Nascimento de Ignácio de Loyola Brandão

Autor de “Zero” e “Não Verás País Nenhum”, Loyola Brandão discute assuntos importantes, como a repressão da ditadura militar

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
Data de Publicação

“A escrita do autor se caracteriza especialmente pela utilização do absurdo e do fantástico como modo de construir uma visão crítica de diferentes aspectos da realidade”, explica Kleber Pereira dos Santos.

Em 31 de julho de 1936, nasceu Ignácio de Loyola Brandão, jornalista, autor de romances e contos e membro da Academia Brasileira de Letras. Ao longo de sua carreira, tem explorado diversos temas essenciais aos contextos em que vive, desde questões ambientais - em obras como Manifesto Verde, que foi pioneira no assunto - até críticas ao regime opressor da ditadura militar. Seu livro Zero, que aborda a perspectiva do autor diante da censura governamental depois do golpe, chegou a ser proibido na época.

No início, suas obras eram marcadas por toques de realidade e até mesmo pelo estilo jornalístico. Depois, Loyola Brandão passou a explorar o fantástico, o absurdo e o insólito, muitas vezes em forma de críticas àquilo que observa no mundo real. Em suas próprias palavras, “a realidade será sempre mais absurda que o próprio absurdo”.

Sua produção literária é vasta e bastante variada; o autor também escreveu crônicas e obras infantojuvenis. Pela importância de seu trabalho, recebeu prêmios importantes como o Jabuti e o Prêmio Machado de Assis. “A obra de Loyola Brandão exerceu um papel significativo no esforço de resistência ao regime sociopolítico opressor instaurado a partir de 1964 que marcou a literatura brasileira dos anos 1970”, segundo Kleber Pereira dos Santos, doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem é Ignácio de Loyola Brandão, para os leitores que ainda não o conhecem?

Kleber Pereira dos Santos: Ignácio de Loyola Brandão é um contista, romancista e jornalista brasileiro nascido em Araraquara, São Paulo, em 31 de julho de 1936. Membro da Academia Brasileira de Letras, possui uma vasta produção literária, tendo textos traduzidos em diversas línguas. Iniciou sua carreira em 1965, com o volume de contos Depois do Sol. Durante sua trajetória, recebeu vários prêmios, incluindo o Jabuti em 2008 e o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, entregue pela ABL em 2016. Destacam-se em sua obra os romances Zero (1975) e Não Verás País Nenhum (1981). Suas obras mais recentes são Desta Terra Nada Vai Sobrar, A Não Ser O Vento Que Sopra Sobre Ela, de 2018, e Deus, O Que Quer De Nós?, de 2022.

Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita do autor?

Kleber Pereira dos Santos: A escrita do autor se caracteriza especialmente pela utilização do absurdo e do fantástico como modo de construir uma visão crítica de diferentes aspectos da realidade. Se, em suas primeiras obras literárias, o autor se caracterizava pelo emprego de um registro realista, quase jornalístico, como forma de denunciar mazelas da vida urbana, em contos e romances posteriores ele parte para a exploração do fantástico em registro alegórico. Em parte, essa opção se explica por um cenário em que a abordagem crítica direta da realidade nacional se tornou arriscada, devido à existência de um regime político opressor (décadas de 1960 até meados dos anos 1980). Contudo, também pode ser explicada por um projeto estético que dialoga com correntes da literatura moderna e pós-moderna, representadas por obras de autores como Kafka e John Dos Passos, adotando, além do insólito, a fragmentação e a multiplicidade de pontos de vistas como alternativas (em Zero, por exemplo, são incorporados na narrativa trechos de notícias, relatos de tortura, slogans publicitários, estatísticas, desenhos, narrações de transmissões televisivas etc.) para tentar dar conta ficcionalmente de uma realidade complexa, sem abandonar um tom coloquial e, por vezes, cômico, que afasta sua produção da aura hermética de parte da arte de vanguarda, mantendo-a acessível para o público leitor em geral. Essa produção, no entanto, é multifacetada. Ele também é reconhecido por produções de crônicas e literatura infantojuvenil, assim como por obras de teor autobiográfico como Veia Bailarina (1997), em que tais aspectos não se aplicam essencialmente.

Serviço de Comunicação Social: Quais são suas principais contribuições para a Literatura?

Kleber Pereira dos Santos: A obra de Loyola Brandão exerceu um papel significativo no esforço de resistência ao regime sociopolítico opressor instaurado a partir de 1964 que marcou a literatura brasileira dos anos 1970. Seu romance Zero, que, ironicamente, teve sua concepção intimamente ligada à observação do autor da ação da censura governamental em órgãos da imprensa, chegou a ser proibido pelo Regime Militar, inclusive. Seu uso do fantástico e da construção de universos distópicos e/ou de situações absurdas, como no romance Não Verás País Nenhum e em contos como O Homem Cuja Orelha Cresceu e O Homem Do Furo Na Mão, foi uma das mais significativas incursões na seara da ficção científica em letras nacionais. Outro aspecto que pode ser destacado é o pioneirismo do autor no Brasil ao tratar de questões ambientais, muito antes de se tornar um tema de grande preocupação coletiva, como em Manifesto Verde (1985) e na obra infantojuvenil O Homem Que Espalhou O Deserto (1989). Como cronista, suas contribuições para veículos como Estado de São Paulo também podem ser destacadas como importantes intervenções em debates públicos diversos.

Kleber Pereira dos Santos é doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP. Editor de materiais didáticos.