Revolução Francesa: Robespierre e a maior parte dos jacobinos são executados na guilhotina

A execução de Robespierre se deu por consequência do golpe de 9 de termidor do ano II (27 de julho de 1794), dia em que o líder jacobino e seus aliados foram presos na Convenção

Por
Alice Elias
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Robespierre e jacobinos são executados na gilhotina
Segundo Laurent de Saes "No fundo, Robespierre é um personagem tão decisivo quanto trágico, e encarna algumas das contradições da própria Revolução: um opositor da pena de morte que recorreu ao Terror como método de governo, um apologista da democracia direta que se viu à frente de uma ditadura de salvação pública." (Arte: Alice Elias)

 

Em 28 de julho de 1794, o líder jacobino Maximilien de Robespierre e grande parte de seus aliados são executados na guilhotina. Presos na Convenção no dia anterior, o chamado golpe de 9 de termidor do ano II, foram rapidamente julgados e condenados ao mesmo destino de Luís XVI.
Conversamos com Laurent Azevedo Marques de Saes, doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, para entender o contexto e as motivações desse marco na história da França. Confira:

 

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Robespierre, e qual foi a sua influência na França no período de 1789 a 1794? E quem foram os jacobinos?


Laurent de Saes: Antes da Revolução, Maximilien de Robespierre era advogado na cidade de Arras, e um publicista conhecido por posições avançadas para a sua época, como a defesa dos direitos dos filhos ilegítimos e da igualdade entre homens e mulheres. Seu engajamento logo o conduziu a uma posição de destaque na vida política de sua província, a Artésia, e, por ocasião da convocação dos Estados Gerais, ele foi eleito, em 1789, como um dos representantes do Terceiro Estado. Quando explode a Revolução, ele assume seu lugar como deputado na Assembleia Constituinte, notabilizando-se por suas qualidades de orador, por sua retidão moral e pela defesa de causas populares, como o sufrágio universal, a abolição da pena de morte e o combate à desigualdade social. À medida que a Revolução avança, sua influência política aumenta, tornando-se ele uma figura central no Clube dos Jacobinos.
É preciso dizer que a palavra “jacobinos” se reveste de alguma complexidade, pois ela assume significados diferentes de acordo com o momento da Revolução. Constituído como grupo de pressão e sociedade de pensamento, o clube dos Jacobinos reuniu no início da Revolução toda a elite política constitucionalista, com o objetivo de discutir e preparar as leis a serem submetidas à Assembleia. Dominava então entre os jacobinos a tendência à monarquia constitucional, mas, a partir de setembro de 1791, com a expulsão dos membros mais conservadores, o clube passou a ser dominado pela corrente republicana. Porém, outros conflitos passaram a dividir o clube, desta vez entre os adeptos do liberalismo (em particular, os Girondinos) e os adeptos de um certo igualitarismo socioeconômico (os Montanheses, entre os quais se situava Robespierre). Nos últimos meses de 1792, os Girondinos são expulsos, e o clube assume a sua faceta mais extremada e mais próxima dos anseios das massas populares. O conceito de jacobinismo, tal como o empregamos hoje, tem como referência esta fase do clube dos Jacobinos, que teve papel fundamental na preparação do golpe de 31 de maio – 2 de junho de 1793, que colocou o grupo de Robespierre no comando da nação.
Até a sua queda, em julho de 1794, Robespierre, no seio do Comitê de Salvação Pública, e o parlamento dominado pelos Montanheses tomaram as medidas mais contundentes de todo o período revolucionário, permitindo que a Revolução superasse o mero igualitarismo formal do reconhecimento da igualdade de direitos, e avançasse na direção de um relativo igualitarismo socioeconômico, o que obviamente desagradou às classes possuidoras.

 

Serviço de Comunicação Social: Quais as possíveis motivações políticas para a execução de Robespierre e dos jacobinos?


