Área de humanidades vai ganhar “escritório de pesquisa”

É o que planeja o novo diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Paulo Martins

Por
Redação
Data de Publicação
Editoria

Com cerca de 14 mil estudantes (incluindo os cursos de extensão universitária), 429 docentes e 295 funcionários, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) é uma das maiores unidades da USP. E, se esses números já impressionam, há ainda a estrutura física composta de seis prédios: Casa de Cultura Japonesa, Edifício Professor Eurípedes Simões de Paula (Geografia e História), Edifício de Filosofia e Ciências Sociais, Edifício Professor Antonio Candido (Letras), Biblioteca Florestan Fernandes e o Prédio da Administração. Além disso, abriga os únicos dois Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) de humanidades no Estado de São Paulo, financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Desde o dia 26 de setembro passado, a FFLCH tem um novo diretor, o professor Paulo Martins, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, que já traçou um planejamento para os próximos cem dias de sua gestão. Segundo ele, o projeto prevê ações fundamentais. “A primeira delas é a constituição de um escritório de pesquisa, que irá atender não só os projetos ligados à Fapesp, mas também os diversos laboratórios e projetos individuais”, afirma Martins, acrescentando que esse escritório vai funcionar como um apoio de base aos pesquisadores. Ainda no âmbito da pesquisa, o diretor diz que foi constituída uma Comissão de Ética em Pesquisa, “algo inovador na área de humanidades dentro de uma universidade, e regulamentada pelo Conselho Nacional que trata da questão”.

O professor Paulo Martins, novo diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP – Foto: Cicero Wandemberg

Uma segunda ação, gerada pela pandemia de covid-19, é a adequação dos espaços físicos visando a uma possível volta gradual dos estudantes à Universidade, como aponta Martins. “Talvez isso demore um pouco ainda. Mesmo entrando na fase azul, há ainda um prazo para começar a voltar”, informa. Além disso, Martins lembra a questão da segurança: “É preciso elaborar um plano de retorno que seja acolhido por todos e efetivamente seguro”. Segundo ele, “nesses próximos meses e no início do ano que vem, os esforços serão centrados na adaptação e na formulação de protocolos específicos que atendam ao protocolo da Universidade, mas com adaptações às características desta faculdade gigante”.

Em terceiro lugar, Martins pretende dinamizar a participação dos colegiados do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) e da Congregação – tema tratado durante sua campanha eleitoral. “Nossa Congregação tem um número significativo de membros, que atualmente chega a cem integrantes, mas gostaríamos que a participação fosse mais efetiva”, espera Martins, citando um fato curioso: a pandemia já ocasionou uma melhora nessa dinâmica.

Outro ponto fundamental para Martins é estreitar as relações com funcionários e alunos. “Temos um histórico complexo dentro da faculdade, com uma comunidade acadêmica que se diferencia muito de outras unidades ligadas às exatas, biológicas e saúde, porque é muito questionadora e combativa. Precisamos construir um diálogo que seja efetivamente representativo e democrático”, afirma Martins, informando ainda que, na gestão anterior, da professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, em que o hoje diretor ocupou a vice-diretoria, esse era um trabalho que exercia cotidianamente, principalmente através do contato entre as entidades representativas como sindicatos e centros acadêmicos. “Todos devem estar do mesmo lado, enfrentando de forma igual os problemas que surgem na atualidade, indistintamente.”

Um ponto fundamental é a constituição de cursos interdisciplinares e transdisciplinares, em que os alunos percorreriam todas as estruturas didáticas da faculdade.”

Segundo Martins, a manutenção dos seis prédios que compõem a FFLCH, incluindo a Biblioteca Florestan Fernandes e a Casa de Cultura Japonesa, é algo “impressionante”. Ele afirma que já houve um grande avanço nessa questão na gestão da professora Maria Arminda, que segundo ele, era muito firme na manutenção e principalmente na conservação desses espaços. “Porém, há dois prédios que ainda merecem atenção, o prédio de Filosofia e Ciências Sociais e a própria Administração, que estão com planos de reformas das estruturas”, relata.

