Em 2022 comemora-se o centenário de nascimento do autor norte-americano de Ficção Científica Kurt Vonnegut. Sobrevivente do bombardeio de Dresden durante a Segunda Guerra Mundial, Vonnegut frequentemente aborda o tema do isolamento em nossa era das catástrofes e convida o leitor a testemunhar e acompanhar os feitos mais esperançosos e desalentadores da humanidade. No século XX, a ficção científica, como gênero literário, ressalta a crescente desafeição do ser humano em relação ao mundo, como vemos, por exemplo, nos clássicos Nós (1924) de Yevguêni Zamiátin, Admirável mundo novo (1932) de Aldous Huxley, Fahrenheit 451 (1953) de Ray Bradbury, Cama de gato (1963) de Kurt Vonnegut e Fluam minhas lágrimas, disse o policial (1974), de Philip K. Dick.
Na segunda metade do século XX e nas primeiras décadas do século XXI, as formas de relacionamento entre os seres humanos e deles com o planeta tomaram novos rumos com o agravamento da crise ambiental, a consolidação do neoliberalismo, e o surgimento de novas tecnologias e meios de comunicação, como a internet e as mídias sociais. Nesse contexto, a ficção científica ganhou novos subgêneros, como o cyberpunk, o new weird e o cli-fi, e voltou-se para discussões relacionadas às teorias feministas e queer. A respeito do momento em que passamos e de como podemos criar novos mundos neste momento de certeza de catástrofe ecológica, Donna Haraway (2016) nos lembra que não basta enfrentarmos esse problema, mas sim seguir com ele, o que exigiria estabelecer parentescos estranhos: isto é, convocar uns aos outros em colaborações e combinações inesperadas, transformando-nos em conjunto e criando novas possibilidades para a vida num planeta vulnerável, que ainda não foi assassinado.
Este evento propõe debater como a ficção científica aborda as rupturas de vínculo entre os seres humanos e deles com o mundo diante de catástrofes, bem como o impacto dessa experiência na produção contemporânea do gênero literário. Como a ficção científica, a distopia e a utopia se apropriam desse cenário? Qual seria o papel das utopias na possibilidade de imaginar novas perspectivas para as crises atuais, em um momento em que há uma predominância de horizontes distópicos? Quais são as novas relações intersubjetivas que aparecem, na ficção, em resposta ao isolamento e ao enfraquecimento dos vínculos afetivos entre indivíduos e da própria noção de indivíduo? Como novas formas de vínculo e parentesco podem se desenvolver entre humanos e não-humanos diante das crises que se impõem?
A segunda edição do Ficção Científica, Utopias e Distopias, promovido pelo Laboratório de Estudos do Romance (LERo), pelo Departamento de Letras Modernas (DLM) e pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada (DTLLM) da USP, será realizada entre 22 e 24 de junho de 2022 no canal de YouTube do LERo e contará com a participação de palestrantes internacionais e de diversas instituições brasileiras. Pretende-se discutir a maneira pela qual esses gêneros literários dão forma e representação ao isolamento, solidão e desafeição do ser humano em face às crises contemporâneas, ao mesmo tempo em que propõem a especulação de novos mundos possíveis para além da catástrofe.
Canal de YouTube do LERo: https://www.youtube.com/channel/UCEVtDdY7NWhS740sBMfzCxA
