Nascimento de Angela Davis

A ativista assumiu papel importante na luta revolucionária negra e hoje é autora de livros como "Mulheres, Raça e Classe" e "Uma Autobiografia"

Por
Alice Elias
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Nascimento de Angela Davis
Segundo Fernanda Silva e Sousa, Davis é "comprometida com um sentido radical de liberdade, em que ou ela existe para todas as pessoas, ou ela não existe verdadeiramente para ninguém". (Arte: Renan Braz)

 

Em 26 de janeiro de 1944, nasceu Angela Davis, filósofa, intelectual e ativista estadunidense. Davis cresceu na cidade de Birmingham, onde vigoravam leis de segregação racial que diminuíam direitos da população negra. A ativista assumiu papel importante na luta revolucionária negra e hoje é autora de livros como Mulheres, Raça e Classe; Uma Autobiografia; A Democracia da Abolição; e O Sentido da Liberdade. Suas obras, explicitamente socialistas e antirracistas, tornaram-se referência para os movimentos e intelectuais negros.

Angela Davis tornou-se muito conhecida ao se envolver com o Partido dos Panteras Negras, e ao ser perseguida pelo FBI. Em 1970, foi presa a partir de acusações sem procedência, o que causou comoção popular e manifestações a favor de sua liberdade. “Angela Davis tem contribuído decisivamente com uma perspectiva radical de transformação da sociedade, em que a luta por direitos da população negra não está desvinculada da luta de outras minorias sociais e, principalmente, da necessidade de pôr fim ao capitalismo enquanto sistema econômico que organiza o mundo”, explica Fernanda Silva e Sousa, doutoranda no Programa de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Quem é Angela Davis?

Fernanda Silva e Sousa: Angela Davis é uma filósofa, intelectual e ativista estadunidense que cresceu na cidade de Birmingham, no Alabama, um estado do Sul dos Estados Unidos onde ainda vigorava as leis de segregação racial, conhecidas como Jim Crow, que restringiam os espaços e direitos da população negra, bem como proíbia a existência de escolas mistas e integradas, de maneira que as pessoas negras viviam uma cidadania de segunda classe. Vivendo na pele a experiência de discriminação e segregação raciais como jovem negra e acompanhando casos terríveis de violência racista, como o bombardeiro de uma igreja em sua cidade que vitimou meninas negras, desde cedo Angela Davis se sentiu convocada a fazer alguma coisa para transformar o mundo, conciliando o estudo e uma sólida formação teórica com um ativismo radical, sem separar teoria e prática. Não à toa, ela estudou em grandes universidades e, ao mesmo tempo, se envolveu com a luta revolucionária negra, como o Partido dos Panteras Negras, o que culminou na sua maior notoriedade pública e na perseguição sofrida pelo FBI, chegando a ser presa em 1970 a partir de acusações infundadas, causando uma grande comoção e movimento históricos em prol da sua liberdade.

Ao longo da vida, Angela Davis escreveu vários livros em que aprofunda suas perspectivas de luta, marcadamente socialistas e antirracistas, com livros que se tornaram importantes referências para os movimentos e intelectuais negros, como Mulheres, Raça e Classe; Uma Autobiografia; A Democracia da Abolição; O Sentido da Liberdade, entre outros. Além das ideias revolucionárias, Angela Davis fazia do seu corpo também uma expressão de luta e afirmação da identidade negra, ao adotar um grande black power e inspirar gerações de homens e mulheres negras a fazerem o mesmo.

Serviço de Comunicação Social: Quais são suas principais contribuições?

Fernanda Silva e Sousa: Angela Davis tem contribuído decisivamente com uma perspectiva radical de transformação da sociedade, em que a luta por direitos da população negra não está desvinculada da luta de outras minorias sociais e, principalmente, da necessidade de pôr fim ao capitalismo enquanto sistema econômico que organiza o mundo. Pensando nas articulações complexas entre raça, classe, gênero, Angela Davis é uma intelectual que não perde de vista que, apesar dos avanços e conquistas em termos de direitos, a população negra e outras minorias sociais jamais terão uma vida digna e viverão em uma sociedade democrática num sistema baseado no lucro, como é o capitalismo, que depende da sujeição, espoliação e morte de diferentes grupos sociais para se sustentar, em que o racismo é uma estrutura decisiva na definição de quem deve morrer e quem deve viver. Não à toa, ela se caracteriza por um olhar bastante crítico a conquistas centradas em indivíduos e não em uma coletividade, frisando como é impossível haver plena liberdade e cidadania num mundo em que há tantas pessoas espoliadas e discriminadas, de maneira que essa é uma luta que deve se basear na aliança entre todos aqueles que querem construir outra sociedade, com o protagonismo dos que mais sofrem os efeitos do sistema capitalista racista, sexista e heteronormativo. Em outras palavras, ela é comprometida com um sentido radical de liberdade, em que ou ela existe para todas as pessoas, ou ela não existe verdadeiramente para ninguém.

Fernanda Silva e Sousa é doutoranda no Programa de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH, onde desenvolve a tese A terrível beleza cotidiana do negro drama: os diários de Lima Barreto e Carolina Maria de Jesus à luz de uma tradição literária e musical afrodiaspórica. É professora de língua portuguesa, tradutora, revisora de textos e crítica literária. Tem várias resenhas literárias publicadas na Folha de S. Paulo e realizou traduções de textos de importantes intelectuais da diáspora negra, como Saidiya Hartman, Denise Ferreira da Silva e Cedric Robinson. Escreveu o posfácio da edição brasileira de Lose Your Mother, de Saidiya Hartman, publicada pela Bazar do Tempo, além de ter larga experiência em eventos e discussões sobre raça, literatura, educação, narrativa e experiência, liberdade e escravidão.