Nascimento de George Orwell

Orwell é autor de obras clássicas como “1984” e “A Revolução dos Bichos”

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Gabriela Ferrari Toquetti
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“Os elementos de 1984 entraram para a cultura pop e já fazem parte do imaginário da sociedade moderna”, de acordo com Leonardo Lucena Trevas. [Arte: Gabriela Ferrari Toquetti]

Em 25 de junho de 1903, nascia o escritor inglês George Orwell – pseudônimo de Eric Arthur Blair – na Índia, durante o período do Império Britânico. Autor de clássicos como 1984 e A Revolução dos Bichos, Orwell viveu menos de 50 anos, mas, além de romances, escreveu ensaios e obras jornalísticas.

Quanto à posição política, o autor considerava-se um socialista democrático. Em sua visão, o socialismo era necessário para a classe trabalhadora, o que é perceptível no livro O Caminho Para Wigan Pier. Embora não tão conhecida quanto outras escritas por Orwell, essa obra é importante para seu repertório, pois relata suas experiências em contato com trabalhadores da indústria de minério de carvão. Com isso, o autor começou a desenvolver sua consciência política, demonstrada novamente em outras obras como Lutando na Espanha, escrita em Barcelona durante a Guerra Civil Espanhola.

Orwell teve diversos impactos na literatura e na cultura de forma geral. 1984, por exemplo, ainda é best-seller e foi pioneiro no gênero literário distópico. “Não apenas termos como Big Brother ou novilíngua estão presentes no discurso, mas também certas tecnologias imaginadas por Orwell encontram ecos nos telefones celulares, nas câmeras de vigilância e na inteligência artificial. É por isso que Orwell se mantém contemporâneo”, afirma Leonardo Lucena Trevas, mestre em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi George Orwell, para os leitores que ainda não o conhecem?

Leonardo Lucena Trevas: George Orwell era o pseudônimo de Eric Arthur Blair, um inglês nascido na Índia, em uma época em que o Império Britânico ainda existia e dominava boa parte do globo. O seu pai era um funcionário público da administração do império e sua mãe, uma dona-de-casa de origem francesa. Blair cresceu em uma época em que era muito comum que os filhos da classe média entrassem para essa estrutura colonial, e após terminar os estudos secundários ele embarcou para a Birmânia (hoje Myanmar), trabalhando lá como policial. As atrocidades cometidas pelos britânicos contra os birmaneses o horrorizaram e ele retornou à Europa após alguns anos na Ásia, rompendo definitivamente com o colonialismo. De volta a Londres, decidiu ser escritor, e foi naquele momento que Blair tornou-se Orwell. 

Orwell escreveu alguns romances nos anos 1920 e 1930, mas eu acredito que, caso tivesse morrido naquela época, ele teria passado a história como um escritor medíocre. Somente em 1937, quando foi publicado O Caminho Para Wigan Pier, é que demonstrou uma prosa ensaística de força. O livro é um documentário, baseado nas experiências que Orwell teve ao encontrar-se com trabalhadores da indústria de minério de carvão, no norte da Inglaterra - uma região que sofria com sérios problemas sociais, na época. Wigan Pier também revela o amadurecimento político de George Orwell, que enxergava no socialismo uma ideologia catalisadora para as necessidades da classe trabalhadora.

No mesmo ano da publicação de Wigan Pier, ele viajou a Barcelona, na Espanha. Ocorria a Guerra Civil Espanhola, entre o governo republicano de esquerda e os golpistas de inspiração fascista liderados por Francisco Franco (que ganhou a guerra e governou a ditadura espanhola por quatro décadas). Orwell decidiu lutar como voluntário pelo lado da república. Lá, ele foi ferido à bala, contraiu tuberculose (a doença que viria matá-lo anos mais tarde) e foi perseguido tanto pelos fascistas quanto por agentes da União Soviética, na época comandada por Josef Stalin. Tudo isso resultou no livro Lutando na Espanha que, para mim, é um relato que aqueles interessados na obra de Orwell devem ler primeiro. A partir dele, é possível compreender o pensamento político do autor.

Orwell escreveu os seus romances mais famosos nos anos 1940: A Revolução dos Bichos (1945) é uma fábula que tece críticas aos desvios da Revolução Russa. E 1984, certamente o seu livro mais lido e mais vendido, foi publicado em 1949, pouco antes da morte de Orwell em janeiro de 1950.

Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita de Orwell?

Leonardo Lucena Trevas: Eu diria que a obra de Orwell tem duas facetas: os romances, que são seis, sendo o melhor deles 1984; e a faceta ensaística, que é a maior parte da sua obra. Os ensaios são deliciosos de se ler e tratam dos mais variados temas. Eu destaco Dentro da Baleia, que fala sobre o escritor Henry Miller e a guerra; Política e a Língua Inglesa, em que Orwell defende a ideia de que a linguagem deve ser utilizada de maneira direta e sucinta para que a comunicação com o povo seja mais efetiva; e Por Que Escrevo, que trata do pensamento político de Orwell (que declarava-se um socialista democrático) bem como das razões que o levaram ao ato da escrita. Em suma, Orwell é reconhecido como um grande ensaísta e sua obra jornalística precisa ser mais lida pelo público brasileiro.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

Leonardo Lucena Trevas: 1984 foi e ainda é um livro importantíssimo para a literatura de língua inglesa. É leitura obrigatória em salas de aula e nunca sai das listas de best-seller. Há um motivo: é um romance que, apesar de escrito em 1949, continua a encontrar ecos na realidade. Ele também é o que chamo de distopia perfeita: isto é, o mundo de 1984 é um dos piores e mais perversos da literatura do século 20. Também é um livro fundante da distopia enquanto categoria literária. A distopia é uma sociedade planejada para ser ideal, mas que em algum momento falhou e tornou-se uma utopia negativa. Na minha tese de doutorado recém-defendida “Fundamentos de 1984: a distopia perfeita”, eu busquei entender este livro enquanto uma síntese ficcional de elementos daquela realidade, do pós-Segunda Guerra Mundial, em que Orwell viveu. O livro foi criado como um alerta aos descaminhos que a humanidade poderia chegar, e por isso o mundo de 1984 é uma síntese totalitária de elementos do fascismo, do stalinismo e também do capitalismo e sua indústria armamentista destruidora. 

Os elementos de 1984 entraram para a cultura pop e já fazem parte do imaginário da sociedade moderna. Não apenas termos como Big Brother ou novilíngua estão presentes no discurso, mas também certas tecnologias imaginadas por Orwell encontram ecos nos telefones celulares, nas câmeras de vigilância e na inteligência artificial. É por isso que Orwell se mantém contemporâneo.

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Leonardo Lucena Trevas é mestre em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela FFLCH da USP e doutorando em Teoria e História Literária pelo IEL - Unicamp. Estudioso da obra do autor inglês George Orwell. Pesquisa os pontos de contato entre Literatura e Política e suas interações com a História, a Ideologia e as relações de classe. Possui experiência com comunicação jornalística, tradução e ensino de Língua Inglesa.