Nascimento de Claude Simon

Agraciado com o Nobel de Literatura em 1985, Simon foi parte do movimento literário francês "nouveau roman"

Por
Pedro Fuini
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Claude Simon
A escrita de Simon "se destaca pela primazia da história e da memória como temas recorrentes, de modo que esses dois aspectos são trabalhados de forma bastante variável, a depender do livro", de acordo com Daniel Falkemback Ribeiro. (Arte: Pedro Fuini)

O escritor Claude Simon nasceu em 10 de outubro de 1913 em Antananarivo, na então colônia francesa de Madagascar. Agraciado com o Nobel de Literatura em 1985, Simon é autor de obras como Le Vent (1957), La Route des Flandres (1960), Le Palace (1962) e La Bataille de Pharsale (1969). Sua obra é enquadrada no movimento literário francês conhecido como nouveau roman (novo romance), marcado pelo estilo experimental dos escritores, com uma visão mais objetiva do mundo. 

Daniel Falkemback Ribeiro, no mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada que realizou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, estudou as citações de literatura latina presentes em latim e em francês no romance La Bataille de Pharsale (A batalha de Farsália), de Simon. “Por essa investigação, compreendi melhor a relação que o autor estabelece com a história e a memória pela recepção dos clássicos”. 

Ribeiro, que também é doutor em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), comenta que a escrita de Simon “se destaca pela primazia da história e da memória como temas recorrentes, de modo que esses dois aspectos são trabalhados de forma bastante variável, a depender do livro”. 

Confira na íntegra a entrevista de Ribeiro sobre Claude Simon, frequentemente chamado de “ilustre desconhecido”:

 

Serviço de Comunicação Social: Para os que não o conhecem, quem foi Claude Simon?

Daniel Falkemback Ribeiro: Claude Simon foi um escritor francês que nasceu em 1913, em Antanarivo, Madagascar, à época uma colônia francesa, e faleceu em Paris, em 2005. Ele é mais célebre por ter sido um dos membros do chamado nouveau roman, isto é, o “novo romance” francês, grupo que a crítica literária, a partir da década de 1950, estabeleceu para definir uma série de romancistas publicados pelas Éditions de Minuit. Num primeiro momento, eles foram considerados experimentais e concentrados numa visão dita objetivista do mundo, ainda que isso tenha sido bastante contestado pelos escritores, como Alain Robbe-Grillet, expoente do suposto movimento, nos ensaios de Por um novo romance (1963). A obra de Simon é com frequência enquadrada nesse grupo, em especial a partir de seu quinto livro, Le Vent: Tentative de restitution d'une retable baroque, de 1957, ainda sem tradução para o português. Ele também é conhecido por ter sido laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1985, sendo o único nouveau romancier (“novo romancista”) homenageado pela Academia Sueca. Seu discurso de agradecimento foi posteriormente publicado em um livro intitulado Discours de Stockholm (1986), também não disponível em língua portuguesa. Após essa premiação, o “ilustre desconhecido”, como o chama Glória Carneiro do Amaral em matéria de jornal de 1985, começou a ser apreciado por outras facetas artísticas suas: a fotografia e o desenho. Além disso, a partir de 2006, a reconhecida coleção Pléiade, da editora Gallimard, iniciou a publicação das obras completas do autor. Também é notável que, na França, desde sua criação em 2003, a Association des Lecteurs de Claude Simon tem se empenhado na promoção de pesquisas sobre sua literatura. Apesar de não ser tão lida hoje no Brasil, parte de sua obra já foi traduzida para o português, sendo possível encontrar em bibliotecas e sebos os volumes de A estrada de Flandres, A batalha de Farsália, As geórgicas e O bonde, os três primeiros lançados pela editora Nova Fronteira, e o último, pela editora Sulina.

 

Serviço de Comunicação Social: Quais suas principais obras?

Daniel Falkemback Ribeiro: Acredito que Le Vent (1957), La Route des Flandres (1960), Le Palace (1962) e La Bataille de Pharsale (1969) estão entre as mais comentadas pela crítica, mas, como toda lista de principais obras de um/a autor/a, essa lista é bastante arbitrária. 

 

Serviço de Comunicação Social: O que caracteriza a escrita de Simon?

Daniel Falkemback Ribeiro: Em relação aos outros nouveaux romanciers (“novos romancistas”), diria que Simon se destaca pela primazia da história e da memória como temas recorrentes, de modo que esses dois aspectos são trabalhados de forma bastante variável, a depender do livro. No entanto, o que diferencia sua escrita daquela de livros considerados “romances históricos” é que não nos parece tão evidente como a nossa consciência da história e da memória está em jogo nela. Por exemplo, mesmo em seu romance intitulado Histoire (“História”), de 1967, que lhe rendeu o prêmio Médicis, Simon não nos apresenta a “história oficial”, a grande História, com letra maiúscula, mas, sim, um narrador e suas lembranças revividas por cartões postais e selos que encontra quando retorna à casa onde passou a infância. Não poderíamos dizer que nossa pequena narrativa individual, contada por nós mesmos a partir de tão modestas fontes, não faz parte também da história? Já a memória em sua literatura é, acima de tudo, coletiva, cultural, o que inclui a tradição literária. Essa tradição é a todo tempo reelaborada em sua escrita, misturada com o presente, levando-nos a revisar à força o passado. 

 

Serviço de Comunicação Social: Você pode comentar um pouco a respeito da pesquisa que desenvolveu no mestrado sobre o escritor?

Daniel Falkemback Ribeiro: Quando iniciei meu mestrado, estava bastante confuso, assim como muitos mestrandos, acerca do meu projeto de pesquisa. Gostava muito do nouveau roman e queria estudar algo a respeito de um de seus autores, mas ainda queria me manter ligado à área dos Estudos Clássicos, por ter me formado em Letras - Português e Latim. Aos poucos, cheguei a uma solução que me agradou e se mostrou viável: analisar as citações de literatura latina presentes em latim e em francês no romance La Bataille de Pharsale (A batalha de Farsália), de Simon. Por essa investigação, compreendi melhor a relação que o autor estabelece com a história e a memória pela recepção dos clássicos. À primeira vista, o livro apenas nos apresenta viajantes perdidos em busca do local onde, na Grécia, no século I a.C., ocorreu a chamada Batalha de Farsália. Contudo, por meio da intertextualidade, ou seja, pelo diálogo entre seu texto e os textos literários latinos, elaboram-se uma progressiva ressignificação da Antiguidade Clássica e uma nova perspectiva dos acontecimentos, integrada à linha do tempo da jornada dessas personagens. Assim, pela pesquisa, o que se tornou manifesto para mim é que, em seu romance, Simon trabalha com a história explorando ao máximo sua subjetividade intrínseca e as contradições da memória literária dela derivada.

Daniel Falkemback Ribeiro é doutor em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH e graduado em Letras - Português e Latim pela UFPR. Atua nas áreas de língua e literatura latinas, teoria da literatura, literatura comparada, recepção dos clássicos, tradução e crítica literária. Sua dissertação Palimpsestos da guerra: o intertexto latino em Claude Simon está disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.