No aspecto acadêmico, “ponto nevrálgico e fundamental”, nas palavras de Martins, é a constituição de cursos interdisciplinares e transdisciplinares, em que os alunos percorreriam todas as estruturas didáticas da FFLCH. Alguns já estão em estudos, diz, citando três: Estudos Clássicos (que perpassaria as áreas de grego, latim, filosofia antiga, ciência ou pensamento político antigo, antropologia e história), Estudos Ibero-Americanos (literatura espanhola, filosofia, ciência política, antropologia e outras) e Estudo do Oriente Médio (árabe, hebraico, geopolítica e história). “Possivelmente, teremos um curso relacionado à questão da Inteligência Artificial. Esse curso seria uma forma de mostrar que a FFLCH, muito além de aspectos específicos das humanidades, tem também essa interface com a tecnologia”, informa.

Vista interna do prédio dos Departamentos de Geografia e História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O “cuidado e o trato” com a Biblioteca Florestan Fernandes também estão entre as prioridades do atual diretor. “A Biblioteca Florestan Fernandes é a maior biblioteca de humanidades da América Latina”, afirma Martins. A primeira ação, além da manutenção do prédio, que inclui pintura e troca de telhado, é colocar a biblioteca em um patamar internacional. Segundo Martins, para isso ele conta com a colaboração da coordenadora da biblioteca, Adriana Ferrari, que possui uma larga experiência na área. Ela foi diretora do Sibi (Sistema Integrado de Bibliotecas) da USP e atuou na Secretaria da Cultura do Estado, em iniciativas como a construção das bibliotecas do Carandiru e do Parque Villa-Lobos. “Adaptação de espaços, reorganização de acervos, atenção com a digitalização de teses e a própria digitalização do acervo, fundamental nas atuais circunstâncias, são os pontos principais”, afirma Martins.

Em relação à sociabilização, Martins cita a Comissão de Direitos Humanos da FFLCH. “Temos uma comissão muito ativa, e vamos contratar uma psicóloga, já que enfrentamos com tristeza alguns suicídios nos últimos quatro anos, e precisamos pensar mais seriamente nisso.” Outro objetivo de Martins é atingir as metas do Projeto Acadêmico, de cuja elaboração fez parte e com o qual tem grande afinidade. “Agora estamos em uma etapa de checagem das metas qualitativas e quantitativas que atingimos nesse primeiro ano de vigência do Projeto Acadêmico”, informa.

Estamos absolutamente qualificados a participar ativamente do debate políticoNão para fazer política, mas para uma interferência política no mundo atual.”

“Queremos mostrar para a sociedade o que estamos fazendo em termos de pesquisa e divulgação científica”, diz Martins. Para ele, neste momento de “política obscurantista”, em que o governo “não ataca só as humanidades, mas a ciência de modo geral”, ninguém está imune ao seu negacionismo. “Haja vista a questão ambiental, a questão da educação, da saúde, ou seja, ele está aí para negar tudo aquilo que a população brasileira construiu de positivo”, afirma, e continua: “Nós tínhamos uma educação em ritmo ascendente, mas vemos que o governo federal leva ao sucateamento visível com o esvaziamento das agências de pesquisa Capes e CNPq”. Quando se trata das humanidades especificamente, segundo Martins, “há um total descontrole, desde que o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub lançou um movimento absolutamente desqualificado sobre as ciências humanas, em que refutava a filosofia e sociologia”. Para ele, “se não conseguimos valorizar aquilo que trata do humano, daquilo que é produção do intelecto humano, estamos diante do total caos”.

O diretor reitera que é preciso mostrar o que a FFLCH faz, e cita como exemplo o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos Cepids financiados pela Fapesp -, que depois de 11 anos de existência acaba de ser aprovado para uma segunda fase. “É a maior base de dados do Brasil, que atende a todos os municípios e Estados, com mais de 600 aspectos estudados, envolvendo questões populacionais, ambientais e socioeconômicas para o estudo de políticas públicas.” Martins destaca ainda a participação da FFLCH no cenário político, algo tradicional da instituição, citando docentes dos seus departamentos que exerceram elevados cargos públicos – como o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e o ex-secretário de Imprensa do governo federal André Singer. “Estamos absolutamente qualificados a participar ativamente do debate público. Não para fazer política, mas para uma interferência política no mundo atual.”

 

Matéria de Cláudia Costa, publicada no Jornal da USP, em 14 de outubro de 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/cultura/area-de-humanidades-vai-ganhar-escritorio…