Primeiras eleições diretas do Brasil

Em 1º de março de 1894 aconteciam as primeiras eleições diretas para presidente da República no Brasil. Que legado elas deixaram na vida política brasileira?

Por
Paulo Andrade
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Primeiras eleições diretas do país
Para o professor Paolo Ricci, "a maior contribuição daquelas eleições foi a construção de um governo representativo em que as elites aceitavam a disputa eleitoral como arena de negociação entre si" (Arte: Renan Braz)

Nos dias de hoje, o direito ao voto é algo tão consolidado que o assunto só costuma vir à tona em anos de eleição ou momentos de crise. E hoje, 1º de março, cá estamos porque em 1894, nesta data, aconteciam as primeiras eleições diretas para presidente da república no Brasil.

Para entender melhor a importância daquele 1º de março na vida política brasileira é importante lembrar que a Primeira República do Brasil havia sido proclamada apenas cinco anos antes, em 1889, e a primeira Constituição republicana, em 1891.

O professor Paolo Ricci, do Departamento de Ciência Política da FFLCH e pesquisador de processos eleitorais, nos ajudou na tarefa de explicar melhor a importância dessas eleições para a política da época e suas implicações na política de hoje.

Ele explicou que as eleições de 1894 tiveram uma função central na vida política da época. "Se de um lado elas sedimentavam acordos e alianças entre facções oligárquicas, ao mesmo tempo se constituíam como lugar de embates entre governistas e oposicionistas. A vida político-partidária girava em torno delas", diz.

O professor também ressalta que o voto era visto de uma forma bem diferente da nossa atual. "A ideia do voto como escolha orientada por ideologia não estava presente naquele contexto".

Para Ricci, a maior contribuição das eleições de 1894 foi eleger um governo representativo num processo que era aceito pelas elites que dominavam a política na época.

Confiram abaixo a análise completa do professor:

Serviço de Comunicação Social: Considerando o contexto brasileiro da República Velha, que importância essas eleições tiveram na vida política brasileira naquele momento?

Paolo Ricci: O senso comum tem uma visão muito pejorativa sobre as eleições antes da democracia. A própria alcunha de República Velha dada para o regime da Primeira República mostra o quão pouco se conhece o passado representativo brasileiro. Vale  lembrar que a Republica Velha é um termo inventado nos anos 1930 pelos ideólogos autoritários.

Para diferenciar o que se seguiu após da Revolução de 1930, eles batizaram o regime anterior de República Velha em contraposição ao que já era denominada de República Nova. Como pouco se estuda o regime representativo antes da democracia, este fato se perdeu e o termo continua no jargão popular até hoje.

Porém, seria melhor nos referirmos à Primeira República sem juízos de valor, apenas como Primeira República ou República de 1891.

Também diferentemente do que o senso comum tem defendido, as eleições durante a Primeira República exerceram uma função central na vida política da época.

Como poucos tinham direito ao voto (cerca de 7-8%), e ainda menos eram os eleitores que de fato votavam, em geral se considera aquela experiência como falha. Sem contar que em sua quase totalidade os estudiosos tem tratado apenas da disputa presidencial cuja logica de funcionamento era o acordo prévio entre as elites estaduais.

Entretanto, havia eleições para outros cargos, como governadores, deputados federais e estaduais e senadores federais, prefeitos e vereadores em alguns estados, sem contar que em alguns casos o Congresso estadual era bicameral, permitindo portanto a eleição de senadores estaduais.

Na prática, as eleições eram funcionais à dinâmica da disputa oligárquica da época. Se de um lado elas sedimentavam acordos e alianças entre facções oligárquicas, ao mesmo tempo se constituíam como lugar de embates entre governistas e oposicionistas. A vida político-partidária girava em torno delas.

Serviço de Comunicação Social: E olhando de forma mais abrangente para a história do Brasil, como podemos avaliar a contribuição dessas eleições na construção da política e cidadania brasileiras?

Paolo Ricci: Geralmente quem pensa cidadania política associa a ela a concessão dos direitos políticos e, consequentemente, a participação eleitoral. Aqui, domina a imagem de uma cidadania limitada. Isso é verdade se levarmos em conta a exclusão dos analfabetos pela Constituição de 1891.

Entretanto, este argumento se fundamenta numa percepção equivocada sobre o sentido do voto no século XIX e começo do XX. De fato, é necessário ponderar que tanto no Império como na República de 1891 o voto não tinha o mesmo sentido de hoje. Em alguns casos era percebido como moeda de troca, para outros era um ato de deferência perante os chefes políticos locais.

Visto sob esse angulo, pouco importa quantos podiam de fato votar já que a ideia do voto como escolha orientada por ideologia não estava presente naquele contexto.

A meu ver, a maior contribuição daquelas eleições foi a construção de um governo representativo em que as elites aceitavam a disputa eleitoral como arena de negociação entre si, embora em geral não tolerassem as oposições.