Jânio Quadros renuncia à Presidência

Renúncia de Jânio teria sido estratégia para voltar ao poder sob clamor do povo e das Forças Armadas

Por
Pedro Fuini
Data de Publicação

Jânio Quadros
"Boa parte da crônica política da época acusou Jânio Quadros de ter detonado a crise política que culminaria no golpe de 1964", de acordo com o professor Marcos Napolitano. (Arte: Pedro Fuini)

Surpreendendo o povo brasileiro, o então Presidente Jânio Quadros, filiado ao Partido Trabalhista Nacional (PTN), entregava sua carta de renúncia ao Congresso Nacional, em 25 de agosto de 1961, com apenas 7 meses de mandato. Eleito com discurso de combate à corrupção, Jânio utilizou como símbolo uma vassoura durante sua campanha à Presidência, em 1960, prometendo “varrer a bandalheira” da política - seu jingle, inclusive, entrou para a história das campanhas políticas.

Antes de entrar para a política, Quadros foi advogado e professor. A partir do final dos anos 1940, foi sucessivamente eleito para quase todos os cargos políticos - vereador de São Paulo, deputado estadual por São Paulo, prefeito de São Paulo, governador de São Paulo e deputado federal pelo Paraná. O professor Marcos Napolitano, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explica que a ascensão meteórica de Jânio é produto da democracia eleitoral que se instalou no Brasil após o Estado Novo. “O eleitorado popular, apesar de todas as restrições ao sufrágio universal, se ampliou consideravelmente e abriu novas possibilidades para candidatos dotados de retórica e carisma pessoal”. O político adotava um tom dramático e teatral em seus discursos, sempre pautados pela moralidade pública e pela defesa dos pobres contra os ricos.

Na eleição de 1960, além do discurso anticorrupção, recebeu apoio do União Democrática Nacional (UDN), partido de direita historicamente opositor ao legado do ex-presidente Getúlio Vargas. Jânio foi eleito presidente com uma votação expressiva, mas não conseguiu eleger seu candidato a vice-presidente, que na época era eleito separadamente. Venceu João Goulart, o “Jango”, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), candidato ligado ao getulismo e visto como “de esquerda”.

 

Presidente da República

O período em que ocupou a Presidência ficou marcado por suas posturas polêmicas e conservadoras, como a proibição do uso de biquíni em concursos de miss e a proibição de rinhas de galo. Jânio foi também o responsável por lançar as bases da política externa de não-alinhamento automático com os Estados Unidos, além de ter entregue uma condecoração a Ernesto Che Guevara, líder da Revolução Cubana, desagradando políticos mais à direita. “Seu estilo personalista, centralista e autoritário entrou em rota de colisão com o parlamento e com as lideranças partidárias que controlavam o Congresso, não apenas com os grupos de centro e de esquerda ligados ao getulismo, mas também com a própria UDN”, afirma Napolitano.

A renúncia de Jânio teria sido uma estratégia para superar seu isolamento político, esperando que os militares e seus apoiadores exigissem sua volta com poderes ampliados.

 

Carta de renúncia de Jânio Quadros
Carta de renúncia de Jânio Quadros - Foto: Arquivo do Senado Federal

 

Crise política

A renúncia de Jânio foi prontamente aceita pelo Congresso Nacional, e não houve clamor popular por sua volta. Entretanto, setores das Forças Armadas não aceitavam a posse do “esquerdista” João Goulart. Liderada pelo político Leonel Brizola, a Campanha pela Legalidade garantiu a posse de Jango, que estava em missão oficial na China naquele momento. O Congresso aprovou a implantação do parlamentarismo, sistema que diminuiria os poderes do presidente, como forma de atenuar a crise política. Goulart seria derrubado do poder três anos depois, dando início à Ditadura Militar (1964-1985). Segundo Napolitano, “a historiografia considera que o golpe fracassado contra a posse de João Goulart, em 1961, foi um ensaio para o que aconteceria em 1964”.

Confira na íntegra a entrevista com o professor Marcos Napolitano.

 

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Jânio Quadros?

