Inundações recorrentes diminuem qualidade de vida urbana dos moradores de Franco da Rocha

A partir dos indicadores de qualidade ambiental, educação e índice socioeconômico, pesquisa da USP analisou quais problemas afetam o bem-estar dos habitantes

Por
Lívia Lemos
Data de Publicação

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Imagem retirada do site da Prefeitura de Franco da Rocha. Autor: Orlando Junior

Acordar cedo, trocar de roupa e sair de casa para a aula da faculdade, mas no meio do trajeto ser impedido de chegar até o seu destino por causa de inundações na avenida principal. Durante a graduação na USP, esse foi o principal problema que atrapalhava Thiago Joca, ex-estudante de Geografia, de se deslocar de Franco da Rocha, sua cidade natal, até São Paulo, onde fica a unidade.

Os relatos de Thiago sobre o motivo de não comparecer às aulas levou Felipe André Dias, ex-colega de curso, a investigar qual é o índice de qualidade de vida urbana dos moradores de Franco da Rocha. Em sua dissertação de mestrado, o pesquisador concluiu que, de todos os indicadores analisados, as inundações são as responsáveis por diminuir o índice: “Em números, a qualidade de vida de Franco da Rocha é de 0,7, sendo 0 para pior e 1 para melhor. Quando analisamos a questão das enchentes, vemos que elas puxam o índice para baixo”.

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Devido a pandemia, que atrasou o censo do IBGE de 2020, uma das dificuldades do pesquisador foi obter dados atualizados da cidade [Imagem: Arquivo Pessoal]

Felipe define qualidade de vida como “o que a cidade oferece para a manutenção das necessidades básicas da vida do ser humano”. Para seu estudo, o pesquisador analisou apenas dados objetivos a partir de três indicadores: qualidade ambiental, educação e índice socioeconômico. “A maioria dos geógrafos, quando vão estudar o conceito, constatam esses indicadores como os mais importantes para mensurarmos a qualidade de vida”.

O primeiro indicador, qualidade ambiental, analisou: o saneamento básico da cidade; o fornecimento de energia elétrica; as áreas vegetadas espalhadas pelo município e a questão das inundações e enchentes. De todos, as enchentes são a principal problemática natural que afeta o município. O segundo indicador, educação, revelou que não há uma alfabetização plena das crianças e nem boa escolarização dos responsáveis. O último indicador, socioeconômico, mostrou que há uma grande desigualdade salarial entre os habitantes.

Felipe destaca que, se não fosse pelas enchentes, a qualidade de vida dos moradores de Franco da Rocha seria classificada como boa. “Mas considerando elas, a qualidade de vida da cidade é de média para baixo”. O pesquisador ressalta que esse valor médio é encontrado apenas no centro da cidade. Conforme se distancia para os bairros periféricos, a qualidade de vida diminui, uma vez que, além das enchentes, há uma falta de serviços essenciais, concentrados, em sua maioria, no centro urbano.

Motivo das enchentes

A cidade de Franco da Rocha está situada no curso do Rio Juqueri, principal rio do município e causador das maiorias das enchentes: “A vazão média do rio é de aproximadamente 4,3 metros cúbicos de água por segundo, mas na época de verão, a vazão sobe para 20 metros cúbicos por segundo. O leito do rio não comporta esse volume de água e por isso temos constantes alagamentos no centro urbano”. 

Apesar do rio alagar o centro da cidade, Felipe pontua que, ainda que de forma indireta, todos os habitantes são afetados pelas enchentes: “Mesmo que a pessoa more em um dos bairros periféricos, para sair de Franco da Rocha, ela precisa passar pelo centro. Ele exerce uma forte influência sobre a organização da cidade”.

História de Franco da Rocha

Para entender os problemas que acometem Franco da Rocha, Felipe pesquisou sobre a história do município. “Não podemos pensar no espaço hoje se não entendermos como ele foi construído. E a construção da cidade Franco da Rocha parte de dois fixos: o Hospital Psiquiátrico e a estação ferroviária de Juquery”, explica o geógrafo. A história de Franco da Rocha tem grande relação com a elite de São Paulo.

No século 19, a elite paulistana exigiu a construção do Manicômio de São Paulo no centro da cidade para abrigar qualquer tipo de pessoa que fosse considerada diferente: “Eles não queriam se misturar com pessoas que fossem diferentes culturalmente e houve um processo de higienização social. Muitas delas nem possuíam deficiência mental, às vezes pertenciam a outra classe social, eram homossexuais ou mulheres com depressão pós-parto”.

Com o passar do tempo, o Manicômio de São Paulo ficou pequeno para internar novos pacientes e o Dr. Francisco Franco da Rocha foi designado a abrir um novo hospital psiquiátrico: “Ele escolheu o local que hoje carrega o nome dele porque, além de ter a estação ferroviária Juquery, que conectava as cidades, o local também tinha recursos naturais, como água, e terra disponíveis”.

O Hospital Psiquiátrico Juquery foi inaugurado em 1898 e, além dos novos pacientes, o local passou a receber também os familiares: “Eles não queriam ficar distantes de seus parentes e começaram a construir casas ao redor do hospital. A partir daí, Franco da Rocha surge da segregação e até hoje é uma cidade segregada”.

A segregação também explica a falta de oferta de empregos na cidade. A maioria dos habitantes de Franco da Rocha trabalham na cidade de São Paulo e só voltam para o município apenas para dormir. “Franco da Rocha é também uma cidade-dormitório. Acontece que tivemos muitas periferias se desenvolvendo, só que a escola ou o emprego ainda não chegaram na região, porque a periferia se desenvolve muito mais rápido do que a velocidade da infraestrutura”, explica o pesquisador.

Importância do índice

O índice de qualidade de vida é um instrumento da geografia importante não só para avaliar o bem-estar da população, mas também para implementar novas políticas públicas no espaço: “Se eu analiso o espaço e descubro que as inundações são o problema, não irei investir dinheiro em outras áreas. Vou resolver o problema das inundações para melhorar a qualidade de vida das pessoas. A população será a beneficiada”.

Durante sua pesquisa de campo, que começou em 2018, Felipe destaca que presenciou a prefeitura da cidade realizando obras no Rio Juqueri para conter as enchentes: “Eles fazem constantemente obras, mas é necessário um esforço mútuo”. Esse esforço, de acordo com o geógrafo, não é apenas da cidade, mas do estado como um todo. “Se o problema está vindo da vazão da represa, é necessário investir em obras talvez no Sistema Cantareira. O estado precisa ajudar, pois o município não dá conta sozinho”.

Além de auxiliar o governo a olhar para a realidade do município, o índice é uma forma da população conhecer quais problemas acometem sua cidade e cobrar por melhorias.