Nascimento de Hilaire Belloc

Autor de obras como "O Estado servil" e "As grandes heresias", Belloc possui vasta produção literária de escritos incisivos, educativos e iluminadores

Por
Alice Elias
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Nascimento de Hilaire Belloc
Segundo o professor Luiz Antonio Lindo, "agraciado com o dom da crítica, Belloc a exerceu perante um público eclético capaz de apreciar os seus dotes de polemista contundente, historiador sagaz e poeta sensível." (Arte: Alice Elias)

Hilaire Belloc nasceu em 27 de julho de 1870, na França. Foi um escritor, poeta, e historiador, além de eleito deputado por uma legislatura. Autor de obras como The Bad Child’s Book of Beasts (1896) e Cautionary Tales for Children (1922), grande parte do que produziu foi direcionado às crianças, “cuja relação com a inocência é tênue e está sujeita aos ditames da educação que recebem, para o bem ou para o mal”, explica Luiz Antonio Lindo, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Dotado com o dom da crítica, atrelado à consciência dos problemas e limites impostos pela sociedade moderna, Belloc denunciou o novo sistema partidário implantado, o parlamentarismo, assim como a falta de participação de políticos nas “maquinações entre o capital e a política que mantém de pé o Estado “servil”, como ele mesmo o denominou num de seus livros mais marcantes”, O Estado Servil (1912), continua o professor Luiz Antonio.

Confira a entrevista completa com o professor, sobre o autor cujos escritos “continuam a atrair admiradores, especialistas e leigos, por serem incisivos, educativos, iluminadores.”


Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Hilaire Belloc, para os leitores que ainda não o conhecem?

Luiz Antonio Lindo: Hilaire Belloc (1870-1953) foi um escritor versátil dotado de uma profunda consciência dos problemas enfrentados pelo homem confinado aos limites que lhe impõe a sociedade moderna. Seu espírito livre levou-o a descobrir as armadilhas que se escondem sob a capa das aparências e dissimulam as mazelas que aviltam a dignidade humana. Agraciado com o dom da crítica, ele a exerceu perante um público eclético capaz de apreciar os seus dotes de polemista contundente, historiador sagaz e poeta sensível.

Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita de Belloc?

Luiz Antonio Lindo: A escrita de Belloc abarca vários gêneros, segundo o que ele se propunha a discutir ou expressar. Como polemista, ele procurou executar a autópsia do organismo responsável pelo sistema de vida moderno, mediante a denúncia dos perigos que nele se escondem sob várias camadas de hipocrisia e de embuste. No centro mais avançado da civilização ele ergueu uma atalaia literária, de onde se pôs a vasculhar o horizonte à procura das ideias mais nefastas e dos vícios de conduta mais grotescos da intelligentsia inglesa e continental. Com as armas da verdade travou contra esta uma verdadeira guerra de opinião, certo de que detrás da fachada do discurso vendido ao público manipulavam-se os cordéis que garantiriam o domínio sobre uma ordem iníqua.

Ele também se fez historiador e enveredou pela discussão de temas religiosos e políticos que julgava merecerem revisão. Do seu ponto de vista católico, interpretou com grande argúcia os eventos da história moderna responsáveis pelo virtual banimento do catolicismo na Inglaterra e em parte dos países germânicos, fato que entendia capital para se entender a decadência religiosa e moral que veio a se alastrar pela Europa após a Reforma. Não podia suportar que a sua religião tivesse sido extirpada pela raiz por um golpe de mão encestado pela confraria de abastados insaciáveis, nacionais e estrangeiros, empenhados em levar à frente a chamada Revolução Inglesa. Não podia aceitar que em consequência de uma conspiração nefanda se tivesse exigido como troféu a cabeça de Carlos I, o monarca sacrificado no altar da maçonaria que desde então se apoderou de seu país e que, movida pela ganância mais indecorosa, vem guiando, sob os auspícios de algum Bafomé dos infernos, a iniciação herética de toda a Europa e do resto do mundo em seu credo onzenário.