Marcos Napolitano: Jânio Quadros era advogado e professor, antes de se tornar político. Sua carreira política teve uma ascensão meteórica a partir do final dos anos 1940, produto da inédita democracia eleitoral que se instalou no Brasil após o fim do Estado Novo. O eleitorado popular, apesar de todas as restrições ao sufrágio universal, se ampliou consideravelmente e abriu novas possibilidades para candidatos dotados de retórica e carisma pessoal. Jânio defendia uma pauta voltada para a moralidade pública, se apresentava nos discursos com uma retórica dramática e teatral e dizia defender os interesses dos pobres contra os ricos, consagrando-se com o slogan de campanha “o tostão contra o milhão”. Com apoio em associações populares, Jânio se elegeu vereador (1947), deputado estadual (1951-1953), governador do Estado de São Paulo (1955-1959) e Presidente da República (1961). Para esta última eleição, concentrou-se no discurso anticorrupção e contou com o apoio da UDN, um grande partido antigetulista de direita que viu nele uma chance de chegar ao poder. Só que não...

 

Serviço de Comunicação Social: Por que ele renunciou com apenas 7 meses de governo?

Marcos Napolitano: Até hoje há polêmica, mas a explicação mais plausível e aceita pela historiografia é que seu estilo personalista, centralista e autoritário entrou em rota de colisão com o parlamento e com as lideranças partidárias que controlavam o Congresso, não apenas com os grupos de centro e de esquerda ligados ao getulismo, mas também com a própria UDN. Além disso, embora conservador, ele lançou as bases de uma política externa de não-alinhamento automático com os Estados Unidos, o que também desagradou os políticos de direita, anticomunistas. A condecoração dada por Jânio a Ernesto Che Guevara, líder da Revolução Cubana recém ocorrida, causou grande mal-estar nestes setores. Cada vez mais isolado, tudo indica que ele tentou uma “cartada final”, renunciando, mas mantendo a expectativa de que os militares e seus milhões de eleitores exigissem a sua volta, o que poderia permitir a ampliação dos seus poderes político-administrativos em outras bases. Vale lembrar que as regras eleitorais da época não exigiam o voto casado para vice-presidente, o que permitiu a eleição de João Goulart como vice-presidente, um reformista de centro-esquerda odiado pelos militares e pela UDN, que eram os principais porta-vozes do anticomunismo e antirreformismo no Brasil. Estava preparado o cenário de uma grande crise.

 

Serviço de Comunicação Social: Quais foram as consequências políticas de sua renúncia?

Marcos Napolitano: O cálculo político de Jânio não se revelou muito perspicaz. É verdade que uma parte da alta oficialidade das Forças Armadas vetou a posse de João Goulart, mas o Congresso Nacional, os movimentos sociais e a sociedade civil se mobilizaram na Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola (governador do Rio Grande do Sul) para garantir a posse do vice-presidente, que, por sinal, estava em viagem oficial fora do Brasil. Os planos das direitas golpistas foram inviabilizados não apenas pela mobilização civil, mas também porque uma parte considerável do Exército defendeu a solução legalista e constitucional. Entre 25 de agosto e 7 de setembro de 1961, o Brasil ficou à beira de uma Guerra Civil. O Congresso se articulou para implantar o Parlamentarismo, permitindo a posse de João Goulart sem plenos poderes. Essa solução foi vista como um “golpe branco” pela esquerda, mas foi aceita pragmaticamente por João Goulart para pacificar o país. Entretanto, a solução parlamentarista artificial e casuística não teve vida longa, sendo encerrada por um referendo em 1963. A historiografia considera que o golpe fracassado contra a posse de João Goulart, em 1961, foi um ensaio para o que aconteceria em 1964, quando uma articulação civil-militar mais bem planejada derrubou Jango e sua política de reformas, instaurando uma ditadura militar por 20 anos. Boa parte da crônica política da época acusou Jânio Quadros de ter detonado a crise política que culminaria no golpe de 1964.

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Marcos Napolitano é professor titular de História do Brasil Independente e orientador no Programa de História Social da FFLCH. É doutor (1999) e mestre (1994) em História Social pela FFLCH, onde também graduou-se em História (1985), sendo especialista no período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar, e na área de história da cultura, com foco no estudo das relações entre história e audiovisual.