Golpe militar no Brasil

Entre 1964 e 1985, o Brasil viveu 20 anos sob uma ditadura militar. O que podemos aprender com o período do regime e que relações podemos fazer com o atual clima político que vivemos no Brasil?

Por
Paulo Andrade
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Golpe militar no Brasil (Arte: Renan Braz)
"As pessoas que não viveram o auge do regime podem e devem se informar em pesquisas históricas competentes (Caio Navarro Toledo, Eder Sader) sobre o que ocorria naquele tempo", diz o professor Marcos Silva. (Arte: Renan Braz)


Em 31 de março de 1964, a derrubada do presidente João Goulart marcava o início dos governos militares no Brasil que duraria até 1985. O Hoje na História conta um pouco das motivações do golpe militar e das semelhanças com o momento atual da política brasileira.

Desde sua posse, em 1961, João Goulart vinha adotando uma agenda popular com reformas sociais e econômicas profundas, como nacionalização de empresas e setores estratégicos, reforma agrária, distribuição de renda, entre outras medidas.

“As propostas de reforma integravam programas capitalistas, reforçavam a pequena propriedade, potencialmente reforçariam uma nova distribuição de renda que redundaria em novo perfil para o mercado interno”, explica o professor Marcos Antonio da Silva, do Departamento de História da FFLCH USP e pesquisador de Brasil República e ditadura militar. 

Os rumos adotados pelo governo Goulart mobilizaram as elites civil e militar contra o presidente, que era acusado de representar uma suposta ameaça comunista ao Brasil.

Contudo, há causas mais profundas para essa mobilização: “O elitismo e o antirreformismo civil e militar não viam com bons olhos os movimentos de massa, a agenda reformista e as lideranças carismáticas de esquerda - que gravitavam em torno do governo Goulart, mesmo que não apoiassem o presidente em tudo”, aponta o professor Marcos Francisco Napolitano, também do Departamento de História da FFLCH USP e especialista no período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar. 

A organização dos militares e setores conservadores culminaram com a deposição de Goulart em 31 de março de 1964. O governo militar teve início com eleições indiretas, colocando o general Humberto Castelo Branco como presidente do Brasil.

Apesar do auge da repressão ter acontecido a partir de 1969, após a implementação do Ato Institucional nº 5, Napolitano esclarece que a repressão foi iniciada muito antes. “O caráter ditatorial e autoritário do regime já estava posto desde os primeiros dias do pós-golpe, se afirmando plenamente com o AI-2”, explica. 

De acordo com o docente, o AI-2* dissipou as ilusões dos liberais apoiadores do golpe, que acreditavam em um “governo tampão” de Castelo Branco. “O regime avisava, já no preâmbulo do Ato, que tinha vindo para ficar”, aponta.

(*Em outubro de 1965, o AI-2 instituiu eleições indiretas para presidente, dissolveu partidos políticos, suspendeu direitos políticos de opositores do regime e outras medidas.)

Para o professor Marcos Silva, Castelo Branco tinha liderança e recebeu apoio suficiente para cometer imensas violências contra opositores “fazendo de conta que aquilo não era uma ditadura”.

O professor explica que “hoje existe a impressão de que Costa e Silva e o AI-5* nasceram do nada: mas houve AI-1, AI-2, AI-3, AI-4 antes, sob o primeiro ditador, e Castelo Branco teve Costa e Silva como ministro da Guerra”.

(*Editado em dezembro de 1968, o AI-5 deu ao presidente da República o poder de cassar mandatos, suspender direitos políticos de qualquer pessoa, intervir em estados e municípios, suspender Habeas Corpus para crimes políticos, decretar recesso do Congresso e assumir suas funções legislativas, censurar jornais, livros, músicas e outras obras artísticas e intelectuais. Foi o auge da repressão e violência do regime militar.)

Cenário político 1964 x 2018

O atual clima político que vivemos no Brasil levanta diversas comparações entre os anos anteriores à ditadura de 1964 e o atual. Para o professor Napolitano, nos anos 1960 havia a Guerra Fria e, diferentemente daquela época, o atual protagonismo político dos militares está enfraquecido.

“De resto, há algumas semelhanças: uma elite que se diz liberal, mas estimula o golpismo, sob crítica ao ‘populismo’ e à ‘irresponsabilidade fiscal’ da esquerda. Outro aspecto, é a mesma desconfiança e criminalização dos movimentos sociais”, completa. 

O professor Marcos Silva acredita que as comparações revelam continuidades do regime em diversos aspectos, como na manutenção de parte da legislação e em práticas políticas no pós-ditadura. “Uma ditadura não se apaga com uma eleição nem mesmo com uma Constituição, embora eleições e constituições sejam muito importantes”, diz.

Silva também aponta semelhanças: “Penso que, num plano genérico, o que se assemelha muito é o clima conspiratório, a violência física contra opositores (mataram João Pedro Teixeira, liderança das Ligas Camponesas, antes do golpe; mataram Marielle Franco, liderança popular no Rio de Janeiro, muito recentemente), o grande poder econômico de golpistas e suas alianças internacionais de peso”.
 
Foi uma ditadura?

Além das semelhanças com o clima político pré-64, atualmente alguns setores da sociedade (principalmente fora das universidades e meios intelectuais) começam a reinterpretar a ditadura de 1964. Não é raro observar pedidos de volta dos militares, principalmente em manifestações políticas mais recentes, assim como a utilização de termos como “Revolução de 1964” para abrandar a história do regime.

Napolitano afirma que não há dúvidas, na historiografia acadêmica, que se tratou de uma ditadura: “Na sociedade, há correntes de opinião autoritárias que se identificam com o regime e seus métodos (censura, tortura, restrições aos direitos civis), têm desprezo pela democracia e acreditam em soluções de força para os conflitos sociais e políticos”, explica.

O docente aponta que a crise política atual também é utilizada para reforçar essa reinterpretação do que foi o regime. “O medo social contra a criminalidade, que é um problema real e sério, tem sido alimentado e instrumentalizado pelos setores conservadores, autoritários e elitistas (vide a intervenção no Rio de Janeiro). Tudo isso converge e alimenta uma memória ‘nostálgica’ e positiva do regime militar”, avalia.  

O professor Marcos Silva compartilha dessa opinião: “A ditadura sempre fez de conta que era outra coisa. Ela foi implantada e mantida não apenas pelos militares, mas também por civis do judiciário, legislativo, imprensa, setores da universidade... Falar da ditadura como se ela fosse outra coisa é reiterar a ideologia daquele caos”.

Ele acredita que “endossar a ideologia que legitima a ditadura é manter a porta aberta para novas ditaduras, é aceitar a violência física contra opositores, como está ocorrendo em março de 2018 - assassinato de Marielle, tiros disparados contra a caravana de Lula no sul do Brasil”.

 

Confira abaixo as entrevistas completas com os professores:

Entrevista professor Marcos Francisco Napolitano

Entrevista com professor Marcos Antonio da Silva