Laurent de Saes: Robespierre e os jacobinos presidiram a fase mais radical da Revolução Francesa. Esse radicalismo, entretanto, deve ser compreendido sob dois aspectos. Primeiramente, ele diz respeito a uma legislação social que atendia, em certo grau, a duas reivindicações das massas populares: o controle sobre os preços dos bens de primeira necessidade e leis que favoreciam a expansão da pequena propriedade, facilitando o acesso à terra ao pequeno campesinato, medidas que desagradaram tanto à burguesia comercial como aos grandes proprietários rurais. Mas o radicalismo atribuído ao governo jacobino também se refere ao recurso a uma justiça de exceção, destinada a reprimir os “inimigos da Revolução”. Essa política de “Terror” buscava satisfazer a exigência popular de uma justiça revolucionária que erradicasse quaisquer vestígios aristocráticos da sociedade francesa, mas ela também foi utilizada para fins de eliminação de toda oposição política ao governo – e, nesse processo, foram visados tanto os elementos à direita dos jacobinos (os monarquistas, os brissotinos, os dantonistas) como os grupos mais à esquerda e mais próximos das classes populares (os “Enraivecidos”, os hebertistas), que defendiam a instauração da democracia direta. Assim, por um lado, a legislação social e a repressão aos ricos desagradavam aos setores mais conservadores da sociedade francesa; por outro, a implantação de uma ditadura e a incapacidade do governo jacobino de fazer a transição para uma democracia direta gelou sua relação com as massas populares, que não intervieram para defender o governo revolucionário quando do golpe de 1794. Esse isolamento político explica a queda dos jacobinos, e a subsequente execução de Robespierre e seus aliados.
No fundo, Robespierre é um personagem tão decisivo quanto trágico, e encarna algumas das contradições da própria Revolução: um opositor da pena de morte que recorreu ao Terror como método de governo, um apologista da democracia direta que se viu à frente de uma ditadura de salvação pública.

 

Serviço de Comunicação Social: O que essa execução simbolizou no contexto da Revolução Francesa? Quais foram as maiores consequências?


Laurent de Saes: A execução de Robespierre se deu por consequência do golpe de 9 de termidor do ano II (27 de julho de 1794), dia em que o líder jacobino e seus aliados foram presos na Convenção. Sua morte simboliza uma virada na evolução da política revolucionária, e, ainda que várias de suas realizações tenham permanecido, como a abolição dos direitos feudais, houve, no que diz respeito à legislação social, um retrocesso. O período imediatamente subsequente é chamado de “Reação Termidoriana”, por marcar uma volta ao liberalismo econômico do início da Revolução, o que não deixou de gerar ondas de revolta popular, principalmente em razão do aumento dos preços dos alimentos.
Todavia, por esse mesmo motivo, o jacobinismo não foi tão facilmente erradicado da paisagem política francesa. A instabilidade permaneceu até 1799, por conta das investidas constantes dos chamados neojacobinos, bem como dos monarquistas, contra a hegemonia da grande burguesia. Golpes sucessivos e um esforço de desarmamento do movimento popular foram necessários para conter a oposição ao governo. Apenas com a instauração da ditadura de Napoleão Bonaparte, primeiramente sob a fachada de um novo regime político (o Consulado) e, depois, sob a forma de um regime imperial, foi possível estabelecer uma forma de estabilidade e consolidar as conquistas da burguesia francesa, parte delas consagradas no Código Civil de 1804.

 

Laurent de Saes é doutor em História Social pela FFLCH USP, e atua principalmente nos seguintes temas: Revolução Francesa, comércio colonial, escravidão, propriedade e agricultura. Para quem se interessar sobre o assunto, é autor de diversos livros e artigos, tais como A guerra e suas repercussões na França revolucionária (1792-1794), A Sociedade dos Amigos dos Negros: A Revolução Francesa e a Escravidão (1788-1802), e Terra e Revolução: a propriedade sob a República jacobina.