Processos de paz fortalecem ocupação israelense em territórios palestinos

Pesquisa da FFLCH analisou os auxílios financeiros que promovem reformas neoliberais na região da palestina desde os anos 1990 

Por
Paulo Andrade
Data de Publicação

Nos anos 1990, israelenses e palestinos promoveram os chamados “processos de paz”: uma tentativa de promover desenvolvimento e autonomia nos territórios palestinos ocupados por Israel. Entretanto, a iniciativa resultou em uma realidade ainda mais precária para os palestinos e um controle maior dos israelenses. O assunto foi tema de um mestrado realizado na FFLCH, que estudou o aumento do auxílio financeiro e as principais transformações nos territórios palestinos ocupados. 

De acordo com o autor, Iago Checo Rondello, agências e instituições externas passaram a investir grandes quantias em projetos visando o desenvolvimento da região. Ele aponta o Banco Mundial como principal agente nesse financiamento: “Fez os primeiros (e principais) estudos sobre o tema, estabelecendo as diretrizes que os projetos deveriam seguir, e também foi central na coordenação entre os doadores, arrecadação, criação de projetos, implementação, etc”.

“Processos de paz”

Os auxílios financeiros na região da palestina tiveram início em 1993 por Israel e pela Organização para Libertação da Palestina (OLP), e visavam realocar os palestinos na região ocupada e criar uma autoridade palestina para organizar a vida civil nos territórios.

Rondello avalia que pontos fundamentais não foram abordados na ocasião, como a situação dos refugiados palestinos mundo afora e o avanço de assentamentos judaicos em territórios palestinos, que se mantém até hoje. 

“É por esse motivo que se fortaleceu, nas últimas décadas, uma leitura sobre os acordos de paz como um mecanismo para transformar o controle israelense – que é um controle colonial –, mas não como um acordo verdadeiramente voltado à descolonização da Palestina”, explica.

Projetos neoliberais

A análise documental feita por Rondello, a partir de relatórios, projetos e estudos do Banco Mundial, revelou que os “processos de paz” implementaram iniciativas tipicamente neoliberais sem que as estruturas de ocupação fossem desmontadas. 

“Fica evidente nos documentos a prescrição de uma economia absolutamente centrada no setor privado, com total prioridade à produção para exportação e fortemente financeirizada – esse seria o caminho para desenvolver os territórios ocupados, na visão do Banco Mundial”. 

As consequências negativas de tais medidas são marcantes, de acordo com o pesquisador: “O foco no setor privado permitiu a ascensão de uma pequena elite econômica palestina, mas não levou a níveis significativos de crescimento, distribuição ou redução do desemprego. A expansão dos serviços financeiros levou a um aumento no endividamento palestino. E a priorização de exportações manteve as principais atividades econômicas palestinas reféns do controle israelense, uma vez que Israel manteve o domínio sobre fronteiras, podendo paralisar o fluxo de mercadorias a qualquer momento”. 

Para o pesquisador, atividades voltadas para o mercado interno poderiam desenvolver uma autossuficiência palestina em relação às estruturas da ocupação mantida por Israel.

Nesse ponto está a principal conclusão da pesquisa: as transformações neoliberais, dentro do contexto de colonização instalado, enfraquecem as condições de resistência das populações palestinas. 

Para o pesquisador, atualmente, a situação socioeconômica dos palestinos é ainda mais precária do que no início dos anos 1990, enquanto o domínio de Israel é mais forte. “De forma crucial, a busca por desenvolver os territórios palestinos ‘normaliza’ a situação de ocupação colonial, fortalecendo a ilusão de que seria possível obter desenvolvimento socioeconômico sem que o arranjo colonial israelense seja desmantelado”. 

Rondello esclarece que o neoliberalismo é o padrão de organização socioeconômica no mundo atual (e também no Brasil). “A política atual de expansão indiscriminada do agronegócio e seus efeitos para a vida de povos originários talvez seja o principal exemplo, mas existem muitos outros. A ideia do trabalho foi observar o neoliberalismo em sua articulação com dinâmicas coloniais, e certamente o exercício é válido para nossa realidade”.

A dissertação Neoliberalismo colonial na Palestina ocupada: a assistência financeira internacional no contexto dos "processos de paz", orientada pelo professor Jean François Germain Tible, foi defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da FFLCH USP, em janeiro de 2021.