Consolidação das Leis Trabalhistas

O Decreto-Lei foi criado durante a Era Vargas, em 1943

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
Data de Publicação

Consolidação das Leis Trabalhistas
“No contexto de criação da CLT, o país vivia um período de grande polarização política tanto interna como externamente”, afirma Marcelo Augusto Monteiro de Carvalho. (Arte: Renan Braz)

Há 80 anos, em 1º de maio de 1943, o Decreto-Lei nº 5.452 deu origem à Consolidação das Leis do Trabalho, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas no período do Estado Novo. Naquela época, a ascensão de regimes totalitários ao redor do mundo – observada, por exemplo, no fascismo italiano, no salazarismo em Portugal e na Alemanha nazista – repercutia no Brasil por meio do endurecimento do autoritarismo de Vargas. Ao mesmo tempo, temas relacionados ao trabalho e à modernização das forças produtivas estavam em voga em países desenvolvidos. Vargas viu nesse momento uma oportunidade de tentar romper com o quadro de atraso crônico no Brasil e tirar o país de sua posição periférica no sistema capitalista.

Nesse contexto, a CLT surgiu como uma forma de regulamentar relações individuais e coletivas de trabalho ao sistematizar mudanças como o salário mínimo, as férias anuais e a limitação da jornada de trabalho. Por outro lado, o autoritarismo do Estado Novo se fazia presente na proibição de greves e na censura à oposição, representando mais um obstáculo ao rompimento com o atraso no cenário econômico brasileiro.

“Em suma, a despeito de a legislação celetista intervir no mercado de trabalho e, na prática, proporcionar mais vantagens para as classes dominantes do que para as classes trabalhadoras, foi parte de uma ação de política de paz social e de desenvolvimento nacionalista em que Getúlio Vargas apresentava para a população o seu regime como algo moderno e em sintonia com as reais necessidades do povo brasileiro e sua realidade concreta”, explica Marcelo Augusto Monteiro de Carvalho, mestre e doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar sobre a política trabalhista da Era Vargas e o contexto histórico que levou à Consolidação das Leis do Trabalho?

Marcelo Augusto Monteiro de Carvalho: Este importante assunto tem sido longamente debatido tanto na historiografia brasileira como em outros campos das chamadas ciências sociais e, portanto, não pretendo ser repetitivo nos detalhes da construção daquela legislação trabalhista, até porque isso já foi feito com grande maestria por outros pesquisadores deste tema. E, se tratando de um fato ocorrido na “Era Vargas”, tornou-se mais polêmico e controverso mesmo após 80 anos de criação da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943).

Lembremos que, no contexto de criação da CLT, o país vivia um período de grande polarização política tanto interna como externamente (crise do modelo liberal-democrático, ascensão de regimes ditatoriais e totalitários), ao mesmo tempo que, desde a instalação do governo liderado por Vargas, em 1930, até o aprofundamento do seu regime no Estado Novo, Vargas e seus aliados mais convictos viram naquele momento a possibilidade de romper o quadro tradicional de atraso do país para o de uma nação industrializada a exemplo dos países ricos, apesar dos aspectos contraproducentes do seu autoritarismo, que carecia, inclusive, de quadros dirigentes mais competentes e compromissados com um real desenvolvimento nacional autônomo.

Embora a CLT tenha sido acusada de possuir uma natureza corporativista típica dos regimes fascistas, nem todos os seus dispositivos estavam comprometidos com o autoritarismo puro e simples; buscou-se, naquele contexto conturbado da Segunda Grande Guerra Mundial, uma solução que reduzisse os atritos e harmonizasse posições contrárias num país ameaçado pelas consequências que o conflito mundial poderia aqui produzir. De fato, desejava-se um trabalhador mais dócil às requisições do empresariado e, concomitantemente, foram melhoradas as condições de trabalho e vida do operariado urbano, através da intervenção do Estado por meio da legislação trabalhista, sindical e previdenciária e da Justiça do Trabalho.

