Itália declara guerra à ex-aliada Alemanha

Após a queda de Mussolini, a Itália não tinha os mesmos interesses que a Alemanha na guerra

Por
Alice Elias
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Itália declara guerra à ex-aliada Alemanha
"Tanto hoje quanto no passado, o fascismo é incapaz de realizar permanentemente qualquer objetivo 'nacional e social' como promete", afirma o professor Lincoln Secco. (Arte: Alice Elias)

 

No contexto da Segunda Guerra Mundial, em 13 de outubro de 1943, a Itália rompeu a aliança com a Alemanha e se uniu aos Aliados (Reino Unido, França, União Soviética e Estados Unidos). Até então, a Itália estava sob o regime ditatorial e fascista de Benito Mussolini, que se alinhava aos interesses de Hitler. Após a derrota alemã em Stalingrado, Mussolini foi derrubado –  a Itália então declarou guerra à ex-aliada Alemanha e se uniu à oposição.

O regime de Mussolini começou em 1922, após ser convidado pelo rei para assumir o governo. O ditador se aproveitou do descontentamento social para apresentar uma proposta pseudo revolucionária que atenderia a todos os grupos sociais, mas em poucos anos destruiu todas as instituições democráticas e implementou um regime de prisões, torturas e assassinato de opositores.

Conversamos com Lincoln Secco, professor de História Contemporânea na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, para entender mais sobre esse contexto. Confira:

Serviço de Comunicação Social: Como foi o governo e a queda de Mussolini?

Lincoln Secco: Após a Primeira Guerra, a Itália viveu uma profunda crise. Os partidos tradicionais e o sistema político não conseguiam representar as massas populares que ganharam o direito de voto; os desmobilizados da guerra não encontravam ocupação na vida civil e se tornaram a base disponível para o movimento fascista; os empresários não toleravam os sindicatos e os socialistas que, na ótica daqueles, protegiam os salários e impediam a recuperação da taxa de lucro das empresas; as camadas médias temiam o empobrecimento e estavam ressentidas pela queda das suas rendas. Mussolini uniu esse descontentamento social em torno de uma proposta pseudo revolucionária que prometia atender a todos os grupos sociais. Ele entrou no governo em 1922, há 100 anos. Nas eleições de 1921, seu partido tinha obtido poucas cadeiras parlamentares, mesmo assim ele organizou a marcha sobre Roma e foi convidado pelo rei para assumir o governo legalmente. Em poucos anos destruiu as instituições democráticas e se tornou o Duce (líder) do país. Seu regime prendeu, torturou e assassinou opositores, tentou criar um império colonial na África e no sul da Europa, criou leis raciais e levou a Itália à II Guerra ao lado da Alemanha e do Japão. Com a mudança de rumos da guerra, após a derrota alemã em Stalingrado, Mussolini foi derrubado. Salvo por uma operação militar alemã, proclamou a República Social Italiana na cidade de Salò, mas no final da guerra foi executado pela resistência italiana.

Serviço de Comunicação Social: Quais os principais fatores que levaram a Itália a se unir aos Aliados?

Lincoln Secco: A Itália não tinha os mesmos interesses que a Alemanha na guerra e após a queda de Mussolini não possuía qualquer escolha senão afastar-se de Hitler. O Governo italiano, na verdade, pediu um armistício aos aliados e seu território estava completamente conflagrado pelos partigiani (a resistência), os fascistas fiéis a Mussolini, o exército alemão e as tropas aliadas (entre elas um pequeno contingente brasileiro).

Serviço de Comunicação Social: Como foi o período pós guerra, e pós fascismo?

Lincoln Secco: Ao final da guerra, o Partido Comunista Italiano surgiu como uma grande força política. Tornou-se o maior partido comunista do mundo ocidental. Mas a Itália ficou na esfera de influência dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. O país se tornou uma república parlamentarista governada por coalizões conservadoras, onde se destacava o Partido Democrata Cristão. O padrão de vida melhorou e a Itália se tornou uma das maiores economias do mundo, mesmo mantendo profundas desigualdades regionais. A família real foi expulsa e a defesa do fascismo proscrita, mas não houve uma ampla desfascistização do Estado e as práticas fascistas, ou que permitiram a ascensão fascista, permaneceram nos subterrâneos da vida política italiana. O cinema italiano é testemunha disso, basta ver os filmes de Elio Petri, Visconti, Liliana Cavani e Ettore Scola entre outros.

Serviço de Comunicação Social: No dia 25 de setembro, o partido pós-fascista de Giorgia Meloni venceu as eleições na Itália. Em sua análise, quais as principais causas do retorno de ideais fascistas, tanto na Itália, quanto no mundo?

Lincoln Secco: Meloni é herdeira do fascismo e sua vitória se inscreve numa onda internacional de ascensão da extrema direita em vários países do mundo. Seu discurso é irracional e preconceituoso, mas desperta o ressentimento de pessoas que desde os anos 1990 têm experimentado políticas neoliberais que aumentaram a desigualdade e as empobreceram. O neofascismo se apresenta contra o sistema e cria um bode expiatório, como eram os judeus na Alemanha nazista: um conjunto heterogêneo de imigrantes, homossexuais, esquerdistas etc. Sua ascensão foi facilitada também pela deserção da esquerda que, após o fim do partido comunista, aderiu às políticas de austeridade fiscal e diminuição de gastos sociais. No entanto, tanto hoje quanto no passado o fascismo é incapaz de realizar permanentemente qualquer objetivo “nacional e social” como promete.

Lincoln Ferreira Secco é mestre e doutor em História Econômica pela FFLCH,  e professor livre docente de História Contemporânea na mesma instituição. É também coordenador do Grupo Fernand Braudel.