No dia 5 de novembro, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP realizou o Círculo de Memória e Pesquisa: trajetórias, afetos e saberes de pós-docs negr@s, evento que reuniu pesquisadores de diferentes áreas para refletir sobre suas trajetórias pessoais e acadêmicas, conectando-as a memórias e afetos que inspiram o fazer científico.
A atividade nasceu do cruzamento de dois projetos: o pós-doutorado de Jozanes Assunção, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH, que analisa a representatividade de pesquisadores negros na Universidade Federal do Mato Grosso, e o projeto Presença e Memória Negra na FFLCH: Para Além de Novembro, coordenado pela vice-diretora da Faculdade, Silvana Nascimento.
A mesa foi mediada pela professora Maria Angélica Souza Ribeiro, pesquisadora do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos (Diversitas) da FFLCH, e contou com a participação de Jozanes Assunção Nunes, Adriana de Oliveira, André Rodrigues Hannah Lima e Fredson Sado, professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP - Membros do programa de Pós - Graduação em Antropologia Social.
Memórias afetivas e objetos simbólicos
Cada participante foi convidado a apresentar um objeto de memória, um item que, de algum modo, representa as motivações e afetos que permeiam suas trajetórias acadêmicas e pessoais.
Jozanes Assunção abriu o encontro relembrando a festa do Congo de Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, cidade onde nasceu. Ela levou imagens da dança do Chorado, realizada por mulheres negras, símbolo de resistência e força feminina. “Foi em Vila Bela que aprendi que ser negra é estar no centro da história”.
André Rodrigues, apresentou uma mochila como seu objeto de memória, símbolo de deslocamentos, estudos e da própria diáspora. “A mochila lembra viagens, migrações e o deslocamento forçado que ainda marca as trajetórias negras”.
Hannah Lima, trouxe o sussurro e um vaso de planta, símbolo do tempo dedicado à construção do conhecido.
“Naquele pequeno pedaço de terra, regamos e fabricamos o nosso próprio tempo. Um dos meus desafios tem sido transformar o desconforto em método, repensando como entendemos descanso e cuidado entre pessoas negras nas grandes cidades”.
“Muita coisa boa acontece quando o negro descansa. Que mulheres não precisem mais morrer exaustas para serem reconhecidas como competentes e brilhantes”, completou.
Fredson Sado, apresentou o livro Rebeliões da Senzala, de Clóvis Moura, como seu objeto de referência. Natural de Ibititá, Bahia, ele refletiu sobre a segregação racial que marcou a trajetória e sobre a importância da obra na sua formção.“Esse livro me abriu uma janela. As sementes que plantamos no sertão demoram para germinar, mas elas crescem. Meu pós-doutorado investiga como o conceito de quilombo permanece como força e resistência negra no Brasil”.
Adriana de Oliveira encerrou as apresentações com uma câmera Yashica, herdada de seu pai.“Ele a comprou para registrar a trajetória da família, para fotografar a alegria e o sucesso de construir uma história. Essa câmera é uma memória viva do afeto e da persistência que me trouxeram até aqui”.
Durante as conversas, os pós-docs trocaram reflexões sobre experiências acadêmicas, a potência do afeto como metodologia e a importância de espaços coletivos de escuta. As falas se entrelaçaram em um diálogo sensível sobre pertencimento e resistência.
De acordo com os organizadores, o Círculo de Memória e Pesquisa mostrou como a afetividade pode ser uma ferramenta de resistência e um método de investigação. “Queremos mostrar que a pesquisa também nasce do afeto e das nossas experiências”, afirmou Jozanes Assunção.
O evento foi encerrado em tom poético, com a leitura de versos sobre memória e ancestralidade, escritos por Caiod Kj, do Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades da FFLCH.