Na sua incursão pela história política, Belloc denunciou o sistema partidário implantado pelos novos ideólogos anglos, especificamente o parlamentarismo, sob o qual uma caterva de caciques endinheirados e funâmbulos fisiológicos pagos com dinheiro de impostos exerce um poder político vicioso e impõe um vínculo de submissão quase absoluta ao resto da sociedade. Ajudou-o a efetuar o diagnóstico preciso da perversão decorrente de tal concerto conchavado a sua experiência de deputado, malgrado ter sido eleito por uma única legislatura, o bastante, porém, para lhe permitir denunciar a inoperância de tal cargo quando o seu titular não participa nas maquinações entre o capital e a política que mantêm de pé o Estado “servil”, como ele mesmo o denominou num de seus livros mais marcantes. As lições que aprendeu e que procurou transmitir sobre o período mais negro da história inglesa nos ensinam que as formas de organização do estado implantadas desde a chamada Revolução Inglesa predispõem irremediavelmente à formação da cultura política do liberalismo e de seus avatares, o socialismo e o comunismo, sob os quais as relações de poder devem tomar a forma de guerra de facções de oposição binária, por vezes chamada de “luta de classes”.
Para o modo de ver de Belloc, explica-se provavelmente que a redenção milenarista inerente à pregação dessas ideologias há de confluir para o seu desenlace numa escatologia apocalíptica, a qual dará lugar, no futuro, ao irremediável acerto de contas no campo de batalhas entre o exército de Deus e o do Diabo. Pessoalmente, ele previa que tal acerto de contas, onde estará em jogo o destino humano, se dará numa guerra final pela civilização travada por forças dispostas em dois blocos antagônicos, o dos cristãos, dum lado, e o dos muçulmanos, de outro, empenhados num confronto final, em nome de Deus, pela posse da terra e pela conquista da redenção. Como poeta, Belloc eventualmente tomava fôlego para falar sobretudo às crianças, cuja relação com a inocência é tênue e está sujeita aos ditames da educação que recebem, para o bem ou para o mal. Parecia ser uma preocupação sua prevenir a alma infantil contra o abuso de pedagogos da esfera pública e privada encastelados na maquinaria estatal ou a ela subserviente, quase sempre pertencentes à mesma seita dos donos do poder.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a Literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

Luiz Antonio Lindo: Os títulos belloquianos decisivos continuam a ser publicados. Tal como o amigo G. K. Chesterton, com quem compartilhava uma mesma visão de mundo, seus escritos continuam a atrair admiradores, especialistas e leigos, por serem incisivos, educativos, iluminadores, como pode atestar qualquer um que se dê o trabalho de lê-los. Presume-se que eles hão de interessar particularmente os descontentes com o rumo tomado pela civilização atual, pessoas de bom coração que desejariam livrar-se dos males que as afligem, e que já não veem mérito numa solução puramente humana. Porém, dessas pessoas ele parecia esperar algo fora da possível solução transcendente, qual seja uma ação incisiva capaz de restaurar a fibra moral perdida em meio ao desvario da vida moderna.

Eis os títulos de algumas obras de Belloc que embasam as considerações feitas acima: Europe and the Faith (1920), O Estado Servil (The Servile State) (1912), The Path to Rome (1902), Hills and the Sea (1906), The Party System (1911) (com Cecil Chesterton), Richelieu (1929), Survivals and New Arrivals: The Old and New Enemies of the Catholic Church (1929), Characters Of The Reformation (1936), The Crisis of Our Civilisation (1937), As Grandes Heresias (The Great Heresies) (1938), Sonnets and Verse (1945), Cautionary Tales for Children (1922), The Bad Child’s Book of Beasts (1896). Salienta-se que a produção literária de Belloc é vasta, e que para compreendê-lo adequadamente é imprescindível dedicar-se à sua leitura.


O professor Luiz Antonio Lindo é mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada e doutor em Letras Clássicas pela FFLCH. Pesquisador em Filologia Romântica, atua principalmente nos temas: americanismos léxicos, filologia românica, cultura, linguagem e léxico.