Literatura latino-americana aponta coletividade como possível solução para enfrentar crises modernas

Pesquisa da USP revela que obras literárias da América Latina apresentam resoluções de conflitos semelhantes, principalmente devido à influência do colonialismo no continente
Por
Gabriela César
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Arte: Gabriela César / Serviço de Comunicação da FFLCH

A partir das relações humanas retratadas na literatura latino-americana contemporânea, é possível identificar soluções para catástrofes modernas, especialmente a coletividade como saída. Esse foi o resultado da tese vencedora na área de Letras, Linguística e Artes do Prêmio Tese Destaque USP deste ano, da pesquisadora Ellen Maria Martins de Vasconcellos.

A autora descreve as catástrofes como crises que afligem a modernidade e podem ser de diferentes esferas, tal qual a pandemia de Covid-19 - uma catástrofe sanitária, por exemplo. Para Ellen, em decorrência dos avanços tecnológicos, o conceito de catástrofe moderna surge como resultado da ação do homem. “O século 20 foi o de maior produção literária sobre o fim do mundo e outras catástrofes por causas diversas, incluindo a máquina (tecnologia) – que assume, muitas vezes, esse papel de agente do mal, indômito e imprevisível”, destaca.

O doutorado Sobreviver nas catástrofes: uma análise literária contemporânea, analisou sete obras de países latino-americanos e buscou compreender como os livros abordam as catástrofes atuais, demonstrando quais são as formas de sobrevivência dos narradores. Ellen concluiu que “não existe solução individual” para os problemas modernos; é preciso pensar coletivamente para solucioná-los.

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Ellen é formada em Letras Português-Espanhol pela FFLCH e, atualmente, leciona na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Imagem: Rafael Dourador / Serviço de Comunicação da FFLCH

União como resposta

A pesquisadora dividiu sua tese em três fases: obras contemporâneas ambientadas antes, durante e depois de catástrofes. No desenvolvimento de seu doutorado, Ellen foi além da crítica literária e utilizou conceitos de outras áreas do conhecimento, como filosofia e química. “Para sobreviver às catástrofes contemporâneas, teremos que fundir conhecimentos. Isso porque a literatura não é autônoma completamente ou apartada da sociedade, ela está ligada à vida”, afirma.

A primeira parte da tese foi a de livros com catástrofes em curso. Nela, Ellen trabalhou com três romances insólitos - obras que partem de um realismo, mas também apresentam características irreais, como rituais ou magia. Um exemplo disso é a obra Los días de la peste, do autor boliviano Edmundo Paz Soldán, que narra a disseminação de uma doença em uma cadeia. Segundo Ellen, o livro já se inicia com o alastramento da peste, e os personagens estão totalmente inseridos na crise sanitária, recorrendo a meios imaginários para solucioná-la.

A partir dessa obra e das outras duas analisadas, a pesquisadora acredita que a solução comum encontrada foi ouvir o outro, seja na forma de diálogo, nos sonhos ou até mesmo no mundo virtual. Ellen ressalta: “A solução sempre vai ser coletiva. Em todos esses romances foi provado isso”.

Já na segunda parte, a autora buscou identificar dois romances que se encontram diante da iminência de uma catástrofe e, para isso, recorreu a obras realistas. Nas literaturas em questão, Ellen compara a história de dois homens brancos em megalópoles, que se veem sensibilizados por imigrantes em situação de vulnerabilidade. Por mais que os personagens saibam o que está acontecendo, não são eles que sofrem com a realidade e, por isso, estão antes da catástrofe.

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No livro El Gusano, de Luis Carlos Barragán, uma das obras analisadas por Ellen, os personagens se fundem uns aos outros para fugir de um cerco militar. Imagem: Editora Holobionte

Mais uma vez, nestes livros, Ellen chega a esse lugar de “compreensão entre as pessoas” como saída para as crises modernas. “A reinvenção de si na catástrofe, promove um olhar para com a comunidade, e compele uma responsabilidade e um dever perante o outro”, destaca.

Na terceira e última parte, Ellen investigou duas obras de ficção científica latino-americanas e buscou entender como essa população encontra soluções após uma catástrofe. Ainda que os dois livros analisados por ela retratem futuros distópicos, a autora afirma que “se a gente não consegue, com as nossas armas reais, pensar numa solução positiva que não seja distópica, então talvez tenhamos que fazer esse movimento coletivo: vai ter que ouvir o outro, vai ter que jogar com o outro". Assim, novamente Ellen chega à conclusão de que a solução para as crises - até mesmo as futuras - está na união.

A pesquisadora finaliza destacando que as catástrofes latino-americanas compartilham, como semelhança, a solução baseada na coletividade porque todos esses povos sofreram com o colonialismo e atravessam o neocolonialismo e, portanto, têm passados e presentes similares. Além disso, Ellen acredita que as soluções também se aproximam em razão do modo de vida coletivo dos povos indígenas, que são ancestrais comuns aos países da América Latina.

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A tese de doutorado Sobreviver nas catástrofes: uma análise literária contemporânea de Ellen de Vasconcellos e orientada por Pablo Fernando Gasparini, foi defendida em agosto de 2024 no Programa de Pós-Graduação em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana. A pesquisa foi vencedora na área de Letras, Linguística e Artes do Prêmio Tese Destaque USP de 2025.