Antonio Candido é lembrado por seus ex-alunos em homenagem

O evento atraiu um grande público, lotando o auditório Nicolau Sevcenko e também o outro ao lado (os quais têm juntos 488 lugares), além das pessoas que ficaram em pé e as que acompanharam a transmissão ao vivo pelo canal do Youtube da FFLCH

Por
Eliete Viana e Paulo Andrade
Data de Publicação

 

hill

Por mais que se fale sobre Antonio Candido de Mello e Souza (1918-2017) – falecido no dia 12 de maio, aos 98 anos – ainda é pouco para expressar a importância e a contribuição do professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP à cultura e à sociedade brasileiras. Na tarde do dia 26 de maio, foi realizado o evento Homenagem a Antonio Candido: o Professor em Sala de Aula, que destacou sua atuação docente.

A organização do evento foi do Grupo de Pesquisa Pensamento e política brasileira do Departamento de Ciência Política da FFLCH, pelos professores André Singer e Bernardo Ricupero, em conjunto com o grupo de estudantes de Pós-Graduação Articulação discente para o pensamento brasileiro.

A atividade contou com depoimentos de seis docentes da FFLCH que também foram alunos de Candido na Sociologia, onde começou sua carreira acadêmica, ou na área de Letras: Berta Waldman, Davi Arrigucci Jr.; José Miguel Wisnik; Maria Augusta Fonseca; Roberto Schwarz; Salete Cara.

Entre os seis professores, somente Schwarz teve aula na Sociologia, enquanto que os outros foram alunos no curso de Letras e também orientados por ele durante o mestrado e/ou doutorado.

Importância

A abertura foi feita pelo professor e um dos organizadores do evento, Bernardo Ricupero, que explicou o porquê da realização da homenagem.

“Fazer a homenagem na Faculdade tem um significado especial que, em alguma medida, é mostrar como a Faculdade é importante para a USP e mesmo para o Brasil e para o pensamento brasileiro, visto que o professor Antonio Candido, com certeza, já tem um lugar neste sentido”.

Na saudação ao público, a diretora da FFLCH e professora de Sociologia, Maria Arminda do Nascimento Arruda, também destacou o significado do evento.

“A Faculdade reverencia um dos seus mestres maiores e reverencia também um intelectual brasileiro ímpar. E, mais do que isso, quando reverencia uma figura como Antonio Candido ela está falando dela mesma”.

Maria Arminda comentou que a direção da Faculdade tinha pensado em inaugurar nesta mesma data uma placa renomeando o conjunto didático de Letras para “Conjunto Didático de Letras Prof. Dr. Antonio Candido de Mello e Souza” – mudança aprovada na 357ª sessão da Congregação da Unidade, realizada em 18 de maio.

Mas, decidiu deixar para outro momento, para que todos os familiares do professor pudessem estar presentes. Pois, em razão de compromissos já firmados, apenas uma das filhas conseguiu comparecer: Ana Luiza Escorel, com sua filha e marido, Laura Escorel e Lauro Escorel.

A diretora lembrou ter assistido o último curso que Candido ministrou antes de sua aposentadoria, apesar de não ser da área de Letras. “Um curso absolutamente notável, porque, além do mais, o professor era um grande didata”.

Depoimentos

Confira alguns destaques dos depoimentos dos docentes sobre a experiência obtida com Antonio Candido em sala de aula.

Roberto Schwartz foi o primeiro a falar sobre sua experiência como aluno de Antonio Candido, na época no curso de Ciências Sociais e, depois, como assistente na Cátedra de Teoria Literária e Literatura Comparada.

Schwartz comentou que a morte do professor emérito mexeu com as pessoas, e falou sobre a forma dele fazer política e de participar da vida política do Brasil.

Berta Waldman explicou que conheceu o professor em 1962 na disciplina de Teoria Literária. Ela ressaltou sua cordialidade, inteligência, senso de humor, clareza e humanidade, que marcou sua relação com os alunos, orientandos e amigos.

