Ditadura decreta o Ato Institucional nº 5

Medida mais dura do regime militar fechou o Congresso, cassou políticos e suspendeu habeas corpus

Por
Pedro Fuini
Data de Publicação

Ditadura decreta o AI-5
(Arte: Pedro Fuini)

Em 13 de dezembro de 1968, o então presidente Artur da Costa e Silva decretou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), iniciando os “anos de chumbo”, período mais repressivo da Ditadura Militar (1964-1985). Por meio desses decretos com valor constitucional, eram legalizadas uma série de normas necessárias à implementação do regime autoritário. 

Na época, vigorava a Constituição de 1946, que não previa tais atos. Entre 1964 e 1977, foram editados 17 Atos Institucionais e 104 atos complementares, que tiveram abrangência em todos os domínios da vida nacional. O AI-5 A deu superpoderes ao presidente da República, que foi autorizado a cassar mandatos eletivos, a suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, a decretar o recesso do Congresso Nacional e de outros órgãos legislativos, a intervir nos estados e municípios, além de suspender o direito ao habeas corpus

De acordo com Angélica Müller, doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o AI-5 foi decretado em 1968 em um contexto de crescimento da oposição à Ditadura. Parte das forças civis que haviam apoiado o golpe em 1964 já se afastavam conforme avançava a militarização. Em 1966, uma Frente Ampla de oposição se formou e as manifestações de rua organizadas pelo movimento estudantil se intensificaram, enquanto crescia uma resistência cultural ao regime. “Este quadro estourou em março de 1968, quando a polícia da Guanabara matou um estudante secundarista, Edson Luís, no restaurante universitário Calabouço".

Segundo Müller, que também é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), os primeiros anos de vigência do AI-5 ficaram marcados pela aplicação da violência como política de Estado, com a prática de prisões clandestinas, tortura e desaparecimentos forçados. “O esquema de vigilância da sociedade aumentou enormemente por meio de um aparelhamento sofisticado de informação que estava instalado desde os ministérios até suas autarquias, como nas universidades”. Até mesmo nas universidade estaduais, como a USP, foi implantado um desses aparelhos, a Assessoria de Segurança e Informação.

O movimento estudantil era um dos principais opositores do regime, e seu papel na resistência foi tema do doutorado de Angélica Müller. Desarticulado pelo AI-5 em 1968, o ME só retornaria à cena pública em 1977. A União Nacional dos Estudantes (UNE), principal entidade representativa dos estudantes, ficou na clandestinidade e foi extinta em 1973, com seu presidente, Honestino Guimarães, sendo morto pelo regime.

Se perguntando o que teria ocorrido nesse meio tempo, já que as grandes manifestações de rua não podiam mais ser realizadas, a pesquisadora se deparou com um repertório variado de ações políticas, culturais e educacionais dos estudantes nas diferentes universidades do país para protestar contra a Ditadura. “Este contínuo engajamento, com a renovação de atores e de ações é que lhes permitiu ser o primeiro ator a retornar às ruas, em 1977, e a refundar a UNE, em 1979, lutando pelo fim da ditadura com outros movimentos sociais e grande parte da sociedade”.

Atualmente, Müller realiza pós-doutoramento no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP. Confira a entrevista completa:

 

Serviço de Comunicação Social: O que eram os Atos Institucionais? 

Angélica Müller: Os Atos Institucionais eram decretos emitidos pelos governos militares que tinham valor constitucional. Portanto, legalizaram uma série de normas indicadas pelo Executivo para a implementação da ditadura militar. As mudanças propostas “em nome da Revolução”, como assim chamavam o “movimento”, não eram permitidas pela Constituição de 1946, que estava em vigor. Como, por exemplo, no primeiro Ato, de 9 de abril de 1964, que previu a cassação de mandatos legislativos e a suspensão de direitos políticos por parte do “comando revolucionário”. Mesmo com uma nova Carta, redigida em 1967, os governos militares continuaram a decretar atos. Entre 1964 e 1977, foram 17 atos principais e 104 atos complementares que tiveram abrangência em todos os domínios da vida nacional.

 

Serviço de Comunicação Social: Em que contexto foi decretado o AI-5? O que estava previsto em seu texto?

Angélica Müller: Parte das forças civis que apoiaram e realizaram o golpe em 1964 junto com os militares foram se afastando, conforme a militarização do regime ia avançando. Em 1966, isso ficou bastante claro com a formação da Frente Ampla que reuniu, entre outros políticos, João Goulart, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda na oposição à ditadura. Em 1967, também aumentaram as manifestações de rua organizadas pelo movimento estudantil e crescia uma resistência cultural ao regime. Este quadro estourou em março de 1968 quando a polícia da Guanabara matou um estudante secundarista, Edson Luís, no restaurante universitário Calabouço. O ano foi marcado por grandes manifestações contrárias ao regime, inclusive no Legislativo. Em 13 de dezembro de 1968 o AI-5 foi decretado.

Sempre com o pretexto de “edificar a Nação conforme os ideais da Revolução”, o AI-5 deu super poderes para o presidente da República, autorizando-o a cassar mandatos eletivos e a suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, a decretar o recesso do Congresso Nacional e de outros órgãos legislativos, a intervir nos estados e municípios além de outras normas. Foi utilizando o AI-5 que o presidente Geisel, que ficou conhecido como “presidente da abertura”, fechou o Congresso Nacional em 1977 e colocou o Pacote de Abril que, entre outras normas, criou senadores biônicos para o regime. Talvez a mais conhecida das normativas foi a suspensão de habeas corpus, o que levou a ditadura para outro patamar no que diz respeito ao autoritarismo.

 

Serviço de Comunicação Social: No período em que o AI-5 ficou vigente, quais ações foram colocadas em prática pelo regime?

Angélica Müller: O AI-5 ficou vigente até dezembro de 1978. Os desdobramentos práticos do ato foram muitos, afetando sobretudo os direitos civis e políticos. Por exemplo, a punição arbitrária para aqueles que eram considerados inimigos do regime, muitas vezes chamados de “terroristas”. Estes primeiros anos de vigência do AI-5 ficaram também conhecidos como os “anos de chumbo” pela aplicação da violência como política de Estado, com a prática de prisões clandestinas, tortura e desaparecimentos forçados. O esquema de vigilância da sociedade aumentou enormemente por meio de um aparelhamento sofisticado de informação que estava instalados desde os ministérios até suas autarquias, como nas universidades. Inclusive em universidades estaduais, caso da USP, foram criadas Assessoria de Segurança e Informação, já que o movimento estudantil organizado de esquerda era considerado um dos principais inimigos da nação. Também, o AI-5 chancelou uma política econômica, que ficou conhecida como “Milagre econômico”, que teve seus “anos de ouro” até o primeiro choque do petróleo, em 1973, que depois entrou em declínio e contribuiu fortemente para aumentar a desigualdade do país.

 

Serviço de Comunicação Social: Em sua tese de doutorado, você procura mostrar a importância do movimento estudantil brasileiro na resistência contra a ditadura, principalmente a partir da promulgação do AI-5. Qual foi o papel que o ME representou nessa resistência?

Angélica Müller: O papel de oposição à ditadura do ME nos anos de 1960 é bastante conhecido. Vários estudos mostravam que depois do AI-5 houve uma grande desarticulação do movimento, uma vez que muitos estudantes foram para o exílio e outros entraram para luta armada. Os estudantes, então, só retornaram para a cena pública em 1977. Quando fui fazer minha tese eu me perguntava o que tinha acontecido naquele meio tempo. E minhas pesquisas me mostraram a riqueza das diferentes formas de resistência empregadas pelos estudantes nas diferentes universidades do país. De fato, as grandes manifestações de rua não podiam mais ser realizadas no pós-1968, com o AI-5 em vigor. No entanto, os estudantes encontraram um repertório variado de ações políticas, culturais e educacionais para protestarem contra os governos militares. A reforma universitária realizada em 1968 previa, entre outras questões, o ensino universitário pago. No governo de Médici (1969-74), o ministro da Educação, Jarbas Passarinho, tentou muitas vezes a implementação de taxas, cobrança de matrículas e do próprio ensino, sem sucesso. O ME, embora com manifestações localizadas, foi bastante ativo ao realizar manifestações contrárias. Na USP, por exemplo, no final de 1972, o Conselho de Centros Acadêmicos, que se mantinha ativo no lugar do DCE, realizou um plebiscito sobre o ensino pago. Mais de dez mil estudantes votaram e mais de 90% foram contrários. Mobilizar um universo de dez mil estudantes é necessário muito engajamento, o que mostra a atividade do movimento embora sua principal entidade, a União Nacional de Estudantes (UNE), depois de passar anos na ilegalidade e na clandestinidade, foi extinta em 1973. Seu presidente da época, Honestino Guimarães, foi preso e morto em outubro daquele ano pelas forças do regime. Isso não arrefeceu a organização dos estudantes nas universidades, que se apresentava, muitas vezes, em grupos de estudos, de teatro e música e mesmo na elaboração de um jornal ou nas discussões propostas nos cines-clubes. E este contínuo engajamento, com a renovação de atores e de ações é que lhes permitiu ser o primeiro ator a retornar às ruas, em 1977, e a refundar a UNE, em 1979, lutando pelo fim da ditadura com outros movimentos sociais e grande parte da sociedade.

Angélica Müller é doutora em História Social pela FFLCH em cotutela com a Université Panthéon Sorbonne. É professora de História do Brasil República da Universidade Federal Fluminense (UFF), bolsista CNPq e Faperj. Atualmente em pós-doutoramento no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.