade em se adequar à escola e ambientes sociais, e não se vê mantendo o padrão de sucesso de seu pai. Por muitos anos, a crítica literária focava em observar as patologias psicológicas apresentadas pelo jovem, mas ao observar os elementos sócio-históricos presente no romance, do jovem que busca a libertação de um padrão de vida imposto, encontram-se elementos que remetem ao conflito e à insatisfação de Salinger diante da guerra”, explica Sávio Augusto Lopes da Silva Junior, doutor em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Em linhas gerais, quais as temáticas abordadas em O Apanhador no Campo de Centeio? Qual é a importância da obra para a literatura?

Sávio Augusto Lopes da Silva Junior: O Apanhador no Campo de Centeio narra a busca do narrador Holden Caulfield por seu lugar no mundo, visto que ele se encontra em um espaço intermediário entre abandonar e permanecer em meio às instituições que o criaram (família, escola, amigos). No momento da narrativa, que acontece em 1951, Caulfield lida com a morte de seu irmão mais velho, por quem tinha muita admiração. É uma história sobre a perda da inocência do jovem ao se deparar com o mundo adulto e tudo que é exigido dele para se encaixar na sociedade. Diante disso, Caulfield descreve o que vê ao seu redor de forma crua, sincera e juvenil. E é exatamente nisso que consiste a importância da obra.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o período pós-segunda guerra mudou a forma como os jovens viam o mundo, que começaram a ter opiniões e visões de mundo próprias. Até então, no estilo de vida Estadunidense, o jovem era apenas parte do núcleo familiar e, por isso, compartilhava daquele estilo de vida e pensar. Por isso, não é à toa que o romance de Salinger se tornou tão popular entre jovens, inclusive os que aderiram aos movimentos de contracultura dos anos 1960, pois o seu narrador não demonstra interesse em se adequar ao mundo que o criou, não deseja seguir a carreira em advocacia de seu pai, mas se agarra a memórias de sua infância e demonstra sua admiração por sua irmã mais nova Phoebe Caulfield, segundo ele, ainda não corrompida pelo mundo adulto.

Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita de J. D. Salinger em O Apanhador no Campo de Centeio?

Sávio Augusto Lopes da Silva Junior: A linguagem juvenil com a qual Holden Caulfield narra a sua história é um elemento marcante nesse romance. O jovem descreve o mundo usando gírias de sua época e expressões que se tornaram marcas de sua identidade rebelde. Por exemplo, ao se referir a tudo aquilo que o desagrada por não ser autêntico ou interessante, Caulfield usa o adjetivo phony ("falso"). Como mencionado antes, sua postura e linguagem são marcas de uma juventude descontente com o modo de vida das instituições que o formaram e das quais faz parte. Esse é também um dos motivos de o livro ter conquistado uma massa de jovens leitores.

Caulfield é também um narrador não-convencional e não-confiável. Ele debocha de pessoas mais velhas, de si mesmo, e até mesmo do próprio leitor. Ele frequentemente assume não se lembrar exatamente como os fatos relatados aconteceram, as vezes por estar nervoso ou alterado, ou porque não quer demonstrar o seu lado mais fragil e infantil, principalmente ao falar sobre sexo. Nesse sentido, ao narrar sua formação como indivíduo, o jovem admite que tem um ponto de vista subjetivo.

Em minha tese, de título Dropout Boogie, na qual estudei O Apanhador no Campo de Centeio e o romance contemporâneo de Jack Kerouac, On the Road, percebi que ambos romances apresentam uma forma narrativa que oscila entre a partida e o regresso. Isso significa que seus narradores demonstram um anseio por abandonar seus ambientes conservadores e confortáveis de classe média, do qual criticam, mas a fuga nunca é totalmente concretizada, pois retornam sempre ao núcleo familiar. Acredito que essas narrativas concretizam a experiência do jovem buscando formas de vida alternativas ao American Way of Life, hegemônico após a Segunda Guerra Mundial, em uma jornada que não é bem sucedida, muito devido às suas posições privilegiadas no centro do capitalismo, as quais são difíceis de abandonar. No caso de Caulfield, ele sofre um colapso nervoso e é internado em uma clínica, o ponto final de seus três dias após fugir da escola.

Serviço de Comunicação Social: Como uma narrativa tão "simples", que relata acontecimentos quase banais na vida de um adolescente, tornou-se um grande marco na Literatura?

Sávio Augusto Lopes da Silva Junior: É interessante pensar que uma narrativa de fato simples e contendo acontecimentos banais na vida de um adolescente tenha sido escrita, em sua maior parte, enquanto J.D. Salinger estava em acampamentos de soldados durante a Segunda Guerra Mundial. Um dos motivos que levaram o romance a se tornar um marco da Literatura é a sua densidade e as muitas camadas existentes na história do jovem. Ele se encontra em luto pelo seu irmão, tem dificuldade em se adequar à escola e ambientes sociais, e não se vê mantendo o padrão de sucesso de seu pai. Por muitos anos, a crítica literária focava em observar as patologias psicológicas apresentadas pelo jovem, mas ao observar os elementos sócio-históricos presente no romance, do jovem que busca a libertação de um padrão de vida imposto, encontram-se elementos que remetem ao conflito e à insatisfação de Salinger diante da guerra.

O livro foi inicialmente publicado em séries pelo popular jornal The New York Times, o que ajudou com que circulasse mesmo antes de sua publicação. A já mencionada identificação da camada jovem da sociedade também foi um fator que o tornou popular e a movimentação desses jovens nas décadas seguintes nos Estados Unidos, entre os anos 1960 e 1970, ao se opor à Guerra do Vietnã e lutar por direitos civis, também fez com que essa narrativa estivesse vinculada à questões maiores do que os dilemas do jovem Caulfield.

Além disso, o escritor J.D. Salinger passou muitos anos recluso da vida pública, não deu muitas entrevistas, e se recusava a falar sobre o seu livro. Isso ajudou a construir uma identidade enigmática atrelada ao autor e seu mais famoso narrador. O livro também esteve relacionado a muitas outras polêmicas, foi banido em escolas diversas vezes por conter linguagem imprópria e foi citado como inspiração entre assassinos, tal qual o que tirou a vida do ex-Beatle John Lennon. Seu sucesso se deve, portanto, a uma combinação entre publicidade não-convencional e o fato de concretizar uma experiência histórica.

Sávio Augusto Lopes da Silva Junior é doutor em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela FFLCH-USP. Atuou como Professor Credenciado na Universidade Federal de Ouro Preto no campo da Língua Inglesa. Dedica-se a estudos da Literatura Norte-Americana, principalmente romances relacionados à Geração Beat e a contracultura. Em 2016, a editora Novas Edições Acadêmicas publicou seu estudo Contracultura e Contramemória na Literatura Beat.