Em suma, a despeito de a legislação celetista intervir no mercado de trabalho e, na prática, proporcionar mais vantagens para as classes dominantes do que para as classes trabalhadoras, foi parte de uma ação de política de paz social e de desenvolvimento nacionalista em que Getúlio Vargas apresentava para a população o seu regime como algo moderno e em sintonia com as reais necessidades do povo brasileiro e sua realidade concreta.

Serviço de Comunicação Social: Naquela época, quais foram as principais transformações instituídas pela CLT?

Marcelo Augusto Monteiro de Carvalho: Podemos ver a CLT como parte de um conjunto de iniciativas federais no campo da então chamada “questão social” que assombrava as classes dirigentes locais durante a primeira metade do século XX e que versava sobre a difícil relação Capital/Trabalho num país atrasado como o nosso. Ela fazia parte de outras ações tomadas pelo governo autoritário-nacionalista comprometido com a modernização das forças produtivas nacionais a fim de romper a inércia que impedia mudanças significativas no sentido de tirar o país da mesma situação de atraso e dependência dos países centrais capitalistas.

Nesse sentido, nos mais de 900 artigos daquela lei trabalhista decretada em 1943, não podemos vê-la como algo dissociado de um grande projeto que passou a considerar assunto de Estado a regulamentação das políticas relativas ao trabalho, bem como outros temas relacionados considerados importantes – por exemplo, a explícita preocupação de Getúlio Vargas com a preparação da mão de obra para as atividades industriais através do ensino profissional ao apoiar decididamente a criação da primeira entidade do atual sistema “S”, o SENAI, em 1942.

Transformações como a organização sindical permitida sob tutela do Estado, estabilidade no emprego com direito a indenização sem justa causa, férias anuais, limitação da jornada de trabalho e salário mínimo nacional faziam da CLT um conjunto de leis de um regime no qual os conflitos de classes começaram a ser julgados de forma diferente sob uma nova institucionalidade a qual, sob o Estado Novo, também proibia quaisquer greves, impunha uma severa censura e repressão aos opositores. Isso demonstra que o regime carecia de força e coerência indispensáveis para enfrentar os maiores obstáculos internos e externos para que o país ultrapassasse sua crônica pobreza e subordinação ao sistema hegemônico central do capitalismo.

Serviço de Comunicação Social: Em sua análise, quais mudanças se fazem necessárias atualmente no âmbito trabalhista?

Marcelo Augusto Monteiro de Carvalho: Acho que esta será a resposta mais pessoal desta entrevista e expressão da opinião de um trabalhador assalariado da educação mais do que de um historiador. Ao meu ver, a reforma trabalhista criada durante a presidência de Michel Temer (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017) – apesar dos argumentos reconhecidos da necessidade de se reformar e atualizar a antiga CLT para as transformações no mundo do trabalho desse início de século XXI –, que foi aprovada rapidamente pelo Congresso Nacional, perdeu uma grande oportunidade de fazer valer o lado mais frágil numa economia de mercado que é justamente o da classe trabalhadora com todos os seus diferentes grupos de assalariados, assim como de fato modernizar nossa legislação trabalhista por meio de um amplo debate nacional com todas as forças políticas e interesses econômicos.

A capacidade de negociação dos trabalhadores, que já estava diminuída desde o enfraquecimento dos sindicatos tradicionais, foi agravada com o princípio em sobrepor o ‘negociado’ entre patrão e empregado sobre o que está ‘legislado’. Para mim, isso foi um golpe de morte num dos princípios mais positivos e longevos que há na CLT e que tanto protegeram os trabalhadores brasileiros ao longo de tantas décadas, sendo, inclusive, um fator de desenvolvimento econômico do país, ao contrário do que apregoam os defensores da chamada “livre negociação”.

Marcelo Augusto Monteiro de Carvalho é mestre e doutor pelo programa de História Econômica da FFLCH. Atualmente leciona como professor efetivo no Curso de Licenciatura em Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, além de participar da equipe de pesquisadores do Núcleo de Pesquisa da História e Memória da Educação Profissional e Tecnológica do Centro de Memória do IFSP/Campus São Paulo.