De acordo com a professora, sua extrema erudição e fala requintada não prejudicava sua comunicação, que era clara, simples e direta, e marcava uma forma de respeito aos alunos e interlocutores. Pois, o que dizia não era um privilégio para poucos, mas um bem comum.

Plural 
Salete Cara comentou sobre o humor do professor, relatando uma conversa na qual ele perguntava a ela o que iriam dizer dele depois que morresse. Esta conversa, segundo ela, carregava a ideia de formação no âmbito da relação do professor com os seus alunos.

A docente Maria Augusta Fonseca foi aluna do professor na pós-graduação e tem pesquisado sobre ele e sua obra. Ela o considera quase eterno, um profissional plural e a figura humana mais notável que conheceu. Ela também recordou momentos em que conviveu com ele e da riqueza de suas aulas e análises.

Também recordou do alvoroço ao correr o boato de que ele ministraria o último curso na Faculdade antes de se aposentar. O resultado foram classes lotadas com aproximadamente 200 pessoas entre alunos e não alunos.

José Miguel Wisnik falou do professor como alguém capaz de integrar muitas vertentes e muitas faces enquanto intelectual. Ele recordou uma história, de 1967, quando ingressou na graduação, na qual Wisnik e um colega foram assistir a uma aula dele.

Na sala, foram perguntados pelo próprio professor quem eram e o que faziam ali. Ele relembra que o colega respondeu que era porque ele, Antonio Candido, era muito conhecido e famoso.

Então, ele respondeu que não era o Antonio Candido que falam por aí, que não era ele. Essa lembrança, para Wisnik, serviu como uma lição tal qual a Teoria do Medalhão, de Machado de Assis. Pois, não deveríamos nunca limitá-lo à sua figura pública.

Vasto saber

Para Davi Arrigucci, que também foi assistente do professor, Antonio Candido era um homem com tantos lados que é difícil explicar como ele era por dentro, e que seriam necessárias muitas histórias para contar. Ele lembrou de quando foi apresentado ao professor emérito e de suas discussões sobre literatura e política na década de 1960.

“Dizer que Antonio Candido foi um grande homem e um dos intelectuais mais completos que o Brasil já teve, exprime apenas o reconhecimento geral. Pela lucidez, pelo vasto saber, pela escrita fina e clara, pela fala de grande mestre, pela coerência das ideias, pela retidão da conduta, pelo empenho contra as desigualdades sociais, pela luta por um socialismo democrático, pelo desprendimento pessoal, pela força humanizadora que imprimiu a tudo que fez pela cultura e pela educação no país, é de fato o portador dos mais altos valores que atingiu o espírito crítico na universidade brasileira a que dedicou a
vida", ressaltou.

Como ensaísta, crítico, teórico, historiador e professor de literatura, Arrigucci considera a obra de Antonio Candido incomparável, que, além do mais, era um leitor fora do comum, com olhar sensível e implacável da realidade.

Ao final dos depoimentos dos ex-alunos, a homenagem também contou com a participação de Ana Pizarro, uma crítica literária chilena que é professora e pesquisadora da Universidade de Santiago do Chile.

Segundo o professor Ricupero, ela foi uma interlocutora importante do professor e "ouvi-la é como uma chance da gente pensar numa outra dimensão importante de Antonio Candido, como crítico literário".   

Ana contou que conheceu o professor emérito durante a ditadura militar, que a maioria dos países da América Latina estava vivendo. A crítica literária afirmou que, para ela, Antonio Candido foi um mestre em todos os sentidos e que sua morte foi um golpe muito forte. E, terminou parafraseando João Guimarães Rosa: “Que a gente não morre, fica suspendida como um encantamento”.

Para encerrar, Ricupero agradeceu e disse que “em um momento desolador como o que a gente vive hoje, esta tarde pelo menos serve para, talvez, a gente ter alguma esperança”, em alusão ao interesse do público pela figura de Antonio Candido.

Assista ao vídeo completo do evento em: